INTRODUÇÃO
Sigmund Freud nasceu em uma família judia na
cidade de Freiberg na Áustria em 1856. Viveu grande parte de sua vida em Viena
e posteriormente, por conta da II Guerra Mundial e do Nazismo, mudou-se para
Londres, aonde veio a falecer em 1939.
Freud teve formação em Medicina, trabalhando
com Neurologia, especializando-se em Psicopatologias. Em sua época, a grande
questão da Psicopatologia era a Histeria, levando-o a estudá-la em Paris entre
1885 e 1886. Dessa viagem, Freud traz conceitos importantes para as estruturas
da teoria (a qual Freud lutou para que fosse reconhecida como ciência) que
nomeou de Psicanálise.
Freud desenvolve a Psicanálise não a partir
de abstrações, como na escola alemã de Psicologia, mas a partir de sua clínica
médica, especialmente intrigado por doenças onde não se verificava uma
Etiologia orgânica. A Psicanálise, contudo, não se confunde com a Medicina nem
com a Psicologia, mas pode-se dizer tratarem-se de três ferramentas diversas
que visam a cura dos pacientes.
AS
TRÊS DIMENSÕES DA PSICANÁLISE
A Psicanálise é dividida em três dimensões
complementares: a pesquisa, a teoria e a clínica psicanalítica. A clínica seria
o ponto de partida e de chegada desse conhecimento produzido. A pesquisa seria
o método de investigação, e se daria já em Freud pelo seu desejo de não apenas
aliviar os sintomas dos pacientes, mas entender os fenômenos aos quais estava
sendo exposto em seu funcionamento e estrutura. A partir dessa pesquisa, Freud
tenta elaborar uma teoria que a explique, por isso é típico de sua obra a
reconstrução de conceitos e explicações, inclusive porque estava no contexto
das ciências positivas onde os cientistas se colocavam na posição de descobrir
uma verdade que estava oculta, entendê-la e trazê-la à tona.
Ainda quanto às mudanças em sua teoria, devem-se
assumir dois momentos importantes de virada: 1900, onde Freud estuda “A
Interpretação dos Sonhos” e propõe a partir daí a primeira teoria do aparelho
psíquicos, e 1920, onde escreve “Além do Princípio do Prazer” onde propõe um
novo grupo de pulsões e lança bases para a segunda teoria do aparelho psíquico.
De forma genérica, a Psicanálise assume a
existência de uma instância psíquica a qual os sujeitos não possuem acesso e
que, de acordo com o Axioma da Psicanálise, determina os comportamentos
humanos: o Inconsciente. O sujeito psicanalítico, portanto, é dividido em
Consciente e Inconsciente (tanto na primeira tópica quanto na segunda, onde se
torna mais complexa a explicação). Por isso, nesse ponto, Lacan diz que Freud
realizou uma “Virada Cartesiana” porque se antes o indivíduo pensava e logo
existia enquanto Freud propõe que existe uma parte do indivíduo onde o
pensamento não alcança.
ESTUDOS
SOBRE A HISTERIA
Histeria, de acordo com o Freud descreveu no
artigo “Histeria” (1888) escrito para a enciclopédia Villaret, teria sua origem
nos primórdios da medicina significando “útero”, dado o preconceito de que essa
patologia estaria vinculada a uma irritação nos genitais femininos. Nesse mesmo
artigo, cita os principais sintomas do transtorno: os ataques convulsivos
epilépticos, a presença de zonas histerógenas (zonas que, pressionadas,
produziriam uma sensação análoga à convulsiva), distúrbios dos órgãos
sensitivos, paralisias e contraturas.
De início, Freud, que era docente em
Neuropatologia, estudou em Paris entre 1885 e 1886, com uma bolsa de estudos da
Universidade de Viena, porque lá, no Hospital da Salpêtrière, Jean-Martin
Charcot realizava estudos sobre a Histeria. Dessa viagem, conforme colocado no
“Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim” (1886), Freud revela que
Charcot buscava desconstruir a ideia de que os sintomas histéricos eram
fingimento, de que a origem se dava por uma irritação genital e considerar a
existência e o tratamento da histeria masculina: assumia, portanto, o conceito
de etiologia não-orgânica, ou de doença sem correspondência orgânica. É também
de Charcot que Freud traz a técnica do hipnotismo, que não se tratava de
“material raro e estranho” nem com “fins místicos”, mas terapêuticos. Desse
momento, Freud começa a se colocar na transição entre o médico e o
psicanalista.
