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sexta-feira, 14 de março de 2014

A SÍNTESE DO PENSAMENTO PSICANALÍTICO DO DR. SIGMUND FREUD




INTRODUÇÃO
Sigmund Freud nasceu em uma família judia na cidade de Freiberg na Áustria em 1856. Viveu grande parte de sua vida em Viena e posteriormente, por conta da II Guerra Mundial e do Nazismo, mudou-se para Londres, aonde veio a falecer em 1939.
Freud teve formação em Medicina, trabalhando com Neurologia, especializando-se em Psicopatologias. Em sua época, a grande questão da Psicopatologia era a Histeria, levando-o a estudá-la em Paris entre 1885 e 1886. Dessa viagem, Freud traz conceitos importantes para as estruturas da teoria (a qual Freud lutou para que fosse reconhecida como ciência) que nomeou de Psicanálise.
Freud desenvolve a Psicanálise não a partir de abstrações, como na escola alemã de Psicologia, mas a partir de sua clínica médica, especialmente intrigado por doenças onde não se verificava uma Etiologia orgânica. A Psicanálise, contudo, não se confunde com a Medicina nem com a Psicologia, mas pode-se dizer tratarem-se de três ferramentas diversas que visam a cura dos pacientes.

AS TRÊS DIMENSÕES DA PSICANÁLISE
A Psicanálise é dividida em três dimensões complementares: a pesquisa, a teoria e a clínica psicanalítica. A clínica seria o ponto de partida e de chegada desse conhecimento produzido. A pesquisa seria o método de investigação, e se daria já em Freud pelo seu desejo de não apenas aliviar os sintomas dos pacientes, mas entender os fenômenos aos quais estava sendo exposto em seu funcionamento e estrutura. A partir dessa pesquisa, Freud tenta elaborar uma teoria que a explique, por isso é típico de sua obra a reconstrução de conceitos e explicações, inclusive porque estava no contexto das ciências positivas onde os cientistas se colocavam na posição de descobrir uma verdade que estava oculta, entendê-la e trazê-la à tona.
Ainda quanto às mudanças em sua teoria, devem-se assumir dois momentos importantes de virada: 1900, onde Freud estuda “A Interpretação dos Sonhos” e propõe a partir daí a primeira teoria do aparelho psíquicos, e 1920, onde escreve “Além do Princípio do Prazer” onde propõe um novo grupo de pulsões e lança bases para a segunda teoria do aparelho psíquico.
De forma genérica, a Psicanálise assume a existência de uma instância psíquica a qual os sujeitos não possuem acesso e que, de acordo com o Axioma da Psicanálise, determina os comportamentos humanos: o Inconsciente. O sujeito psicanalítico, portanto, é dividido em Consciente e Inconsciente (tanto na primeira tópica quanto na segunda, onde se torna mais complexa a explicação). Por isso, nesse ponto, Lacan diz que Freud realizou uma “Virada Cartesiana” porque se antes o indivíduo pensava e logo existia enquanto Freud propõe que existe uma parte do indivíduo onde o pensamento não alcança.

ESTUDOS SOBRE A HISTERIA
Histeria, de acordo com o Freud descreveu no artigo “Histeria” (1888) escrito para a enciclopédia Villaret, teria sua origem nos primórdios da medicina significando “útero”, dado o preconceito de que essa patologia estaria vinculada a uma irritação nos genitais femininos. Nesse mesmo artigo, cita os principais sintomas do transtorno: os ataques convulsivos epilépticos, a presença de zonas histerógenas (zonas que, pressionadas, produziriam uma sensação análoga à convulsiva), distúrbios dos órgãos sensitivos, paralisias e contraturas.
De início, Freud, que era docente em Neuropatologia, estudou em Paris entre 1885 e 1886, com uma bolsa de estudos da Universidade de Viena, porque lá, no Hospital da Salpêtrière, Jean-Martin Charcot realizava estudos sobre a Histeria. Dessa viagem, conforme colocado no “Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim” (1886), Freud revela que Charcot buscava desconstruir a ideia de que os sintomas histéricos eram fingimento, de que a origem se dava por uma irritação genital e considerar a existência e o tratamento da histeria masculina: assumia, portanto, o conceito de etiologia não-orgânica, ou de doença sem correspondência orgânica. É também de Charcot que Freud traz a técnica do hipnotismo, que não se tratava de “material raro e estranho” nem com “fins místicos”, mas terapêuticos. Desse momento, Freud começa a se colocar na transição entre o médico e o psicanalista.
O primeiro método empregado por Freud na cura da Histeria era, portanto, a sugestão hipnótica (descrita no artigo “Hipnotismo”, 1891). Tratava-se de hipnotizar o paciente (rebaixar sua consciência) e, durante esse estado, negar queixas apresentadas antes pelo paciente, assegurar que ele pode fazer algo do qual se sentia inibido ou dar uma ordem para que execute quando despertar. Em “Um caso de cura pelo hipnotismo” (1892-1893) Freud sugere a uma paciente que não consegue amamentar, durante a hipnose, que dali em diante, conseguirá amamentar e que as contraturas e dores que sentia durante a amamentação desapareceriam. Desse estudo, Freud analisa as Vontades e Contra-Vontades em conflito naquela paciente e deduz que o funcionamento psíquico neurótico, estando inclusos os histéricos, se dá a partir de um conflito entre ideias antitéticas. Esse método hipnótico, no início dos tratamentos de Freud, era também acompanhado por tratamentos fisiológicos revigorantes (como massagens e hidroterapia), visando o tratamento “da disposição histérica, dos ataques histéricos e dos sintomas isolados” (em “Histeria”).
Sem muito sucesso com as sugestões, Freud então passa a pedir para que as pacientes se lembrassem do fenômeno que gerou os sintomas. Ao acordarem, não se recordavam do que haviam dito. Freud então percebe a existência nos indivíduos de uma instância psíquica onde a memória da origem dos sintomas era armazenada: uma consciência dissociada, uma condition seconde paralela à consciência (houve, portanto, uma primeira aproximação do conceito de Inconsciente). Quando contava às pacientes o que elas lhe disseram sob hipnose, se dava uma forte resistência e uma repulsa à própria figura de Freud: descobre-se o conceito de Resistência – aquele conteúdo apresentado se encontrava em outra instância psíquica justamente por ser incompatível à consciência de vigília.
Eram, contudo, métodos difíceis de serem aplicados pelo médico, com poucos pacientes sendo passíveis de serem hipnotizáveis e nem todos apresentando melhora, e, mesmo esses, com uma “cura” de curto prazo (em um intervalo de dois ou três dias, os sintomas regressavam).
O segundo método empregado por Freud, ainda nesses primeiros momentos, foi o Método Catártico. Ele consistia na hipnose do paciente, com o objetivo de fazê-lo reagir a um trauma que desencadeou o quadro histérico, conforme proposto nos “Estudos da Histeria” (1893-1895). Por conta disso, mostrava-se a preocupação em uma retomada cronológica dos eventos anteriores ao aparecimento dos sintomas.
Em “Comunicação Preliminar” (1893), introdução aos Estudos, Freud, que já reconhecia uma etiologia não-orgânica à histeria, propõe que a sua causa é externa aos indivíduos e se dá na forma de Trauma Psíquico, ou pela somação de traumas psíquicos. Nesse momento, considera a consciência dissociada como uma consequência do trauma (histeria traumática) ou como uma pré-disposição herdada dos pais (histeria disposicional). No caso traumático, Freud afirma que o trauma se tornou patológico porque o indivíduo não associou o evento traumático a outros contextos, não o esqueceu nem ab-reagiu a ele (chorando, falando sobre, se vingando, etc) seja porque não o pôde fazer no contexto em que ele aconteceu ou porque se encontrava em um estado alterado de consciência (estado hipnóide). O trauma, mesmo estando no passado, ainda pulsa dentro do indivíduo atuando na geração de sintomas, o que levou Freud à afirmação de que “As histéricas sofrem de reminiscências”. Nesse modelo, os sintomas histéricos crônicos (como contraturas, paralisias, dores sem etiologia orgânica e alucinações, entre outros) se dariam pela passagem de material afetivo dessa segunda consciência para a consciência original (fenômeno da Conversão); enquanto os sintomas agudos da histeria (ataques histéricos, por exemplo) seriam pela tomada total dessa segunda consciência sobre o indivíduo. O método catártico nesse modelo funcionava por dar vazão ao afeto da segunda consciência através da fala, sem necessitar recorrer à conversão para tal e é por isso que, assim como no hipnotismo, o método catártico traz uma melhora já de início (ao que Anna O. também chamou de “limpeza da chaminé”).
Freud, como visto, ainda acreditava vivamente que a divisão da consciência (splitting-off) era patológica. Em “Neuropsicoses de Defesa” (1894), toma como pressuposto para classificar como histeria o fenômeno da conversão, mas passa a diferenciar os tipos de histeria de acordo com a forma como a consciência foi dividida: histeria hipnóide (divisão pelo trauma), histeria de defesa (a divisão se daria por uma força do vontade do indivíduo em tirar da consciência o material traumático) e histeria de retenção (não ocorreu divisão da consciência, mas o afeto não foi ab-reagido. De forma mais clara, nesse texto, Freud diferencia ideia de afeto: a ideia traumática ficaria na segunda instância, agora já a denominando de Inconsciente, mas o afeto poderia transitar entre ela e a Consciência.

A LIVRE ASSOCIAÇÃO DE IDEIAS
Em termos de método, o último aplicado por Freud foi o Método Interpretativo que é pautado no método da livre-associação (ou Regra de Ouro da Psicanálise) onde o paciente deve dizer tudo o que lhe vier à mente sem pensar muito sobre aquilo: tudo o que o paciente disser está relacionado a alguns poucos conteúdos latentes (de outra instância psíquica – por enquanto, a consciência dissociada, posteriormente o inconsciente) e, através da análise dessas falas, é possível chegar ao conteúdo do material traumático havendo, inclusive, a emersão das lembranças traumáticas. Esse método se dá a partir da “Interpretação dos Sonhos” (1900), revelando que a interpretação não se dá apenas através fala, mas também dos sonhos, atos falhos e chistes, além dos próprios sintomas queixados pelo paciente.