O primeiro método empregado por Freud na
cura da Histeria era, portanto, a sugestão hipnótica (descrita no artigo
“Hipnotismo”, 1891). Tratava-se de hipnotizar o paciente (rebaixar sua
consciência) e, durante esse estado, negar queixas apresentadas antes pelo
paciente, assegurar que ele pode fazer algo do qual se sentia inibido ou dar
uma ordem para que execute quando despertar. Em “Um caso de cura pelo
hipnotismo” (1892-1893) Freud sugere a uma paciente que não consegue amamentar,
durante a hipnose, que dali em diante, conseguirá amamentar e que as
contraturas e dores que sentia durante a amamentação desapareceriam. Desse
estudo, Freud analisa as Vontades e Contra-Vontades em conflito naquela
paciente e deduz que o funcionamento psíquico neurótico, estando inclusos os
histéricos, se dá a partir de um conflito entre ideias antitéticas. Esse método
hipnótico, no início dos tratamentos de Freud, era também acompanhado por
tratamentos fisiológicos revigorantes (como massagens e hidroterapia), visando
o tratamento “da disposição histérica, dos ataques histéricos e dos sintomas
isolados” (em “Histeria”).
Sem muito sucesso com as sugestões, Freud
então passa a pedir para que as pacientes se lembrassem do fenômeno que gerou
os sintomas. Ao acordarem, não se recordavam do que haviam dito. Freud então
percebe a existência nos indivíduos de uma instância psíquica onde a memória da
origem dos sintomas era armazenada: uma consciência dissociada, uma condition
seconde paralela à consciência (houve, portanto, uma primeira aproximação do
conceito de Inconsciente). Quando contava às pacientes o que elas lhe disseram
sob hipnose, se dava uma forte resistência e uma repulsa à própria figura de
Freud: descobre-se o conceito de Resistência – aquele conteúdo apresentado se
encontrava em outra instância psíquica justamente por ser incompatível à
consciência de vigília.
Eram, contudo, métodos difíceis de serem
aplicados pelo médico, com poucos pacientes sendo passíveis de serem
hipnotizáveis e nem todos apresentando melhora, e, mesmo esses, com uma “cura”
de curto prazo (em um intervalo de dois ou três dias, os sintomas regressavam).
O segundo método empregado por Freud, ainda
nesses primeiros momentos, foi o Método Catártico. Ele consistia na hipnose do
paciente, com o objetivo de fazê-lo reagir a um trauma que desencadeou o quadro
histérico, conforme proposto nos “Estudos da Histeria” (1893-1895). Por conta
disso, mostrava-se a preocupação em uma retomada cronológica dos eventos
anteriores ao aparecimento dos sintomas.
Em “Comunicação Preliminar” (1893),
introdução aos Estudos, Freud, que já reconhecia uma etiologia não-orgânica à
histeria, propõe que a sua causa é externa aos indivíduos e se dá na forma de
Trauma Psíquico, ou pela somação de traumas psíquicos. Nesse momento, considera
a consciência dissociada como uma consequência do trauma (histeria traumática)
ou como uma pré-disposição herdada dos pais (histeria disposicional). No caso
traumático, Freud afirma que o trauma se tornou patológico porque o indivíduo
não associou o evento traumático a outros contextos, não o esqueceu nem
ab-reagiu a ele (chorando, falando sobre, se vingando, etc) seja porque não o
pôde fazer no contexto em que ele aconteceu ou porque se encontrava em um estado
alterado de consciência (estado hipnóide). O trauma, mesmo estando no passado,
ainda pulsa dentro do indivíduo atuando na geração de sintomas, o que levou
Freud à afirmação de que “As histéricas sofrem de reminiscências”. Nesse
modelo, os sintomas histéricos crônicos (como contraturas, paralisias, dores
sem etiologia orgânica e alucinações, entre outros) se dariam pela passagem de
material afetivo dessa segunda consciência para a consciência original
(fenômeno da Conversão); enquanto os sintomas agudos da histeria (ataques
histéricos, por exemplo) seriam pela tomada total dessa segunda consciência
sobre o indivíduo. O método catártico nesse modelo funcionava por dar vazão ao
afeto da segunda consciência através da fala, sem necessitar recorrer à
conversão para tal e é por isso que, assim como no hipnotismo, o método
catártico traz uma melhora já de início (ao que Anna O. também chamou de
“limpeza da chaminé”).
Freud, como visto, ainda acreditava
vivamente que a divisão da consciência (splitting-off) era patológica. Em
“Neuropsicoses de Defesa” (1894), toma como pressuposto para classificar como
histeria o fenômeno da conversão, mas passa a diferenciar os tipos de histeria
de acordo com a forma como a consciência foi dividida: histeria hipnóide
(divisão pelo trauma), histeria de defesa (a divisão se daria por uma força do
vontade do indivíduo em tirar da consciência o material traumático) e histeria
de retenção (não ocorreu divisão da consciência, mas o afeto não foi
ab-reagido. De forma mais clara, nesse texto, Freud diferencia ideia de afeto:
a ideia traumática ficaria na segunda instância, agora já a denominando de
Inconsciente, mas o afeto poderia transitar entre ela e a Consciência.
A
LIVRE ASSOCIAÇÃO DE IDEIAS
Em termos de método, o último aplicado por
Freud foi o Método Interpretativo que é pautado no método da livre-associação
(ou Regra de Ouro da Psicanálise) onde o paciente deve dizer tudo o que lhe
vier à mente sem pensar muito sobre aquilo: tudo o que o paciente disser está
relacionado a alguns poucos conteúdos latentes (de outra instância psíquica –
por enquanto, a consciência dissociada, posteriormente o inconsciente) e,
através da análise dessas falas, é possível chegar ao conteúdo do material
traumático havendo, inclusive, a emersão das lembranças traumáticas. Esse
método se dá a partir da “Interpretação dos Sonhos” (1900), revelando que a
interpretação não se dá apenas através fala, mas também dos sonhos, atos falhos
e chistes, além dos próprios sintomas queixados pelo paciente.
O
APARELHO PSÍQUICO
Primeira Tópica do Aparelho Psíquico:
Pulsões, Recalque, Inconsciente
Passados esses momentos iniciais, Freud,
baseado-se nesse repertório de estudos sobre a histeria e em seus estudos sobre
os sonhos (que serão comentados posteriormente), a psicopatologia da vida
cotidiana, os chistes e os atos falhos elabora formalmente em 1915 a Primeira
Teoria do Aparelho Psíquicos, ou Primeira Tópica, mesmo já tendo na
“Interpretação dos Sonhos” lançado as bases de toda a Teoria.
Nesse momento, Freud abandona a conceituação
da segunda consciência como patologia, sendo o Inconsciente uma estrutura
psíquica presente em todos os indivíduos com funcionamento neurótico (a maioria
da população, o restante teria funcionamento psicótico), que teria importância
vital na vida em sociedade. O sujeito freudiano assume nesse momento as
características que terá no restante da obra freudiana e da Psicanálise até
hoje: o sujeito dividido entre seus consciente e inconsciente.
No artigo “O instinto e suas vicissitudes”
(1915) publicado nas edições Standard da obra freudiana (publicadas no Brasil
pela editora Imago) houve uma problemática na tradução dos textos em alemão
para o inglês e, consequentemente, da tradução inglesa para a portuguesa: James
Stracthey, o tradutor inglês, traduziu o termo Trieb por Instinct e traduziu
Instinkt também por Instinct porque, em sua concepção, a alternativa da
tradução de Trieb seria Drive, um termo de origem germânica que iria contra a
proposta da tradução inglesa das obras, e que não se justificava porque apenas
em um primeiro momento Freud se vale do termo Instinkt. A Psicanálise
portuguesa e a brasileira, contudo, preferem traduzir Trieb por Pulsão e
Instinkt por Instinto. Dentro disso, o Instinto seria uma energia interna com a
finalidade de sobrevivência relacionada a um regime de necessidade por
auto-conservação do organismo, uma resposta homeostática do indivíduo,
aceitando apenas uma classe de objetos para sua satisfação (fome requer comida,
sede requer líquido, por exemplo) e seria da ordem somática. A Pulsão, por sua
vez, seria também uma energia interna, mas relacionada a um desejo tendo origem
nele, sendo de ordem psíquica e se encontrando no sistema Inconsciente.
A pulsão, nesse momento, é de caráter
exclusivamente sexual, sendo que posteriormente Freud diz que as pulsões
sexuais também visam auto-preservação (não mais diferencia Trieb e Isntinkt) e
categoriza uma nova classe de pulsões (as pulsões de morte). A pulsão segue um
regime de energia psíquica: como não lhe é possível fugir ou escapar de uma
situação (como no caso do instinto), a homeostase aqui se dá na forma de
descarregar energia psíquica.