O APARELHO PSÍQUICO
Primeira Tópica do Aparelho Psíquico: Pulsões, Recalque, Inconsciente
Passados esses momentos iniciais, Freud, baseado-se nesse repertório de estudos sobre a histeria e em seus estudos sobre os sonhos (que serão comentados posteriormente), a psicopatologia da vida cotidiana, os chistes e os atos falhos elabora formalmente em 1915 a Primeira Teoria do Aparelho Psíquicos, ou Primeira Tópica, mesmo já tendo na “Interpretação dos Sonhos” lançado as bases de toda a Teoria.
Nesse momento, Freud abandona a conceituação da segunda consciência como patologia, sendo o Inconsciente uma estrutura psíquica presente em todos os indivíduos com funcionamento neurótico (a maioria da população, o restante teria funcionamento psicótico), que teria importância vital na vida em sociedade. O sujeito freudiano assume nesse momento as características que terá no restante da obra freudiana e da Psicanálise até hoje: o sujeito dividido entre seus consciente e inconsciente.
No artigo “O instinto e suas vicissitudes” (1915) publicado nas edições Standard da obra freudiana (publicadas no Brasil pela editora Imago) houve uma problemática na tradução dos textos em alemão para o inglês e, consequentemente, da tradução inglesa para a portuguesa: James Stracthey, o tradutor inglês, traduziu o termo Trieb por Instinct e traduziu Instinkt também por Instinct porque, em sua concepção, a alternativa da tradução de Trieb seria Drive, um termo de origem germânica que iria contra a proposta da tradução inglesa das obras, e que não se justificava porque apenas em um primeiro momento Freud se vale do termo Instinkt. A Psicanálise portuguesa e a brasileira, contudo, preferem traduzir Trieb por Pulsão e Instinkt por Instinto. Dentro disso, o Instinto seria uma energia interna com a finalidade de sobrevivência relacionada a um regime de necessidade por auto-conservação do organismo, uma resposta homeostática do indivíduo, aceitando apenas uma classe de objetos para sua satisfação (fome requer comida, sede requer líquido, por exemplo) e seria da ordem somática. A Pulsão, por sua vez, seria também uma energia interna, mas relacionada a um desejo tendo origem nele, sendo de ordem psíquica e se encontrando no sistema Inconsciente.
A pulsão, nesse momento, é de caráter exclusivamente sexual, sendo que posteriormente Freud diz que as pulsões sexuais também visam auto-preservação (não mais diferencia Trieb e Isntinkt) e categoriza uma nova classe de pulsões (as pulsões de morte). A pulsão segue um regime de energia psíquica: como não lhe é possível fugir ou escapar de uma situação (como no caso do instinto), a homeostase aqui se dá na forma de descarregar energia psíquica.
A pulsão segue o princípio da constância (como um “corpo estranho” dentro do indivíduo, pulsando de forma latente). Ela possui uma finalidade (sua satisfação, de acordo com o Princípio do Prazer), uma origem no organismo (prova disso é a existência do narcisismo), um objeto de satisfação ou uma idéia (o objeto pulsional apresenta um espectro maior de possibilidades em relação ao instinto, podendo ser qualquer objeto na medida em que se relacione e satisfaça ao menos de forma parcial a pulsão), e é também um afeto ou uma pressão no aparelho psíquico (na forma de energia psíquica).
O Recalque seria uma barreira que divide a consciência do inconsciente, mas seria o conjunto de operações que se realizam sobre as pulsões permitindo sua expressão, conforme Freud coloca em seu artigo “Repressão” (1915). A noção daquilo que é permitido socialmente, nesse sentido para Freud, é adquirida pelo indivíduo através do contato com o genitor com o qual se identificou no complexo de Édipo (será discutido posteriormente) – os lacanianos preferem entender que nasce do contato com o “Outro”. O Recalque age de acordo com o Principio do Prazer e o Princípio da Realidade. As vicissitudes (destinos) da pulsão são de três tipos: realizar a pulsão sem ceder ao Princípio da Realidade, sendo a pulsão avessa ou de acordo com ele (nas pulsões estritamente sexuais/genitais fala-se em Perversão, ou seja, da execução de uma pulsão de forma integral, em desacordo ou não com o princípio da realidade); sublimação, ou seja, realização de uma pulsão com o objeto deslocado para algo socialmente aceitável (realizar o princípio do prazer através do princípio da realidade), permitindo uma satisfação parcial, gerando material recalcado; ou um bloqueio total da pulsão, gerando insatisfação e uma grande acumulação de material recalcado. Dado que a satisfação da pulsão através do Recalque é muitas vezes parcial, parte da energia psíquica original da pulsão permanece no inconsciente na forma de material recalcado e esse, por sua vez, se expressa através dos quatro derivados do inconsciente: Sintoma, Sonho, Chiste e Ato Falho. A distorção realizada pelo Recalque às pulsões e ao material recalcado pode ser de dois tipos: Deslocamento (mudança do objeto original da pulsão para outro que esteja permitido pelo princípio de realidade, mas mantenha relação com o original) e Condensação (escolha de um objeto que satisfaça ao máximo de pulsões possíveis), compondo o que Freud chamou de processos primários.
Após o Recalque Primário, pode haver um extravazamento de afeto inconsciente através de uma das formações (percebido na clínica na forma de um mal-estar) que pode sofrer uma nova operação: o Recalque Secundário (ou Repressão). Ao contrário do recalque que atua na pulsão e no recalcado, a repressão atua no derivado do recalcado presente na consciência.
No artigo “O inconsciente” (1915), Freud dá um passo além na sua abstração teórica metapsicológica. A análise do Inconsciente pode ser feito de três formas: Topográfica (em termos de localização, de onde provém os materiais recalcados, as formações, os afetos, entre outros), Dinâmica (em termos de movimentação, dada uma origem psíquica, onde se encontram os materiais psíquicos) e Econômico (em termos de gasto e conteúdo energético das pulsões). É por conta da análise dinâmica que Freud introduz um terceiro estado psíquico, o Pré-Consciente: seria o estado de afetos ou ideias que estão na instância consciente, mas em situação inconsciente, seriam afetos ou ideias as quais o indivíduo tem acesso, mas não está pensando nelas naquele momento (por exemplo: estudando para uma disciplina, o indivíduo não está pensando no que comeu na última refeição, mas tem acesso a essa informação).
Quanto ao Inconsciente, são características relevantes: a Isenção de Contradição Mútua, o que significa dizer que, por não ser regido por uma lógica consciente, podem haver pulsões contraditórias no Inconsciente, como o sentimento de amor e de ódio pelo pai no complexo de Édipo, por exemplo; a Atemporalidade, ou seja, que tanto eventos de um passado remoto do indivíduo quanto informações presentes estariam igualadas no tempo inconsciente, ou, em outras palavras, que os eventos passados não sofreriam desgaste e permaneceriam pulsando, o que geraria uma série de fenômenos derivados (como o fato dos sonhos trazerem, muitas vezes, a reconstrução de um evento traumático da infância) – o que levou Lacan a dizer que o Inconsciente não é atemporal, mas que o seu tempo é o presente-; o fato de ser regido por processos primários.
Nesse modelo Inconsciente, Pré-Consciente, Consciente, as duas primeiras instâncias seriam separadas pelo Recalque, as duas últimas pela Repressão. A livre-associação, portanto, seria uma tentativa de suspensão da Repressão, permitindo a expressão mais “pura” de um conteúdo do Pré-Consciente, que seria uma distorção mais direta do conteúdo latente do Inconsciente. Em outras palavras, o conteúdo Inconsciente sofreria uma ação dos processos primários do Recalque, alcançaria o Pré-Consciente, que sob livre-associação, poderia ser dito sem maiores reflexões, permitindo que, de alguma forma, o terapeuta possa tentar realizar o caminho de volta para entender o material recalcado de origem.
Uma última contribuição importante desse artigo, também presente nos artigos sobre a técnica, é a diferenciação que Freud faz entre Verdade (realidade externa compartilhada) e Realidade Psíquica (como o indivíduo interpreta a realidade externa), que podem ou não serem tangíveis ou sobrepostas (imagine o delírio, por exemplo), defendendo a análise a partir da realidade psíquica do paciente.
A partir dessa diferenciação entre Verdade e Realidade Psíquica, Freud trabalha o tema da Fantasia em “Lembranças Encobridoras” (1896), que não seria um derivado do inconsciente, mas um constructo inconsciente a partir de uma realidade consciente, compondo a realidade psíquica. Em outras palavras, seria uma projeção psíquica a partir de um lugar vazio (uma ausência do desconhecimento de um evento), entendendo-se projeção como uma idealização inconsciente sobre um fenômeno da realidade externa. Freud desenvolve o conceito de Fantasia para explicar o fato dos indivíduos não se recordarem com muita certeza os eventos que aconteceram na infância mais remota, ora não se lembrando de fato, ora se recordando de eventos de forma mista, e muitas vezes terem um ou dois episódios rememorados de forma plena: trata-se de uma lembrança que possui um simbolismo suficiente para se manter viva, substituindo lembranças daquele período que, por algum motivo, são incompatíveis à consciência.
Dentro desse modelo, Freud, retomando “O Instinto e suas vicissitudes” comenta as psicopatologias. Como a pulsão é tanto um objeto/ideia quanto uma pressão/afeto, quando esse afeto inconsciente passa para a consciência e não se liga a um objeto de lá, trata-se então de uma Angústia. Quando esse afeto liga-se a uma ideia consciente, pode-se tratar de uma Fobia, uma Ansiedade ou uma obsessão, de acordo com o tipo de afeto ligante. Quanto o excesso de afeto assume as inervações somáticas, convertendo esse afeto em sintomas, trata-se então da Histeria.

A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
Em “A Interpretação dos Sonhos” (1900) e no artigo-síntese de suas análises, “Sobre os Sonhos” (1901), Freud decorre sobre o mecanismo onírico e qual sua função psíquica, que difere das visões filosóficas (o sonho como libertador da alma), médicas (consequências inúteis de processos fisiológicos) e populares (o sonho como predição do futuro), defendendo o sonho como formação inconsciente.
Freud afirma que no sonho se dá um Conteúdo Manifesto, que seria aquele que é apresentado de forma explícita, correspondendo a personagens, cenários e narrativas; e um Conteúdo Latente, que seria um fragmento Inconsciente que sofre um Trabalho do Sonho, transformando-se no manifesto.
O Trabalho do Sonho tem como função a expressão inconsciente sem comprometer seu conteúdo por uma interpretação consciente. O Trabalho corresponde aos processos de Deslocamento (processo de substituir um objeto latente por outro manifesto que mantenham relações entre si), Condensação (no deslocamento, processo de substituir um grupo de objetos latentes por um objeto manifesto que, em alguma medida, represente cada um dos objetos latentes), Disposição Pictórica (fornece a escolha dos objetos do sonho a partir de “restos diurnos”, elementos do cotidiano do indivíduo que sonhou; ou a recordação de vivências importantes) e Composição (após a formação do conteúdo, o sonho é recoberto por uma fachada narrativa, como uma amarração lógica). Dado que a análise busca a recuperação de conteúdos inconscientes, pode-se dizer que o trabalho do sonho se dá em uma direção oposta à da análise. Quando o trabalho do sonho é incompleto e há revelação de parte do conteúdo latente há um estranhamento e, frequentemente, desagrado.
Há no sonho a realização de um desejo. Esse desejo pode ser mais implícito (como desejos sexuais, por exemplo) ou mais explícito (Freud cita o desejo inatendido de uma criança comer morangos, e, à noite, ela sonhar que comia morangos). Por conta disso, o sonho pode englobar desejos que surgem durante a noite de sono (sede, vontade de ir ao banheiro, por exemplo), o que permite se atribuir ao sonho o papel de “guardião do sono”. Essa relação com os desejos se percebe inclusive no tempo da narrativa: se o ato de desejar é expresso através dos modelos subjuntivos (se eu tivesse... quando eu tivesse...) enquanto no sonho, o tempo é o presente do indicativo (eu sou... eu estou... eu faço...) – daqui Freud afirma que o Inconsciente é atemporal.
Dado o trabalho distorção onírica, Freud afirma que existem deslocamentos comuns entre indivíduos inseridos em uma mesma cultura e pela origem filogenética dos mesmos, que chamou de Símbolos Universais. Esses símbolos representariam pessoas, partes do corpo e atividades eróticas. Na lista de símbolos proposta por Freud, consta: as figuras do imperador/imperatriz como os pais, o quarto representando a mulher, portas e janelas representando orifícios do corpo, objetos pontiagudos/longos/rígidos como o órgão genital masculino, armários/caixas/carros/fornos como o útero, elementos de passagem (como a escada) representando a relação sexual, assim como símbolos da agricultura que remetem à fertilidade. Nessa mesma proposta segue o Jung que, inclusive, escreve um Dicionário de Símbolos – se reconhece de forma geral hoje, porém, que existam símbolos mais frequentes que outros em dadas culturas, mas sem perder de vista o aspecto individual.

A SEXUALIDADE INFANTIL
Ao discorrer acerca da Sexualidade Infantil, nos “Três Ensaios Sobre a Sexualidade” (1905), Freud entende Infantil não só no sentido de ocorrer na criança, mesmo que nela também ocorra, mas por envolver Processos Primários. Freud desenvolve a teoria a partir da observação clínica da masturbação infantil em momentos mais precoces do desenvolvimento psíquico dos pacientes, assim como comportamentos diversos e falas que remetem à sexualidade. O estudo da sexualidade infantil, além do tema em si ser difícil ao contexto cultural da época, é dificultado pela Amnésia Infantil, as “lembranças encobridoras”, ou seja, as fantasias como projeções a partir de um lugar vazio, poderiam muitas delas estar encobrindo lembranças sexuais, e é isso que causaria o espanto nos leitores de Freud ao debater o tema.
Freud propõe o desenvolvimento da libido em fases, onde há ênfase em uma zona erógena em detrimento das demais para satisfação da pulsão, a saber: auto-erótica, oral, anal, fálica, latência e genital.
A Fase Oral (de 0 a 2 anos, no geral) teria como objeto de satisfação a boca, porque, pela necessidade de alimentação, o bebê descobre o seio que, além de objeto para satisfação do instinto de fome, gera prazer erótico. Demonstração desse prazer é o ato de chupar o dedo na ausência da mãe.  Nessa fase não há um elemento intermediário entre o indivíduo e os outros. Considera-se hoje que os atos de prazer envolvendo a oralidade tem sua origem no deslocamento da fase oral, como comer, beber, fumar e beijar.
A seguir se dá a Fase Anal (dos 2 aos 5 anos), que se inicia a partir do controle sobre os esfíncteres e as demandas que os pais fazem a partir disso. As fezes, dessa maneira, seria um objeto de comunicação entre os indivíduos e seus pais.O controle se torna não apenas dos esfíncteres, mas também do ambiente. Considera-se na Psicanálise hoje o controle do dinheiro como o deslocamento da fase anal.
Na fase fálica (dos 5 aos 10 anos, aproximadamente), se dá um contato erótico com os genitais, e o prazer é obtido a partir, principalmente, da satisfação masturbatória. No início, não há a necessidade de controle sobre o outro e a saída dessa fase é determinada pelo deslocamento da auto-satisfação por algum objeto. A partir dessa contribuição, se discutiu em cima do texto o conceito que Freud desenvolveria mais a frente em sua obra: o Complexo de Édipo.
No caso do menino, a auto-satisfação é acompanhada por uma pesquisa sexual no corpo da mãe. Havia previamente uma premissa fálica de que todos os indivíduos possuem pênis, que é quebrada pela observação das diferenças anatômicas entre os sexos. Nesse ponto, o objeto de desejo é deslocado de si para a mãe. Contudo, entra em jogo a figura do pai, que interdita o objeto libidinal de seu filho. O filho então vive uma relação de ambiguidade por seu pai, expressando um amor decorrente, entre outros, da identificação do filho com seu pai (ao contrário das mulheres, ambos possuem pênis), mas também de ódio (ambos competem pela mesma mulher). Na interdição da mãe, o filho cede ao Complexo de Castração (medo de ter o pênis castrado pelo pai) e está então livre para deslocar seu desejo sexual para outro objetom outra mulher, e deslocar sua pesquisa sexual para pesquisas de outro tipo e ingressar na Fase de Latência. É da interdição da mãe pelo pai que se funda o Recalque, na teoria freudiana, e é da resolução do COMPLEXO DE ÉDIPO que se funda a instância do Superego, na Segunda Tópica.
No caso da menina, ela de início também se dirige à mãe pela pesquisa sexual, inclusive pelo histórico de ter no seio materno uma fonte de prazer oral. Percebida a diferença anatômica entre os sexos, a menina, cria uma identificação com a mãe. Tendo sido castrada, ela passa a invejar o falo e observa como sua mãe lidou com a falta de falo, dirigindo então seu objeto de desejo para o pai, detentor do falo. A mãe realiza uma tentativa de interdição do pai, mas que não funciona como formação de recalque, apenas como ponto de rivalidade entre ambas. É a partir do não paterno que a menina, então, desloca o objeto do pai para outro homem e entra na fase de latência.
Na fase de latência, o interesse de pesquisa é deslocado, se dando o início dos interesses no saber, por exemplo.
Por fim, na fase Genital, o prazer é deslocado da masturbação para o interesse na relação sexual com o sexo oposto. No garoto, pela busca da penetração em uma cavidade corporal que, friccionada com seu pênis ereto, gere prazer.

O CASO DO MENINO HANS
Como forma de ilustrar suas teorias sobre a sexualidade, Freud estuda o caso de Hans, na descrição de caso “Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco Anos” (1909). Uma grande importância é dada a esse caso por ter sido o primeiro momento de intervenção psicanalítica sobre uma sintomatologia infantil. Hans foi aconselhado por seus pais, que liam e se interessava pela Psicanálise, supervisionados por Freud (posteriormente, pelo fenômeno da transferência, talvez Freud tivesse recriminado essa prática).
A análise se deu a partir dos três anos, onde Hans apresenta um desenvolvimento sexual precoce. Percebe-se na descrição do caso a transição de uma sexualidade auto-erótica (Hanz trancava-se na dispensa para se manusear) para uma escolha objetal de início “homossexual” (quando ele diz que seu amigo Fritz era sua menina preferida – se colocou entre aspas porque Hans ainda não tinha observado a diferença anatômica entre os sexos, portanto estava na premissa fálica) para, posteriormente, “heterossexual”.
Hans expõe seu complexo de Édipo pelo desejo de ir para a cama do casal, pelo ciúme de sua irmã e é reforçado pelo fato de sua mãe querer que ele se deite com ela na ausência do pai.
Hans então passou por um período de ambivalência em relação ao seu pai, sentindo amor e ódio, mas se identificando com ele. Dessa ambivalência surgiu a fobia por cavalos. Por um lado, o cavalo tinha o pipi grande, que remetia ao complexo de castração, por outro, a cor do mordedor do cavalo lembrava a Hans o bigode de seu pai, reforçando a seleção do cavalo para objeto da fobia. O ganho primário dessa fobia, portanto, seria a expressão do medo em relação ao pai. Porém, também havia um ganho secundário dessa neurose: o medo de cavalo implicava a não necessidade de sair para a rua, portanto, a possibilidade de ficar em casa com a mãe.

O COMPLEXO DE ÉDIPO
Segundo Sigmund Freud, o Complexo de Édipo verifica-se quando a criança atinge o período sexual fálico na segunda infância e dá-se então conta da diferença de sexos, tendendo a fixar a sua atenção libidinosa nas pessoas do sexo oposto no ambiente familiar. O conceito foi descrito por Freud e recebeu a designação de complexo por Carl Jung, que desenvolveu semelhantemente o conceito de complexo de Electra.
Freud baseou-se na tragédia de Sófocles (496–406 a.C.), Édipo Rei, para formular o conceito do Complexo de Édipo, a preferência velada do filho pela mãe, acompanhada de uma aversão clara pelo pai.
Na peça (e na mitologia grega), Édipo matou o seu pai Laio e desposou a própria mãe, Jocasta. Após descobrir que Jocasta era sua mãe, Édipo fura os próprios olhos e Jocasta comete suicídio.
Sófocles utilizou este mito para suscitar uma reflexão sobre a questão da culpa e da responsabilidade perante as normas, éticas e tabus estabelecidos na sua sociedade (comportamento que, dentro dos costumes de uma comunidade, é considerado nocivo e lesivo à normalidade, sendo por isto visto como perigoso e proibido aos seus membros).
No seu ensaio Dostoiévski e o parricídio Freud cita, além de Édipo Rei, duas outras obras que retratam o complexo: Hamlet e Os Irmãos Karamazov.
O complexo de Édipo é uma referência à ameaça de castração ocasionada pela destruição da organização genital fálica da criança, radicada na psicodinâmica libidinal, que tem como plano de fundo as experiências libidinais que se iniciam na retirada do seio materno. Importante notar que a libido é uma energia sexual, mas não se constitui apenas na prática sexual, mas também nos investimentos que o indivíduo faz para obtenção do prazer.
O complexo de Édipo é um conceito fundamental para a psicanálise, entendido por esta como sendo universal e, portanto, característico de todos os seres humanos. O complexo de Édipo caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Metaforicamente, este conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai (não que o pai seja exclusivo, pode ser qualquer outra pessoa que desvie a atenção que ela tem para com o filho), mas esta idéia permanece, apenas, porque o mundo infantil se resume a estas figuras parentais ou aos representantes delas. Uma vez que o ser humano não pode ser concebido sem um pai ou uma mãe (ainda que nunca venha a conhecer uma destas partes ou as duas), a relação que existe nesta tríade é, segundo a psicanálise, a essência do conflito do ser humano.
A idéia central do conceito de complexo de Édipo inicia-se na ilusão de que o bebê tem de possuir proteção e amor total, reforçado pelos cuidados intensivos que o recém nascido recebe pela sua condição frágil. Esta proteção está relacionada, de maneira mais significativa, com a figura materna. Em torno dos três anos, a criança começa a entrar em contacto com algumas situações em que sofre interdições, facilmente exemplificadas pelas proibições que começam a acontecer nesta idade. A criança já não pode fazer certas coisas, não pode mais passar a noite inteira na cama dos pais, andar despida pela casa ou na praia, é incentivada a sentar-se de forma correta e a controlar os esfíncteres, além de outras exigências. Neste momento, a criança começa a perceber que não é o centro do mundo e precisa de renunciar ao mundo organizado em que se encontra e também à sua ilusão de proteção e de amor materno exclusivo.
O Complexo de Édipo é muito importante porque caracteriza a diferenciação do sujeito em relação aos pais. A criança começa a perceber que os pais pertencem a uma realidade cultural e que não podem dedicar-se apenas a ela porque possuem outros compromissos. A figura do pai representa a inserção da criança na cultura, é a ordem cultural. A criança também começa a perceber que a mãe pertence ao pai e por isso dirige sentimentos hostis em relação a este.
Estes sentimentos são contraditórios porque a criança também ama esta figura que hostiliza. A diferenciação do sujeito é permeada pela identificação da criança com um dos pais. Na identificação positiva, o menino identifica-se com o pai e a menina com a mãe. O menino tem o desejo de ser forte como o pai e ao mesmo tempo tem “ódio” por ciúme. A menina é hostil à mãe porque ela possui o pai e ao mesmo tempo quer parecer-se com ela para competir e tem medo de perder o amor da mãe, que foi sempre tão acolhedora. Na identificação negativa, o medo de perder aquele a quem hostilizamos ou de não ser amado faz com que a identificação aconteça com a figura de sexo oposto e isto pode gerar comportamentos homossexuais.
Com a resolução do complexo de Édipo, o reinado dos impulsos e dos instintos eleva-se para um plano mais racional e coerente.