A pulsão segue o princípio da constância
(como um “corpo estranho” dentro do indivíduo, pulsando de forma latente). Ela
possui uma finalidade (sua satisfação, de acordo com o Princípio do Prazer),
uma origem no organismo (prova disso é a existência do narcisismo), um objeto
de satisfação ou uma idéia (o objeto pulsional apresenta um espectro maior de possibilidades
em relação ao instinto, podendo ser qualquer objeto na medida em que se
relacione e satisfaça ao menos de forma parcial a pulsão), e é também um afeto
ou uma pressão no aparelho psíquico (na forma de energia psíquica).
O Recalque seria uma barreira que divide a
consciência do inconsciente, mas seria o conjunto de operações que se realizam
sobre as pulsões permitindo sua expressão, conforme Freud coloca em seu artigo
“Repressão” (1915). A noção daquilo que é permitido socialmente, nesse sentido
para Freud, é adquirida pelo indivíduo através do contato com o genitor com o
qual se identificou no complexo de Édipo (será discutido posteriormente) – os
lacanianos preferem entender que nasce do contato com o “Outro”. O Recalque age
de acordo com o Principio do Prazer e o Princípio da Realidade. As vicissitudes
(destinos) da pulsão são de três tipos: realizar a pulsão sem ceder ao
Princípio da Realidade, sendo a pulsão avessa ou de acordo com ele (nas pulsões
estritamente sexuais/genitais fala-se em Perversão, ou seja, da execução de uma
pulsão de forma integral, em desacordo ou não com o princípio da realidade);
sublimação, ou seja, realização de uma pulsão com o objeto deslocado para algo
socialmente aceitável (realizar o princípio do prazer através do princípio da
realidade), permitindo uma satisfação parcial, gerando material recalcado; ou
um bloqueio total da pulsão, gerando insatisfação e uma grande acumulação de
material recalcado. Dado que a satisfação da pulsão através do Recalque é
muitas vezes parcial, parte da energia psíquica original da pulsão permanece no
inconsciente na forma de material recalcado e esse, por sua vez, se expressa
através dos quatro derivados do inconsciente: Sintoma, Sonho, Chiste e Ato
Falho. A distorção realizada pelo Recalque às pulsões e ao material recalcado
pode ser de dois tipos: Deslocamento (mudança do objeto original da pulsão para
outro que esteja permitido pelo princípio de realidade, mas mantenha relação
com o original) e Condensação (escolha de um objeto que satisfaça ao máximo de
pulsões possíveis), compondo o que Freud chamou de processos primários.
Após o Recalque Primário, pode haver um
extravazamento de afeto inconsciente através de uma das formações (percebido na
clínica na forma de um mal-estar) que pode sofrer uma nova operação: o Recalque
Secundário (ou Repressão). Ao contrário do recalque que atua na pulsão e no
recalcado, a repressão atua no derivado do recalcado presente na consciência.
No artigo “O inconsciente” (1915), Freud dá
um passo além na sua abstração teórica metapsicológica. A análise do
Inconsciente pode ser feito de três formas: Topográfica (em termos de
localização, de onde provém os materiais recalcados, as formações, os afetos,
entre outros), Dinâmica (em termos de movimentação, dada uma origem psíquica,
onde se encontram os materiais psíquicos) e Econômico (em termos de gasto e
conteúdo energético das pulsões). É por conta da análise dinâmica que Freud
introduz um terceiro estado psíquico, o Pré-Consciente: seria o estado de
afetos ou ideias que estão na instância consciente, mas em situação
inconsciente, seriam afetos ou ideias as quais o indivíduo tem acesso, mas não
está pensando nelas naquele momento (por exemplo: estudando para uma
disciplina, o indivíduo não está pensando no que comeu na última refeição, mas
tem acesso a essa informação).
Quanto ao Inconsciente, são características
relevantes: a Isenção de Contradição Mútua, o que significa dizer que, por não
ser regido por uma lógica consciente, podem haver pulsões contraditórias no
Inconsciente, como o sentimento de amor e de ódio pelo pai no complexo de
Édipo, por exemplo; a Atemporalidade, ou seja, que tanto eventos de um passado
remoto do indivíduo quanto informações presentes estariam igualadas no tempo
inconsciente, ou, em outras palavras, que os eventos passados não sofreriam
desgaste e permaneceriam pulsando, o que geraria uma série de fenômenos
derivados (como o fato dos sonhos trazerem, muitas vezes, a reconstrução de um
evento traumático da infância) – o que levou Lacan a dizer que o Inconsciente
não é atemporal, mas que o seu tempo é o presente-; o fato de ser regido por
processos primários.