O COMPLEXO DE ELECTRA
O complexo de Electra define-se como sendo uma atitude emocional que, segundo algumas doutrinas psicanalíticas, todas as meninas têm para com a sua mãe; trata-se de uma atitude que implica uma identificação tão completa com a mãe que a filha deseja, inconscientemente, eliminá-la e possuir o pai.
Sigmund Freud referia-se a ele como Complexo de Édipo Feminino, tendo Carl Gustav Jung dado o nome "Complexo de Electra", baseando-se no mito grego de Electra, filha de Agamemnon, a qual quis que o irmão se vingasse da morte do pai de ambos matando, por fim, sua mãe Clytemnestra. Freud rejeitava o uso de tal termo por este enfatizar a analogia da atitude entre os dois sexos.
O complexo de Electra é, muitas vezes, incluído no complexo de Édipo, já que os princípios que se aplicam a ambos são muito semelhantes.
A natureza psicodinâmica da relação entre a filha e mãe no Complexo Electra deriva-se da inveja do pênis, causado pela mãe, que também resulta na castração da filha, no entanto, após a redefinir sua atração sexual com o pai (heterossexualidade), a menina reprime a hostil competição feminina, por medo de perder o amor de sua mãe. Esta internalização materna desenvolve o super-ego como a menina estabelece uma identidade sexual discreta.
A menina, nesta fase, sente uma espécie de frustração e ressentimento para com a mãe, culpabilizando-a por não possuir o pênis, este é um momento crítico no desenvolvimento feminino. Segundo Freud: "A descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento da menina. Daí partem três linhas de desenvolvimento possíveis: uma conduz à inibição sexual ou à neurose, outra à modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade e a terceira, finalmente, à feminilidade normal.
Em ambos os sexos, os mecanismos de defesa fornecem resoluções transitórias dos conflitos entre as unidades emocionais e as unidades do ego. O primeiro mecanismo de defesa é a repressão, o bloqueio de memórias, impulsos emocionais e as idéias da mente consciente, no entanto, não resolve o conflito emocional. O segundo mecanismo de defesa é a identificação, pelo qual a criança incorpora, ao seu ego, as características de personalidade dos pais do mesmo sexo, no que se adaptar, a menina facilita a identificação com a mãe, porque ela entende que, sendo do sexo feminino, nem uma delas possui um pênis, portanto, não são antagonistas. Se a competição sexual para o pai do sexo oposto não está resolvida, uma fixação sexual podem surgir, levando uma garota para se tornar uma mulher que se esforça continuamente para dominar os homens (ou seja, inveja do pênis), ou como uma mulher extraordinariamente sedutora(alta auto-estima) ou como uma mulher extraordinariamente submissa (baixa auto-estima).
A superação do complexo de Electra se dá quando a menina passa a se identificar novamente com a mãe, assumindo uma identidade feminina e buscando em outros homens referências como a do seu pai.

A DESCOBERTA DAS PULSÕES DE MORTE
Em “Além do Princípio do Prazer” (1920), Freud retoma as conceituações que fez anteriormente acerca das Pulsões Sexuais ou Pulsões de Vida, como uma resposta homeostática frente a uma excitação psíquica. O alívio dessa excitação gera prazer, portanto as pulsões sexuais são determinadas pelo Princípio do Prazer. Contudo, dada a existência do Princípio da Realidade, nem todas as pulsões podem ser atendidas e poucas podem ser atendidas de forma plena. A não-satisfação e/ou a não-satisfação plena de uma pulsão geram desprazer.
Freud nota, contudo, que existe um tipo de desprazer que não tem origem na privação de um prazer, mas constitui um desprazer em si, como um grupo de artistas encenando um drama de traição, morte ou abandono, sendo regidos por um princípio diferente do princípio da realidade. Esse desprazer tem origem na Pulsão de Morte.
A Pulsão de Morte segue o Princípio da Compulsão à Repetição, dado que Freud nota uma tendência de seus pacientes a repetirem os mesmos eventos traumáticos e a quebra dessa dinâmica é recebida com resistência.
Em termos de “feridas narcísicas” ou “feridas egóicas”, por exemplo, uma das grandes origens de desprazer quanto às pulsões sexuais é o abandono dos pais. Freud nota que, na clínica, essa situação é reencenada de diversas formas, como o início de uma amizade que se sabe que terá um fim próximo, relacionamentos amorosos onde se sabe que o parceiro é propenso a traições, entre outros, revelando uma compulsão à repetição.
Em termos metapsicológicos, Freud se vale de uma dinâmica ação-reação. Dado um indivíduo, este pode sofrer uma excitação psíquica que gera uma necessidade de satisfação, seja de forma direta (passando pelo recalque e se submetendo ou não ao princípio da realidade) ou de forma indireta (como uma das quatros formações inconscientes), a homeostase, portanto, se dá no sentido de uma reação à ação de aumento de excitação psíquica, portanto, uma força de diminuição de excitação.
Nas pulsões de morte, se dá uma nova explicação. Há uma substância inerte e inorgânica que sofre uma força de forma a tornar-se viva e orgânica, Freud afirma que a Psicanálise não consegue explicar as características dessa força criadora. Dada essa ação, existe uma força de reação contrária, de forma a transformar essa substância viva e orgânica em inerte e inorgânica, de volta ao estado inicial, através da morte do organismo. Por isso que, para descrever as pulsões de morte, Freud retoma Schopenhauer que diz “o sentido da vida é a morte”.
Em termos de funcionamento, as pulsões sexuais teriam como objetivo a auto-conservação e desenvolvimento do indivíduo, enquanto as pulsões de morte teriam como objetivo a autodestruição.
Freud afirma, contudo, que em termos estéticos, não há oposição entre as pulsões de vida e as pulsões de morte, mas convergência. Portanto, em toda ação pulsional estão atuando ambas as pulsões, integradas – em todas as ações pulsionais há sadismo e/ou masoquismo, que tanto se caracteriza por seguir o princípio de compulsão à repetição e de destruição, ou autodestruição, quanto ao princípio do prazer. No exemplo do teatro, há desprazer por autodestruição, mas isso gera prazer nos espectadores, comprovando a integração das duas pulsões, ou a “fusão instintual”: “Se, portanto, não quisermos abandonar a hipótese dos instintos de morte, temos de supor que estão associados, desde o início, com os instintos de vida”. Quanto a essa fusão, Freud afirma ainda não ser possível se medir a dosagem de cada pulsão integrante: dada uma ação, o quanto é atribuível ao princípio do prazer e ao princípio de autodestruição?

SEGUNDA TÓPICA DO APARELHO PSÍQUICO
Em “O Ego e o Id” (1923), propõe a Segunda Tópica do Aparelho Psíquica, já tendo estudado a dicotomia pulsional: pulsões de vida-morte.
Agora Freud considera as instâncias Id, Ego e Superego (ideal de ego). A segunda tópica, ao contrária da primeira, não é tópica, ou seja, não se preocupa com o local das instâncias psíquicas: Freud limita-se a afirmar que o Id e o Superego estão dentro do Ego.
O Id seria o motor do aparelho psíquico, que o movimenta, contenda os instintos se vida e de morte, enviando uma integração deles para o Ego. Por conta disso, o Id seria uma instância puramente inconsciente.
O Superego tem sua origem na resolução do Complexo de Édipo: através de identificação que o menino realiza com seu pai, e a menina com sua mãe, há introjeção de valores familiares e sociais. O Superego seria uma instância modelo/espelho do Ego, orientando-o, como o eixo condutor do aparelho psíquico. O Superego, em outras palavras, assume a função do princípio de realidade por herança edípica. Essa instância possui porções conscientes e inconsciente dado que um indivíduo, ao se inibir para determinadas pulsões, ora consegue (atribuição à religiosidade, por exemplo), ora não consegue determinar o fator inibitório.
O Ego, por sua vez, seria a instância reguladora do aparelho psíquico, regulando as demandas do Id com as ponderações do Superego e a realidade externa, portanto, também sendo orientado pelo princípio de realidade. Assim como o Superego, possui porções conscientes e inconscientes. Essa regulação pode ser sintônica, havendo pouco ou nenhum endividamento do Ego com as outras instâncias psíquicas, ou dissintônica.