Nesse modelo Inconsciente, Pré-Consciente, Consciente,
as duas primeiras instâncias seriam separadas pelo Recalque, as duas últimas
pela Repressão. A livre-associação, portanto, seria uma tentativa de suspensão
da Repressão, permitindo a expressão mais “pura” de um conteúdo do
Pré-Consciente, que seria uma distorção mais direta do conteúdo latente do
Inconsciente. Em outras palavras, o conteúdo Inconsciente sofreria uma ação dos
processos primários do Recalque, alcançaria o Pré-Consciente, que sob
livre-associação, poderia ser dito sem maiores reflexões, permitindo que, de
alguma forma, o terapeuta possa tentar realizar o caminho de volta para
entender o material recalcado de origem.
Uma última contribuição importante desse
artigo, também presente nos artigos sobre a técnica, é a diferenciação que
Freud faz entre Verdade (realidade externa compartilhada) e Realidade Psíquica
(como o indivíduo interpreta a realidade externa), que podem ou não serem
tangíveis ou sobrepostas (imagine o delírio, por exemplo), defendendo a análise
a partir da realidade psíquica do paciente.
A partir dessa diferenciação entre Verdade e
Realidade Psíquica, Freud trabalha o tema da Fantasia em “Lembranças
Encobridoras” (1896), que não seria um derivado do inconsciente, mas um
constructo inconsciente a partir de uma realidade consciente, compondo a
realidade psíquica. Em outras palavras, seria uma projeção psíquica a partir de
um lugar vazio (uma ausência do desconhecimento de um evento), entendendo-se
projeção como uma idealização inconsciente sobre um fenômeno da realidade
externa. Freud desenvolve o conceito de Fantasia para explicar o fato dos
indivíduos não se recordarem com muita certeza os eventos que aconteceram na
infância mais remota, ora não se lembrando de fato, ora se recordando de
eventos de forma mista, e muitas vezes terem um ou dois episódios rememorados
de forma plena: trata-se de uma lembrança que possui um simbolismo suficiente
para se manter viva, substituindo lembranças daquele período que, por algum
motivo, são incompatíveis à consciência.
Dentro desse modelo, Freud, retomando “O
Instinto e suas vicissitudes” comenta as psicopatologias. Como a pulsão é tanto
um objeto/ideia quanto uma pressão/afeto, quando esse afeto inconsciente passa
para a consciência e não se liga a um objeto de lá, trata-se então de uma
Angústia. Quando esse afeto liga-se a uma ideia consciente, pode-se tratar de
uma Fobia, uma Ansiedade ou uma obsessão, de acordo com o tipo de afeto
ligante. Quanto o excesso de afeto assume as inervações somáticas, convertendo
esse afeto em sintomas, trata-se então da Histeria.
A
INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
Em “A Interpretação dos Sonhos” (1900) e no
artigo-síntese de suas análises, “Sobre os Sonhos” (1901), Freud decorre sobre
o mecanismo onírico e qual sua função psíquica, que difere das visões
filosóficas (o sonho como libertador da alma), médicas (consequências inúteis
de processos fisiológicos) e populares (o sonho como predição do futuro),
defendendo o sonho como formação inconsciente.
Freud afirma que no sonho se dá um Conteúdo
Manifesto, que seria aquele que é apresentado de forma explícita,
correspondendo a personagens, cenários e narrativas; e um Conteúdo Latente, que
seria um fragmento Inconsciente que sofre um Trabalho do Sonho,
transformando-se no manifesto.
O Trabalho do Sonho tem como função a
expressão inconsciente sem comprometer seu conteúdo por uma interpretação
consciente. O Trabalho corresponde aos processos de Deslocamento (processo de
substituir um objeto latente por outro manifesto que mantenham relações entre
si), Condensação (no deslocamento, processo de substituir um grupo de objetos
latentes por um objeto manifesto que, em alguma medida, represente cada um dos
objetos latentes), Disposição Pictórica (fornece a escolha dos objetos do sonho
a partir de “restos diurnos”, elementos do cotidiano do indivíduo que sonhou;
ou a recordação de vivências importantes) e Composição (após a formação do
conteúdo, o sonho é recoberto por uma fachada narrativa, como uma amarração
lógica). Dado que a análise busca a recuperação de conteúdos inconscientes,
pode-se dizer que o trabalho do sonho se dá em uma direção oposta à da análise.
Quando o trabalho do sonho é incompleto e há revelação de parte do conteúdo
latente há um estranhamento e, frequentemente, desagrado.
Há no sonho a realização de um desejo. Esse
desejo pode ser mais implícito (como desejos sexuais, por exemplo) ou mais
explícito (Freud cita o desejo inatendido de uma criança comer morangos, e, à
noite, ela sonhar que comia morangos). Por conta disso, o sonho pode englobar
desejos que surgem durante a noite de sono (sede, vontade de ir ao banheiro,
por exemplo), o que permite se atribuir ao sonho o papel de “guardião do sono”.