A PRÁTICA DA PSICANÁLISE
Tendo em mente a disseminação do movimento psicanalítico pelo mundo, em termos acadêmicos e na prática médica e temendo a desvirtualização da teoria (que a Psicanálise fosse vista como charlatanismo), Freud escreve uma série de artigos sobre a técnica psicanalítica entre 1911 e 1915 visando orientar os profissionais da área da saúde que aplicavam o método interpretativo psicanalítico – naquele momento, apenas os médicos podiam aplicar a Psicanálise.
Segue uma lista com seis dos artigos de técnica trabalhados em aula e as principais contribuições de cada um deles:
“O Manejo da Interpretação dos Sonhos em Psicanálise” (1911): não se deve “escavar” o sonho em cada um de seus elementos mínimos, mas buscar pontos centrais e favorecer a livre-associação do paciente, para que o paciente possa realizar conexões, favorecendo o trabalho analítico. Dentro disso, falar sobre os aspectos periféricos dos sonhos podem favorecer uma resistência ao tratamento.
“Recomendação aos Médicos que exercem Psicanálise” (1912): não se deve ater à reconstrução histórica dos eventos traumáticos do paciente, como se fazia no método Catártico, mas favorecer a livre-associação e buscar interpretar o paciente a partir disso. Deve-se ater também, não à realidade externa ao paciente, mas sua realidade interna.
Nesse artigo, Freud trabalha também a Regra Fundamental da Psicanálise: o analista deve se abster da análise, servindo como uma tela em branco que chamou de “Atenção Flutuante”.
Quanto à formação em Psicanálise, os profissionais deveriam passar por uma análise durante sua formação, realizar análise didáticas supervisionadas por um psicanalista formado, além de estudar a teoria. Freud também afirma a necessidade de se criar e manter regulamentado um instituto para formação em Psicanálise, sendo o primeiro fundado em Viena em 1910.
Quanto ao setting analítico, ou seja, todo o enquadramento presente na relação médico-paciente: as sessões deveriam ser de 50 minutos, o paciente deveria estar deitado (mais relaxado, o paciente estaria em estado mais próximo ao onírico, favorecendo a livre-associação) e sem contato visual com o analista (auxiliando a introspecção). As anotações do caso deveriam ser feitas após a sessão (a escrita na sessão interrompe a “atenção flutuante”).
“A Dinâmica Transferencial” (1912) e “Observações sobre o amor transferencial” (1915): a transferência seria o deslocamento provisório de afetos que um paciente tem em relação a figuras importantes de sua história (principalmente de seus pais) para a figura do analista. Essa transferência pode ser positiva (erotizada), que a maioria das pacientes mulheres sentem, transferindo o amor destinado a seus pais pelo analista, como o conhecido caso de Anna O por Breuer; ou pode ser negativa, havendo sentimentos de raiva, paranoia, perseguição, não compreensão, entre outros. Nos casos de transferência, Freud afirma ser necessário que o analista o explicite ao paciente. Muitas vezes, por conta disso, o paciente pede conselhos ao analista, mas Freud afirma que eles não devam ser dados – o analista deve apenas auxiliar o paciente a tomar suas próprias decisões. Nessa dinâmica transferencial, a “atenção flutuante” do analista também serviria para impedir a contratransferência, que seria o processo transferencial do analista pelo paciente que, para Freud, simplesmente não deveria existir. A regra geral, portanto, deveria ser a frustração da transferência.
“Sobre o início do tratamento” (1913): nesse momento, Freud acredita que a Psicanálise deveria se voltar para o tratamento e a cura, só após 1930 considera que pode servir também para autoconhecimento. Nas primeiras sessões, o terapeuta deve estudar se há possibilidade de cura. Quanto ao pagamento, o analista não deve trabalhar de forma gratuita e, mesmo na falta do paciente, a consulta deve ser cobrada porque seria uma forma de combater a resistência e a transferência. Freud também afirma que os pacientes não devem comentar o seu tratamento com outras pessoas, porque prejudicaria a análise delas.
“Recordar, Repetir e Elaborar” (1914): trabalha os conceitos de repetição da transferência, dos sonhos e das ações pulsionais (mesmo ainda não tendo elaborado o conceito de compulsão à repetição e as pulsões de morte). Freud considerava que a repetição era uma forma de resistência atuante. Essa repetição deve ser explicitada ao paciente.

A IMPORTÂNCIA CULTURAL DE FREUD
Freud fundou a Psicanálise e esta teoria teve um grande efeito na Psicologia e na psiquiatria. Publicou, em colaboração com Josef Breuer, Estudos sobre a Histeria (1895); obra que contém a apresentação pioneira do método psicanalítico da livre associação. Desenvolveu teorias que dizem respeito a uma camada profunda da nossa mente: o inconsciente e a forma como este influencia as ações dos homens. As principais obras de Freud são: A Interpretação dos Sonhos (1899), Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905), O Inconsciente (1915), Introdução à Psicanálise (1916-1917), Psicologia das Massas e Análise do Ego (1923), Psicanálise e Teoria da Libido (1923), Neurose e Psicose (1924). No livro A interpretação dos Sonhos, Freud analisa a grande complexidade simbólica subjacente à formação dos sonhos. Em 1905 aparece o seu estudo mais controverso, no qual Freud apresenta a teoria que afirma que a repressão da sexualidade infantil está na origem de neuroses em adulto (de que o complexo de Édipo é um exemplo). Formulou os conceitos de «id», «ego» e «superego». As suas teorias levaram a uma maior aproximação ao tema da sexualidade. A partir dele, os comportamentos antissociais são compreendidos como um resultado, em muitos casos, de forças inconscientes.
Freud ao demonstrar o dinamismo do mundo interno de cada um, onde uma grande população de personagens personifica os desejos reprimidos, coloca-nos diante da constatação de que, mesmo quando estamos sozinhos, agimos psiquicamente em grupo. Tal afirmação de Freud mostra-nos que não são contrárias nem contraditórias a Psicologia individual e a Psicologia das massas, pois o indivíduo no correr de sua vida está sempre se relacionando, seja com um personagem do seu mundo psíquico, seja com o “outro” no mundo objetivo. Diante da imensa população psíquica que existe em cada um de nós, a Psicanálise freudiana acaba por ser um instrumento de afinidade natural com os processos que envolvem os grupos, pois o entendimento do psiquismo de um indivíduo serve como referência para o entendimento do funcionamento de um grupo. Sendo também os grupos, na visão de Freud, um agente que potencializa os impulsos mentais de um indivíduo, configura-se além da afinidade mencionada, uma inter-relação constante e dinâmica do indivíduo com o outro, tanto objetiva quanto subjetivamente e tais características da Psicanálise fazem com que ela seja viável para o entendimento do que é social, servindo como exemplo a diversidade existente em um grupo terapêutico e a diversidade existente no psiquismo de cada indivíduo, onde a Psicologia que estuda a diversidade de um grupo sendo chamada de Psicologia social e a que estuda a diversidade dos personagens no psiquismo de um indivíduo de Psicologia individual, porém, em ambas a ferramenta de estudo pode ser a Psicanálise de Freud. Frente a este entendimento, as idéias de Freud atendem tanto a demanda de um indivíduo (psicoterapia individual) quanto a demanda de uma sociedade (psicoterapia de grupo).
Freud ao colocar nas primeiras relações do indivíduo um papel determinante na formação de sua personalidade, faz do social um agente formador e transformador, pois a origem de qualquer conteúdo psíquico que ele for adquirindo através de suas experiências na vida terá como origem as relações iniciais dele com sua família, e a família é um grupo, deduzindo-se então que tudo o que o sujeito aprende e apreende vem do grupo em que está inserido. A importância que Freud dá à essas primeiras relações do indivíduo com a sua família denotam a essencialidade do grupo na vida de um indivíduo e se o indivíduo forma-se e transforma-se a partir de suas relações com os grupos ao qual pertence é possível afirmar que também os grupos espelham o indivíduo, ou seja, assim como o grupo é agente sobre o indivíduo, igualmente também o indivíduo é agente sobre o grupo.
Freud ao estabelecer que o sujeito aprende o que é amor, desejo, repressão e ódio nas suas primeiras relações com seus pais enfatiza o papel do outro e, a partir do entendimento do que ocorre com o indivíduo, passa também a entender o outro que age sobre o indivíduo, e isto faz com que as idéias de Freud sejam algo que se aplica a um indivíduo e, ao mesmo tempo, algo que permite-nos compreender as relações deste indivíduo com seu grupo, e isto é “social”.  A formação do Ego e do Superego são baseadas nas relações sociais do sujeito, portanto, entender a formação do aparelho psíquico de um indivíduo propicia também entender a atuação do meio sobre este indivíduo, e assim na teoria de Freud ao se entender o indivíduo é possível também entender naturalmente o grupo a que pertence. Assim sendo, Freud ao descrever suas idéias e conceitos para o entendimento do indivíduo acabou por também por mostrar, natural e consequentemente, os processos que envolvem os grupos e, ao criar a Psicanálise com fins de atender individualmente cada pessoa, acabou por contribuir com a criação da psicoterapia de grupo, pois é indissociável indivíduo e grupo e não é possível se entender um sem a presença do outro.
Até certo ponto, todas as teorias do comportamento são criticadas com base na aceitabilidade científica. Os psicólogos em busca de uma teoria algumas vezes devem selecioná-la baseados em critérios distintos de precisão científica formal, e aqueles que escolhem a Psicanálise não o fazem se não houver evidências comprobatórias. A Psicanálise não oferece provas, pelo menos não as do tipo aceito pela ciência. a aceitação da Psicanálise baseia-se em uma aparência intuitiva de plausibilidade.
A Psicanálise freudiana provocou grande impacto na Psicologia acadêmica americana. As idéias de Freud ainda despertam grande interesse. No entanto, quando se observa o número de pacientes e de estudantes especializando-se em análise, percebe-se uma queda na popularidade da Psicanálise como terapia. A terapia cara e prolongada de Freud foi suplantada pelas psicoterapias mais curtas e mais baratas (algumas delas oriundas da Psicanálise) e pelas terapias comportamentais e cognitivas. Essa tendência foi incentivada pelas medidas de economia instituídas pelos programas dirigidos de saúde. A prescrição de um medicamento pró-ativo em uma única visita ao médico é muito mais econômica que vários meses de sessões de psicoterapia.
O desenvolvimento de vários programas medicamentosos reduziu a necessidade de psicoterapia para alguns tipos de distúrbios mentais. Por exemplo: medicamentos como o Lítio e o Prozac fizeram com que alguns psiquiatras e psicólogos clínicos reavaliassem sua posição acerca dos fatores desencadeadores da doença mental, afastando-se da escola de pensamento psíquica e retornando a somática.
A visão somática ou bioquímica afirma que os distúrbios mentais são resultantes do desequilíbrio químico do cérebro. Para que prescrever uma terapia cara e extensa se o paciente pode tomar apenas uma pílula para se sentir melhor? O tratamento medicamentoso, no entanto, não é adequado para qualquer condição ou para qualquer paciente. É interessante observar que Freud previra muito antes esse envolvimento no tratamento dos distúrbios mentais.
O impacto de Freud na cultura popular e na consciência americana foi estrondoso e ficou evidente logo após sua visita, em 1909, à Clark University. Os jornais publicaram várias histórias sobre ele e já em 1920, mais de 200 livros haviam sido lançados a respeito da Psicanálise. Revistas como Ladies Home Journal, The Nation e The New Republic publicaram muitos artigos. Os livros sobre criação e educação infantil do Dr. Benjamim Spock transformaram-se em um fenômeno de vendagem e foram baseados nos ensinamentos de Freud. O famoso estúdio de cinema, MGM, ofereceu a Freud 100.000 para ter sua colocação em um filme sobre o amor, mas ele recusou. Em outubro de 1924, Freud foi capa da revista Time, e o seu trabalho a respeito do sonho ficara tão conhecido que um músico escreveu uma canção com esse tema. Em um dos versos ouvia-se "Não me conte o seu sonho de ontem/Pois estive lendo Freud!" (apud Fancher, 2000, p. 1026). Esse entusiasmo do público pelas idéias de Freud ocorreu muitos antes dele ser aceito pela Psicologia acadêmica.
O século XX assistiu a liberação sexual do comportamento, nas artes, na literatura e no entretenimento. Generalizou-se a crença de que a inibição ou repreensão dos impulsos sexuais podiam ser danosas. No entanto, é irônico observar como a mensagem de Freud a respeito do sexo foi tão mal interpretada. Ele jamais defendeu o afrouxamento dos códigos de conduta ou o aumento da liberdade sexual. Ao contrário, na sua visão, a inibição do impulso sexual era necessária para a sobrevivência da civilização. Apesar da sua intenção, o grau de liberação sexual que marcou grande parte do século XX foi, em parte, consequência do trabalho de Freud, já que a ênfase no sexo ajudou a popularizar as suas idéias. Até mesmo as publicações científicas, os artigos abordando o sexo chamam a atenção.
Desse modo, conclui-se que apesar da falta de rigor científico e da fragilidade metodológica, a Psicanálise freudiana tornou-se uma força vital na Psicologia moderna. Freud ainda é a figura mais frequentemente citada na literatura de pesquisa da Psicologia, de acordo com o catálogo de citações públicas.
Em 1929, E. G. Boring escreveu no livro, A history of experimental psychology, que na Psicologia não hivia nenhum verdadeiro grande proponente de importância de Darwin ou Helmholtz. Na segunda edição, publicada 21 anos depois, Boring mudou de opinião. Refletindo os avanços da Psicologia entre as décadas, escreveu sobre Freud, tecendo elogios:
Hoje ele é visto como o grande originador de tudo, o grande Zeitgeist que concretizou a invasão da Psicologia por meio do princípio do processo inconsciente. (...) Não parece possível registrar a história da Psicologia nos próximos três séculos sem mencionar o nome de Freud e continuar afirmando tratar-se da história geral da Psicologia. E eis aqui o melhor critério para se estabelecer a grandeza: a fama póstuma (Boring, 1950, p. 743, 707).
A verdade é que o mundo não foi mais o mesmo depois de Freud. Quem nada conhece sobre suas descobertas usa indiscriminadamente as expressões "complexo de culpa" "ego" e "superego". E é certo que a análise clínica, vista durante muito tempo como coisa de desequilibrados ou inseguros, atualmente está incorporada à vida de grandes faixas da população em toda parte. Estendeu-se inclusive à esfera da mídia e das publicações, por meio dos programas e colunas de consultas e dos livros de auto-ajuda.
Se o fundador da Psicanálise tornou-se um emblema divertido, sua trajetória foi das mais árduas e pontuada de episódios dolorosos. Os mais conhecidos são o câncer do palato que o acabou matando em 1939, aos 83 anos, e a fuga da perseguição nazista aos judeus em 1938, partindo de Viena. Seus dias finais foram passados na Rua Maresfield Gardens, em Londres, onde um museu mantém a salvo primeiro divã usado pelo primeiro paciente, um dos ícones mais caros à Psicanálise.
O gênio de Freud e o compromisso dele com a pesquisa magnetizou não apenas desbravadores da estirpe de Karl Abrahams, Ernest Jones, Carl Gustav Yung e Sandor Ferenczi, mas várias gerações de grandes pensadores e analistas vinculados à Associação Pisicanalítica Internacional.
A seriedade dos estudos e uma reverência, ainda que não ausente de crítica, à herança de seu mestre têm levado os psicanalistas a serem vistos como membros de um clube conservador, quando não de uma seita. O fato é que há cem anos a Psicanálise assume suas responsabilidades frente aos desafios psíquicos humanos, por meio de um pensamento extremamente articulado, ideias originais e uma clínica cuidadosa
Vamos abordar alguns pontos da obra freudiana na atualidade.
A obra de Sigmund Freud atravessou o século XX provocando grandes reflexões e críticas. O pioneirismo do pensador vienense suplantou os interesses da medicina e tornou-se cultural. Quem nunca ouviu ou já disse: “Freud explica” para algum comportamento extravagante de alguém?
Com tamanha inserção da Psicanálise na cultura, Freud tornou-se também parte dela. Um dos pontos importantes de sua obra foi fornecer novas perspectivas para o entendimento da alma humana, mais especificamente, a psique. A partir de suas elaborações, uma nova plêiade de dúvidas e questões foram lançadas e discutidas para a compreensão do Indivíduo.
O trabalho desenvolvido por Freud, no final do século XIX, ainda possui relevante importância. Grande parte de seus escritos é muito pertinentes e ajuda, ou pelo menos colabora para o entendimento da mente humana.
Mesmo no atual contexto de supremacia da visão capitalista neoliberal, onde o hedonismo como modus vivendi parasita a sociedade contemporânea, a visão freudiana facilita o entendimento dos efeitos da modernidade e colabora, também, para a compreensão da pós-modernidade.
Ao contrário dos primórdios da Psicanálise, quando o capitalismo criava uma dinâmica mais “estável” para as relações sociais e os seus impactos repousavam na perspectiva autoritária do núcleo familiar encabeçado pelo Pai, encontramos na atualidade um quadro diferenciado.
A dissolução da família, enquanto núcleo coercitivo e de formação do Indivíduo, configura um padrão no momento. A busca do prazer e sua satisfação através do consumo é outro componente importante que impacta o Sujeito na atualidade.

FREUD E A MODERNIDADE
O século XIX foi pródigo em grandes transformações econômicas, sociais e políticas. O capitalismo, consolidando a sua pujança econômica e abrindo caminho para uma ordem burguesa, ao mesmo tempo em que novas formas de pressão sobre o indivíduo se formavam, foi o pano de fundo para a elaboração teórica de Freud.
A Modernidade, enquanto nova forma de compreensão e visão do mundo foi determinante para a implantação da nova lógica capitalista. Junto com esta nova ordem, novos dilemas eram colocados para o Indivíduo.

FREUD EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE
Sabemos que o termo pós-modernidade envolve uma série de controvérsias, críticas e contradições. Aqui, entendemos a pós-modernidade como uma etapa avançada do capitalismo. A obra de Freud é continua pertinente. Se o contexto de sua elaboração estava alicerçado sobre padrões culturais mais rígidos, hoje, encontramos justamente o oposto. A permissividade tornou-se um traço marcante da nossa sociedade.
Como foi discutido durante o módulo, inúmeras propagandas de televisão mostram o poder do consumidor em conquistar o que quiser. O querer é poder. Este é o lema da pós-modernidade. A vida no século XXI tem como característica a liquidez das relações sociais, do consumo.
Revisitar a sua obra é fundamental para observar como a dinâmica social vem se alterando e compreender o seu processo. A obra freudiana, apesar do seu século de existência, ainda nos fornecer indicações importantes para compreender o atual quadro contemporâneo.
A importância está na teoria freudiana do processo de pensamento. E não é referente à educação e sim ao aprendizado.
Segundo Freud o processo de pensamento é a ativação ou inibição dos complexos de sensações associadas que tornam possível o fenômeno representacional psíquico, o que se dá através da energia que flui no sistema nervoso pelos sistemas de neurônios. Podemos distinguir, neste processamento, um primário e um secundário.
O processo primário está associado ao inconsciente, o processamento primário do pensamento é aquele que dirige ações imediatas ou reflexas, sendo associado, assim, ao prazer, ao emocional do indivíduo e ao fenômeno de arco reflexo. Nele, a energia presente no aparelho mental flui livremente pelas representações, do pólo do estímulo ao da resposta.
O processo de pensamento secundário, por outro lado, está associado ao pré-consciente, também chamado de "ação interiorizada" ou, ainda, de "processo racional do pensamento". Nele, o escoamento de energia mental fica retido, só acontecendo após uma série de associações, as quais refletem no aparelho psíquico. As ações decorrentes dessa forma de processamento devem ser tomadas com base no mundo externo, no contexto em que a pessoa se encontra e em seus objetivos. Assim, ao contrário da energia do processo primário, que é livre, a energia do secundário é condicional.
Freud é de uma importância ímpar na história da Psicologia. Freud desenvolveu uma fundamentação teórica muito sólida juntamente com o trabalho na clínica que permitiu a elaboração de várias de suas teorias. Só pra citar algumas de suas teorias, temos o complexo de Édipo, O complexo de castração, o conceito de pulsão, a interpretação dos sonhos, a associação livre, etc. Além disso Freud contribuiu para a compreensão e desmistificação em relação a impressão que se tinha sobre a loucura, pois Freud descobre que a loucura nada mais é do que a exacerbação do comportamento considerado normal, diminuindo a distância entre os normais e os considerados loucos. A ideia de inconsciente já existia antes de Freud, mas ele deu um caráter científico para o inconsciente. Podemos sim dizer que Freud é o pai da Psicanálise, mas não é o pai da Psicologia, pois esta foi desenvolvida inicialmente por Wilhelm Maximilian Wundt, que é considerado o pai da Psicologia Moderna.
Freud descobriu o inconsciente: uma parte da nossa mente onde ficam armazenados pensamentos que nos causam angústia. Descobriu que esses pensamentos arquivados poderiam tentar chegar à consciência através de sonhos, atos falhos (trocar o nome de alguém, por exemplo) e sintomas físicos. Descobriu que a nossa mente gasta uma grande energia para manter esses pensamentos lá, justamente porque eles são angustiantes. Descobriu que esses pensamentos inconscientes influenciam a nossa maneira de agir, sem que saibamos. É por isso que tantas vezes fazemos ou dizemos coisas que não queremos dizer, ou tentamos mudar comportamentos e não conseguimos. É o nosso inconsciente dirigindo nossa mente.