Essa relação com os desejos se percebe inclusive no tempo da narrativa: se o
ato de desejar é expresso através dos modelos subjuntivos (se eu tivesse...
quando eu tivesse...) enquanto no sonho, o tempo é o presente do indicativo (eu
sou... eu estou... eu faço...) – daqui Freud afirma que o Inconsciente é
atemporal.
Dado o trabalho distorção onírica, Freud
afirma que existem deslocamentos comuns entre indivíduos inseridos em uma mesma
cultura e pela origem filogenética dos mesmos, que chamou de Símbolos
Universais. Esses símbolos representariam pessoas, partes do corpo e atividades
eróticas. Na lista de símbolos proposta por Freud, consta: as figuras do
imperador/imperatriz como os pais, o quarto representando a mulher, portas e
janelas representando orifícios do corpo, objetos pontiagudos/longos/rígidos
como o órgão genital masculino, armários/caixas/carros/fornos como o útero,
elementos de passagem (como a escada) representando a relação sexual, assim
como símbolos da agricultura que remetem à fertilidade. Nessa mesma proposta
segue o Jung que, inclusive, escreve um Dicionário de Símbolos – se reconhece
de forma geral hoje, porém, que existam símbolos mais frequentes que outros em
dadas culturas, mas sem perder de vista o aspecto individual.
A SEXUALIDADE
INFANTIL
Ao discorrer acerca da Sexualidade Infantil,
nos “Três Ensaios Sobre a Sexualidade” (1905), Freud entende Infantil não só no
sentido de ocorrer na criança, mesmo que nela também ocorra, mas por envolver
Processos Primários. Freud desenvolve a teoria a partir da observação clínica
da masturbação infantil em momentos mais precoces do desenvolvimento psíquico
dos pacientes, assim como comportamentos diversos e falas que remetem à
sexualidade. O estudo da sexualidade infantil, além do tema em si ser difícil
ao contexto cultural da época, é dificultado pela Amnésia Infantil, as
“lembranças encobridoras”, ou seja, as fantasias como projeções a partir de um
lugar vazio, poderiam muitas delas estar encobrindo lembranças sexuais, e é
isso que causaria o espanto nos leitores de Freud ao debater o tema.
Freud propõe o desenvolvimento da libido em
fases, onde há ênfase em uma zona erógena em detrimento das demais para
satisfação da pulsão, a saber: auto-erótica, oral, anal, fálica, latência e
genital.
A Fase Oral (de 0 a 2 anos, no geral) teria
como objeto de satisfação a boca, porque, pela necessidade de alimentação, o
bebê descobre o seio que, além de objeto para satisfação do instinto de fome,
gera prazer erótico. Demonstração desse prazer é o ato de chupar o dedo na ausência
da mãe. Nessa fase não há um elemento
intermediário entre o indivíduo e os outros. Considera-se hoje que os atos de
prazer envolvendo a oralidade tem sua origem no deslocamento da fase oral, como
comer, beber, fumar e beijar.
A seguir se dá a Fase Anal (dos 2 aos 5
anos), que se inicia a partir do controle sobre os esfíncteres e as demandas
que os pais fazem a partir disso. As fezes, dessa maneira, seria um objeto de
comunicação entre os indivíduos e seus pais.O controle se torna não apenas dos
esfíncteres, mas também do ambiente. Considera-se na Psicanálise hoje o
controle do dinheiro como o deslocamento da fase anal.
Na fase fálica (dos 5 aos 10 anos,
aproximadamente), se dá um contato erótico com os genitais, e o prazer é obtido
a partir, principalmente, da satisfação masturbatória. No início, não há a
necessidade de controle sobre o outro e a saída dessa fase é determinada pelo
deslocamento da auto-satisfação por algum objeto. A partir dessa contribuição,
se discutiu em cima do texto o conceito que Freud desenvolveria mais a frente
em sua obra: o Complexo de Édipo.