O RESPEITO MÚTUO ENTE UM ATEU E UM CRISTÃO
Crentes e ateus têm algo em comum, aferram-se às suas certezas de uma forma bastante radical, quase dogmática. Mas o que acontece quando dois representantes desses grupos decidem iniciar algum tipo de conversação, mesmo que, já de início, aparente se tratar de uma empreitada inviável? Temos no livro Cartas entre Freud & Pfister (1909-1939) - Um diálogo entre a Psicanálise e a fé cristã um exemplo interessante sobre a possibilidade de uma interlocução entre dois sujeitos que tratam, apaixonadamente, cada qual a seu modo, das variadas formas do sofrimento humano.
Os sujeitos em questão são Sigmund Freud e Oskar Pfister. O primeiro é o criador da Psicanálise, que dispensa maiores apresentações, e o segundo é um suíço, filósofo e teólogo, pastor protestante e contemporâneo de outro suíço, chamado Carl Gustav Jung; aquele a quem Freud depositou esperanças consideráveis sobre uma possível sucessão na missão de ampliar e solidificar a nascente teoria psicanalítica. Com Jung, Freud rompeu de maneira irremediável e até hoje enigmática, mas com Pfister, que Freud conheceu justamente por intermédio de Jung, ocorreu uma situação inversa. Durante trinta anos, houve uma profícua troca de correspondências, idéias e elucubrações sobre as possibilidades da Psicanálise, enquanto terapêutica e, principalmente, como instrumento de elucidação de uma parcela considerável de fenômenos do psiquismo humano. São essas cartas que compõem o livro, iniciando em 1909 e terminando em 1937, algum tempo antes da mudança forçada de Freud para Londres. Anna Freud relata que uma parte das cartas de Pfister foi destruída por seu pai, a pedido do próprio Pfister, que não desejava que chegasse a público algo "que pudesse ferir pessoas vivas" (1962, p. 19).
Mas, a despeito desse fato, essa lacuna não obscurece a intensidade do diálogo que se erigiu entre ambos, sobre uma vasta gama de assuntos. Apressadamente poderíamos imaginar que não sairiam do âmbito da educação e da religião, temáticas em que o pastor Pfister concentrou suas incursões, algo já sabido especialmente pelos interessados na intersecção entre a Psicanálise e os dois campos de saber anteriormente citados. Não, o livro vai além e mostra, nas linhas, e nas entrelinhas, uma gradativa afeição mútua, uma amizade que veio a se solidificar, incluindo uma relação pessoal e familiar, como atesta Freud quando afirma "que nenhuma visita, desde a de Jung, teve tanto impacto nas crianças e trouxe tanto bem-estar a mim mesmo" (12/7/ 1909). Do lado de Pfister, também encontramos declarações calorosas, como quando assinala que "faz quase quinze anos que pude entrar pela primeira vez na sua casa, e rapidamente me apaixonei pelo seu modo amável e pelo espírito alegre e livre de sua família". E, ainda na mesma carta, comenta sobre uma oportunidade que teve de sentar ao lado da esposa e da cunhada de Freud, afirmando que se "sentia como na morada dos deuses olímpicos, e se me perguntassem sobre o lugar mais aprazível da terra, eu responderia: 'Informem-se na casa do professor Freud!'" (30/12/1923).
É estranho que Pfister, ao contrário de outros interlocutores, como Jung, Fliess, Adler e Ferenczi, por exemplo, não seja contemplado com a devida cota de importância pelos estudiosos da teoria e da história da Psicanálise, pois algumas cartas denotam que Freud mantinha um tipo de relação bastante intensa com o pastor - carinhosamente alcunhado de "amado adversário" -, discutindo com vigor particularidades da técnica psicanalítica, que, naqueles dias, ainda começava a esboçar as feições de uma prática específica. As descobertas pontuais sobre a dinâmica pulsional, a interpretação de sonhos, a associação livre, a transferência, a resistência e, principalmente, sobre as possibilidades de curar ou atenuar as vicissitudes da condição humana são repetidamente citadas, em cartas que se assemelhavam a pequenos tratados teóricos. Pode-se supor que Pfister, com suas posições pessoais sobre a religião, a sexualidade e a crença na capacidade humana de amar incondicionalmente, tenha influenciado Freud, pois este, num determinado momento, agradece e frisa que "fiz muito pelo amor, como o senhor admite, mas não posso confirmar com minha experiência que ele reside no fundo de todas as coisas, a não ser que se some a ele também o ódio, o que é psicologicamente correto. Mas aí o mundo nos pareceria bem mais triste" (17/3/1910). Temos aqui então um exemplo clássico do estilo freudiano, contundente.
Freud, como inúmeros historiadores do ambiente psicanalítico de então apontam, era um hábil comandante, um articulador eficaz no plano de solidificar e expandir a Psicanálise, sendo muitas vezes duro com aqueles que, de alguma maneira, o contrariavam. Um exemplo desse fato pode ser encontrado num trecho em que Freud diz: "Em Viena, aconteceu uma pequena crise, da qual ainda nada comuniquei a Jung. Adler e Stekel pediram demissão (...) As teorias de Adler afastavam-se demais do caminho correto. Era hora de fazer oposição a isto (...) É certo que sempre me propus a ser tolerante e não exercer autoridade; na realidade, porém, isto não é possível. É como o veículo e os pedestres. Quando comecei a andar de condução todo dia, irritava-me com a imprudência dos pedestres, assim como em tempos passados, com a falta de consideração dos cocheiros" (26/2/1911). Como ter acesso a afirmações desse naipe, senão pelas correspondências? Elas permitem uma via de expressão mais íntima, em que as confidencias podem ser enunciadas, quase que como um segredo partilhado com o outro.
O livro está recheado delas, algumas até mesmo cômicas, como quando Pfister envia os originais de seu livro Aplicações da Psicanálise na pedagogia e na cura de almas, e Freud, agradecendo, afirma: "Li hoje as provas de seu qualificado trabalho para a Imago e somente lhe peço que me mencione, como dono da casa, com mais moderação. Já sei qual é sua intenção, e os adversários somente seriam estimulados para altercações" (9/2/1912). Um outro trecho digno de destaque é aquele em que Freud indaga a Pfister: "Por que nenhum de todos esses devotos criou a Psicanálise, por que foi necessário esperar por um judeu completamente ateu?" (9/10/1918). E Pfister, vinte dias após, retruca: "Porque devoção ainda não significa gênio de descobridor, e porque os devotos em boa parte não foram dignos de produzir esses resultados". E, ainda na mesma carta, reitera que "quem vive para a verdade vive em Deus, e quem luta pela libertação do amor, segundo 1 João 4.16, permanece em Deus. Se o senhor se conscientizasse e experimentasse a sua inserção nos processos mais amplos, o que a meu ver é tão necessário como a síntese das notas de um sinfonia beethoveniana para formar a totalidade musical, eu gostaria de dizer também do senhor: 'Jamais houve cristão melhor'" (29/10/1918).
Ainda nessa linha, Freud exibe sua marca inconfundível, quando, ao tratar de um trabalho de tradução, comunica a Pfister: "Quanto ao seu tradutor, preciso dizer uma palavrinha. Eu mesmo conheço L., ele é um sujeito bastante limitado e rude, na verdade, um completo burro. A não ser que tenha mudado muito" (11/3/1913).
Ou ainda, quando critica Jung acerca de sua conduta com a sra. H., afirmando que Jung talvez não estivesse maduro tecnicamente para casos de tal intensidade. Freud pede textualmente que Pfister "não acredite muito em um entendimento pessoal entre mim e Jung. Ele exige demais de mim, e eu estou me retraindo bastante depois da superestimação da sua pessoa" (1º/1/1913).
Pfister, por sua vez, reitera: "Estou definitivamente cheio da mania junguiana. Essas interpretações que consideram toda sujeira como elevada marmelada da alma, que rotulam todas as perversidades como santos oráculos e mistérios e que contrabandeiam para dentro de cada alma acabrunhada um pequeno Apolo e um Cristo não prestam" (19/7/1922). Podemos aventar a possibilidade de que Pfister também tenha rompido com Jung, postando-se fielmente ao lado de Freud, organizando então a logística institucional da Psicanálise na Suíça.
Esses detalhes, aparentemente pitorescos, na verdade colaboram para a apreensão da atmosfera européia da época, que influenciou a nascente ciência psicanalítica, como por exemplo no encaminhamento de pacientes; quando Freud responde a Pfister que ele se disporia a atender uma médica, "desde que ela pague os agora habituais 40 francos por hora e permaneça até que a análise tenha a perspectiva de alcançar algum sucesso, isto é, de 4 a 6 meses; por menos tempo não vale a pena" (20/3/1921); ou ainda quando Freud comunica a Pfister que estava atendendo diversos médicos americanos e que seus honorários correspondem a 20 dólares por hora, o que provavelmente era um valor considerável na época. Aliás, quantos brasileiros poderiam pagar 20 dólares por sessão, hoje?
Alguns detalhes permeiam grande parte das cartas, tanto de um lado quanto do outro; o primeiro deles denota uma intensa atividade de ambos na organização de congressos psicanalíticos, produções teóricas para as revistas científicas da época, arrecadação de fundos para a editora que publicava material psicanalítico, além de reserva de hotéis, passagens de trens e outras burocracias do gênero. Isso merece ser citado, pois evidencia a intensa rede de colaboradores que Freud arregimentou em suas hostes, o que nos permite supor que grande parte da força do movimento psicanalítico deveu-se a esse trabalho incansável de Freud.
Outro detalhe é a troca constante de material teórico, pois durante todo o livro, as notas de rodapé clarificam sobre as obras em questão, tanto de Freud quanto de Pfister. As mortes de colaboradores importantes, como Tausk, Rorschach e Ferenczi, são citadas e comentadas com pesar, e parceiros, como Aichhorn, Zulliger, Jones, Abraham, Hall e outros, são igualmente citados com consideração eloqüente, além de Reich, quando do lançamento de seu livro A análise do caráter, técnica e embasamento para analistas praticantes e estudiosos, que Pfister admira, pedindo o apoio de Freud para as idéias inovadoras que se faziam presentes no referido livro.
Mas a principal contribuição dessa coletânea de cartas reside na constatação da influência de Pfister sobre Freud no quesito religião, facilmente verificável nas palavras de Freud: "Nas próximas semanas sairá uma brochura de minha autoria, que tem muito que ver com o senhor. Eu já a teria escrito há tempo, mas adiei-a em consideração ao senhor, até que a pressão ficou forte demais. Ela trata - fácil de adivinhar - da minha posição totalmente contrária à religião - em todas as formas e diluições, e, mesmo que isto não seja novidade para o senhor, eu temia e ainda temo que uma declaração pública lhe seja constrangedora. O senhor me fará saber, então, que medida de compreensão e tolerância ainda consegue ter para com este herege incurável" (16/10/1927). A brochura é, obviamente o bombástico texto O futuro de uma ilusão, em que Freud demole impiedosamente as esperanças humanas no paraíso prometido pelas religiões. Pfister, que na polêmica se assemelhava muito a Freud, responde rapidamente: "No tocante à sua brochura contra a religião, sua rejeição à religião não me traz nada de novo. Eu a aguardo com alegre interesse. Um adversário de grande capacidade intelectual é mais útil à religião que mil adeptos inúteis. Enfim, na música, filosofia e religião eu sigo por caminhos diferentes dos do senhor. Não poderia imaginar que uma declaração pública sua pudesse melindrar; sempre achei que cada um deve dizer sua opinião honesta de modo claro e audível. O senhor sempre foi paciente comigo, e eu não o seria com o seu ateísmo?" (21/10/1927).
É notável a classe e a fineza de ambos, mesmo partindo de posições antagônicas, algo muitas vezes incomum quando observamos algumas discussões acaloradas de psicanalistas, que eventualmente pensem de maneiras opostas. Pfister respondeu ao artigo de Freud com o texto "Ilusão de um futuro" publicado em 1928, na revista Imago. A importância desse texto, especialmente quando se considera a quem foi endereçado, deve ser mensurada e alçada ao status de objeto de atenção por parte dos interessados em ampliar os conhecimentos sobre as possíveis interfaces entre a Psicanálise e a religião. E essa a proposta dos editores brasileiros, o Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), localizado em Curitiba e que, nas palavras de um de seus membros, a tradutora do livro, Karin Hellen Kepler Wondracek, "...por mais de vinte anos tem sido um fórum permanente de debates, resultando num intercâmbio fecundo entre as profissões que lidam com a alma - palavra preciosa para Freud e Pfister - e a fé" (p. 11).
O livro se encerra com Freud às voltas com sua prótese, seus artigos de cunho mais culturais, a ascensão do nazismo e sua perplexidade diante da longevidade. Já Pfister nos mostra em suas últimas cartas as tentativas de ajudar a família Freud a fugir do nazismo, demonstrando nesse momento uma solidariedade preciosa, encontrável apenas nas mais profundas amizades. A última carta de Pfister é de 12/12/1939, endereçada à viúva Freud, qualificando seu falecido marido de "magistral e ao mesmo tempo infinitamente bondoso titã".
Este é Oskar Pfister, um apaixonado pela Psicanálise e pela vida, em que se viu diante de inúmeras dúvidas existenciais, como por exemplo, sobre sua atividade religiosa e seu casamento, mas, a despeito desses momentos, dedicou-se ao acolhimento de uma dor específica, a da alma. Foi um pesquisador dinâmico, com mais de 200 artigos publicados, além de inúmeros livros que tratavam de variados assuntos, incluindo nesse rol a pedanálise, sua tentativa de aplicação da Psicanálise à pedagogia, que influenciou um grande números de educadores da época, sendo traduzida em diversas línguas. Somente alguém tão sensível e corajoso no enfrentamento dos mistérios da condição humana poderia alicerçar tal obra, e, para concluir essa resenha, nada melhor que as palavras do próprio Pfister, no prefácio de seu livro de 1944, chamado Das Christentum und die Angst (O cristianismo e a angústia), que relata como chegou à Psicanálise, partindo de seu desejo de colaborar para alguma transformação no sofrimento daqueles que o procuravam como pastor: "Tão logo procurei aplicar os novos conhecimentos na cura de almas, provei a alegria do descobridor e do auxiliador, sempre de novo experimentada. Principalmente o estudo das neuroses fóbicas e compulsivas, como também suas seqüelas na vida religiosa e moral, abriu meus olhos para as principais conexões e suas leis. Até as insensatas excentricidades religiosas, como as interessantes neoformações, aprendi a compreender em sua dimensão causai. (...). Experimentei como a neurose altera a prática cristã do devoto, de modo que esta adquire traços neuróticos (...) Os dogmas são monstruosamente ressaltados, transformando-se por vezes em fetichismo dogmático. Desta forma, de uma religião do amor, o cristianismo transformou-se, talvez na maioria das vezes, em uma religião de angústia perante os dogmas. Deus, de um Pai celestial amoroso, transformou-se - em épocas especialmente negras de um cristianismo coercitivo - num Pai sinistramente dogmático" (pp. 15-7).