No caso do menino, a auto-satisfação é
acompanhada por uma pesquisa sexual no corpo da mãe. Havia previamente uma
premissa fálica de que todos os indivíduos possuem pênis, que é quebrada pela
observação das diferenças anatômicas entre os sexos. Nesse ponto, o objeto de
desejo é deslocado de si para a mãe. Contudo, entra em jogo a figura do pai,
que interdita o objeto libidinal de seu filho. O filho então vive uma relação
de ambiguidade por seu pai, expressando um amor decorrente, entre outros, da
identificação do filho com seu pai (ao contrário das mulheres, ambos possuem
pênis), mas também de ódio (ambos competem pela mesma mulher). Na interdição da
mãe, o filho cede ao Complexo de Castração (medo de ter o pênis castrado pelo
pai) e está então livre para deslocar seu desejo sexual para outro objetom
outra mulher, e deslocar sua pesquisa sexual para pesquisas de outro tipo e
ingressar na Fase de Latência. É da interdição da mãe pelo pai que se funda o
Recalque, na teoria freudiana, e é da resolução do COMPLEXO DE ÉDIPO que se
funda a instância do Superego, na Segunda Tópica.
No caso da menina, ela de início também se
dirige à mãe pela pesquisa sexual, inclusive pelo histórico de ter no seio materno
uma fonte de prazer oral. Percebida a diferença anatômica entre os sexos, a
menina, cria uma identificação com a mãe. Tendo sido castrada, ela passa a
invejar o falo e observa como sua mãe lidou com a falta de falo, dirigindo
então seu objeto de desejo para o pai, detentor do falo. A mãe realiza uma
tentativa de interdição do pai, mas que não funciona como formação de recalque,
apenas como ponto de rivalidade entre ambas. É a partir do não paterno que a
menina, então, desloca o objeto do pai para outro homem e entra na fase de
latência.
Na fase de latência, o interesse de pesquisa
é deslocado, se dando o início dos interesses no saber, por exemplo.
Por fim, na fase Genital, o prazer é
deslocado da masturbação para o interesse na relação sexual com o sexo oposto.
No garoto, pela busca da penetração em uma cavidade corporal que, friccionada
com seu pênis ereto, gere prazer.
O
CASO DO MENINO HANS
Como forma de ilustrar suas teorias sobre a
sexualidade, Freud estuda o caso de Hans, na descrição de caso “Análise de uma
Fobia em um Menino de Cinco Anos” (1909). Uma grande importância é dada a esse
caso por ter sido o primeiro momento de intervenção psicanalítica sobre uma
sintomatologia infantil. Hans foi aconselhado por seus pais, que liam e se
interessava pela Psicanálise, supervisionados por Freud (posteriormente, pelo
fenômeno da transferência, talvez Freud tivesse recriminado essa prática).
A análise se deu a partir dos três anos,
onde Hans apresenta um desenvolvimento sexual precoce. Percebe-se na descrição
do caso a transição de uma sexualidade auto-erótica (Hanz trancava-se na
dispensa para se manusear) para uma escolha objetal de início “homossexual”
(quando ele diz que seu amigo Fritz era sua menina preferida – se colocou entre
aspas porque Hans ainda não tinha observado a diferença anatômica entre os
sexos, portanto estava na premissa fálica) para, posteriormente,
“heterossexual”.
Hans expõe seu complexo de Édipo pelo desejo
de ir para a cama do casal, pelo ciúme de sua irmã e é reforçado pelo fato de
sua mãe querer que ele se deite com ela na ausência do pai.
Hans então passou por um período de
ambivalência em relação ao seu pai, sentindo amor e ódio, mas se identificando
com ele. Dessa ambivalência surgiu a fobia por cavalos. Por um lado, o cavalo
tinha o pipi grande, que remetia ao complexo de castração, por outro, a cor do
mordedor do cavalo lembrava a Hans o bigode de seu pai, reforçando a seleção do
cavalo para objeto da fobia. O ganho primário dessa fobia, portanto, seria a
expressão do medo em relação ao pai. Porém, também havia um ganho secundário
dessa neurose: o medo de cavalo implicava a não necessidade de sair para a rua,
portanto, a possibilidade de ficar em casa com a mãe.
O
COMPLEXO DE ÉDIPO
Segundo Sigmund Freud, o Complexo de Édipo
verifica-se quando a criança atinge o período sexual fálico na segunda infância
e dá-se então conta da diferença de sexos, tendendo a fixar a sua atenção
libidinosa nas pessoas do sexo oposto no ambiente familiar. O conceito foi
descrito por Freud e recebeu a designação de complexo por Carl Jung, que
desenvolveu semelhantemente o conceito de complexo de Electra.
Freud baseou-se na tragédia de Sófocles
(496–406 a.C.), Édipo Rei, para formular o conceito do Complexo de Édipo, a
preferência velada do filho pela mãe, acompanhada de uma aversão clara pelo pai.