CONCLUSÃO
Freud inovou em dois campos. Simultaneamente, desenvolveu uma teoria da mente e da conduta humana, e uma técnica terapêutica para ajudar pessoas afetadas psiquicamente. Alguns de seus seguidores afirmam estar influenciados por um, mas não pelo outro campo.
Provavelmente a contribuição mais significativa que Freud fez ao pensamento moderno é a de tentar dar ao conceito de inconsciente (que tomou de Eduard von Hartmann, Schopenhauer e Nietzsche) um status científico (não compartilhado por várias áreas da ciência e da Psicologia). Seus conceitos de inconsciente, desejos inconscientes e repressão foram revolucionários; propõem uma mente dividida em camadas ou níveis, dominada em certa medida por vontades primitivas que estão escondidas sob a consciência e que se manifestam nos lapsos e nos sonhos.
Em sua obra mais conhecida, A Interpretação dos Sonhos, Freud explica o argumento para postular o novo modelo do inconsciente e desenvolve um método para conseguir o acesso ao mesmo, tomando elementos de suas experiências prévias com as técnicas de hipnose.
Como parte de sua teoria, Freud postula também a existência de um pré-consciente, que descreve como a camada entre o consciente e o inconsciente (o termo subconsciente é utilizado popularmente, mas não é parte da terminologia psicanalítica). A repressão em si tem grande importância no conhecimento do inconsciente. De acordo com Freud, as pessoas experimentam repetidamente pensamentos e sentimentos que são tão dolorosos que não podem suportá-los. Tais pensamentos e sentimentos (assim como as recordações associadas a eles) não podem ser expulsos da mente, mas, em troca, são expulsos do consciente para formar parte do inconsciente.
Embora ao longo de sua carreira Freud tenha tentado encontrar padrões de repressão entre seus pacientes que derivassem em um modelo geral para a mente, ele observou que seus distintos pacientes reprimiam fatos diferentes. Observou ainda que o processo da repressão é em si mesmo um ato não-consciente (isto é, não ocorreria através da intenção dos pensamentos ou sentimentos conscientes). Em outras palavras, o inconsciente era tanto causa como efeito da repressão.
Freud procurou uma explicação à forma de operar do inconsciente, propondo uma estrutura particular. Propôs um inconsciente dividido em três partes: o eu ou ego, o id e o superego.
O id representa os processos primitivos do pensamento e constitui segundo Freud, o motor do pensamento e do comportamento humano. Contém nossos pensamentos e desejos de recompensa mais primitivos, de caráter sexual e perverso.
O superego, a parte que contra-age ao id, representa os pensamentos morais e éticos.
O ego permanece entre ambos, alternando nossas necessidades primitivas e nossas crenças éticas e morais. É a instância na que se inclui a consciência. Um eu saudável proporciona a habilidade para adaptar-se à realidade e interagir com o mundo exterior de uma maneira que seja cômoda para o id e o superego.
Freud estava especialmente interessado na dinâmica destas três partes da mente. Argumentou que essa relação é influenciada por fatores ou energias inatas, que chamou de pulsões. Descreveu duas pulsões antagônicas: Eros, uma pulsão sexual com tendência à preservação da vida, e Tanatos, a pulsão da morte. Esta última representa uma moção agressiva, apesar de às vezes se resolver em uma pulsão que nos induz a voltar a um estado de calma, princípio de nirvana ou não-existência, que se baseou em seus estudos sobre protozoários.
Freud também acreditava que a libido amadurecia nos indivíduos por meio da troca de seu objeto (ou objetivo). Argumentava que os humanos nascem "polimorficamente perversos", no sentido de que uma grande variedade de objetos possam ser uma fonte de prazer. Conforme as pessoas vão se desenvolvendo, também vão fixando-se sobre diferentes objetos específicos em distintas etapas: a etapa oral (exemplificada pelo prazer dos bebês na lactação); a etapa anal (exemplificada pelo prazer das crianças ao controlar sua defecação); e logo a etapa fálica. Propôs então que chega um momento no qual as crianças passam a uma fase onde se fixam no progenitor de sexo oposto (complexo de Édipo) e desenvolveu um modelo que explica a forma na qual ajusta-se este padrão no desenvolvimento da dinâmica da mente. Cada fase é uma progressão pelo amadurecimento sexual, caracterizada por um forte Eu e a habilidade para retardar a necessidade de recompensas.
O modelo psicossexual que desenvolveu tem sido criticado por diferentes frentes. Alguns têm atacado a afirmação de Freud sobre a existência de uma sexualidade infantil (e, implícitamente, a expansão que se fez na noção de sexualidade). Outros autores, porém, consideram que Freud não ampliou os conhecimentos sobre sexualidade (que tinham antecedentes anteriores na psiquiatria e na filosofia, em autores como Schopenhauer); senão que Freud "neurotizou" a sexualidade ao relacioná-la com conceitos como incesto, perversão e transtornos mentais. Ciências como a antropologia e a sociologia argumentam que o padrão de desenvolvimento proposto por Freud não é universal nem necessário no desenvolvimento da saúde mental, qualificando-o de etnocêntrico por omitir determinantes sócio-culturais.
Freud esperava provar que seu modelo, baseado em observações da classe média austríaca, fosse universalmente válido. Utilizou a mitologia grega e a etnografia contemporânea como modelos comparativos. Recorreu ao "Édipo Rei" de Sófocles para indicar que o ser humano deseja o incesto de forma natural e como é reprimido este desejo. O complexo de Édipo foi descrito como uma fase do desenvolvimento psicossexual e de amadurecimento. Também fixou-se nos estudos antropológicos de toteísmo, argumentando que reflete um costume ritualizado do complexo de Édipo (Totem e Tabu). Incorporou também em sua teoria conceitos da religião católica e da judaica; assim como principios da sociedade vitoriana sobre repressão, sexualidade e moral; e outros da biologia e da hidráulica.
Esperava que sua investigação proporcionasse uma sólida base científica para seu método terapêutico. O objetivo da terapia freudiana ou Psicanálise é, relacionando conceitos da mente cartesiana e da hidráulica, mover (mediante a associação livre e da interpretação dos sonhos) os pensamentos e sentimentos reprimidos (explicados como uma forma de energia) através do consciente para permitir ao sujeito a catarse que provocaria a cura automática.
Outro elemento importante da Psicanálise é a relativamente pouca intervenção do psicanalista para que o paciente possa projetar seus pensamentos e sentimentos no psicanalista. Através deste processo, chamado de transferência, o paciente pode reconstruir e resolver conflitos reprimidos (causadores de sua doença), especialmente conflitos da infância com seus pais.
É menos conhecido o interesse de Freud pela neurologia. No início de sua carreira investigou a paralisia cerebral. Publicou numerosos artigos médicos neste campo. Também mostrou que a doença existia muito antes de que outros pesquisadores de seu tempo tiveram notícia dela e de a estudarem. Também sugeriu que era errado que esta doença, segundo descrito por William Little (cirugião ortopédico britânico), tivesse como causa uma falta de oxigênio durante o nascimento. Ao invés disso, afirmou que as complicações no parto eram somente um sintoma do problema. Somente na década de 1980 suas especulações foram confirmadas por pesquisadores modernos.
Do ponto de vista da medicina, a teoria e prática freudiana têm sido sustituídas pelas descobertas empíricas ao longo dos anos. A psiquiatria e a Psicologia como ciências hoje rechaçam a maior parte do trabalho de Freud. Sem dúvida, muitas pessoas continuam aprendendo e praticando a Psicanálise freudiana tradicional. No âmbito da Psicanálise moderna, a palavra de Freud continua ocupando um lugar determinante, embora suas teorías apareçam reinterpretadas por autores como Jacques Lacan e Melanie Klein.

BIBLIOGRAFIA
MEZAN, Renato. Freud, o pensador da cultura. São Paulo, Companhia das Letras, 7ª ed., 2006.
NASIO, J.-D. O prazer de ler Freud. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.
K. H. K. WONDRACEK & D. JUNGE (orgs.). Cartas entre Freud & Pfister (1909-1939): Um diálogo entre a psicanálise e a fé cristã. Viçosa, MG: Ultimato, 1998