Na peça (e na mitologia grega), Édipo matou
o seu pai Laio e desposou a própria mãe, Jocasta. Após descobrir que Jocasta
era sua mãe, Édipo fura os próprios olhos e Jocasta comete suicídio.
Sófocles utilizou este mito para suscitar
uma reflexão sobre a questão da culpa e da responsabilidade perante as normas, éticas
e tabus estabelecidos na sua sociedade (comportamento que, dentro dos costumes
de uma comunidade, é considerado nocivo e lesivo à normalidade, sendo por isto
visto como perigoso e proibido aos seus membros).
No seu ensaio Dostoiévski e o parricídio
Freud cita, além de Édipo Rei, duas outras obras que retratam o complexo: Hamlet
e Os Irmãos Karamazov.
O complexo de Édipo é uma referência à
ameaça de castração ocasionada pela destruição da organização genital fálica da
criança, radicada na psicodinâmica libidinal, que tem como plano de fundo as
experiências libidinais que se iniciam na retirada do seio materno. Importante
notar que a libido é uma energia sexual, mas não se constitui apenas na prática
sexual, mas também nos investimentos que o indivíduo faz para obtenção do prazer.
O complexo de Édipo é um conceito
fundamental para a psicanálise, entendido por esta como sendo universal e,
portanto, característico de todos os seres humanos. O complexo de Édipo
caracteriza-se por sentimentos contraditórios de amor e hostilidade.
Metaforicamente, este conceito é visto como amor à mãe e ódio ao pai (não que o
pai seja exclusivo, pode ser qualquer outra pessoa que desvie a atenção que ela
tem para com o filho), mas esta idéia permanece, apenas, porque o mundo
infantil se resume a estas figuras parentais ou aos representantes delas. Uma
vez que o ser humano não pode ser concebido sem um pai ou uma mãe (ainda que
nunca venha a conhecer uma destas partes ou as duas), a relação que existe
nesta tríade é, segundo a psicanálise, a essência do conflito do ser humano.
A idéia central do conceito de complexo de Édipo
inicia-se na ilusão de que o bebê tem de possuir proteção e amor total,
reforçado pelos cuidados intensivos que o recém nascido recebe pela sua
condição frágil. Esta proteção está relacionada, de maneira mais significativa,
com a figura materna. Em torno dos três anos, a criança começa a entrar em
contacto com algumas situações em que sofre interdições, facilmente
exemplificadas pelas proibições que começam a acontecer nesta idade. A criança
já não pode fazer certas coisas, não pode mais passar a noite inteira na cama
dos pais, andar despida pela casa ou na praia, é incentivada a sentar-se de
forma correta e a controlar os esfíncteres, além de outras exigências. Neste
momento, a criança começa a perceber que não é o centro do mundo e precisa de renunciar
ao mundo organizado em que se encontra e também à sua ilusão de proteção e de
amor materno exclusivo.
O Complexo de Édipo é muito importante
porque caracteriza a diferenciação do sujeito em relação aos pais. A criança
começa a perceber que os pais pertencem a uma realidade cultural e que não
podem dedicar-se apenas a ela porque possuem outros compromissos. A figura do
pai representa a inserção da criança na cultura, é a ordem cultural. A criança
também começa a perceber que a mãe pertence ao pai e por isso dirige
sentimentos hostis em relação a este.
Estes sentimentos são contraditórios porque
a criança também ama esta figura que hostiliza. A diferenciação do sujeito é
permeada pela identificação da criança com um dos pais. Na identificação
positiva, o menino identifica-se com o pai e a menina com a mãe. O menino tem o
desejo de ser forte como o pai e ao mesmo tempo tem “ódio” por ciúme. A menina
é hostil à mãe porque ela possui o pai e ao mesmo tempo quer parecer-se com ela
para competir e tem medo de perder o amor da mãe, que foi sempre tão
acolhedora. Na identificação negativa, o medo de perder aquele a quem
hostilizamos ou de não ser amado faz com que a identificação aconteça com a
figura de sexo oposto e isto pode gerar comportamentos homossexuais.
Com a resolução do complexo de Édipo, o
reinado dos impulsos e dos instintos eleva-se para um plano mais racional e
coerente.
O
COMPLEXO DE ELECTRA
O complexo de Electra define-se como sendo
uma atitude emocional que, segundo algumas doutrinas psicanalíticas, todas as
meninas têm para com a sua mãe; trata-se de uma atitude que implica uma
identificação tão completa com a mãe que a filha deseja, inconscientemente,
eliminá-la e possuir o pai.
Sigmund Freud referia-se a ele como Complexo
de Édipo Feminino, tendo Carl Gustav Jung dado o nome "Complexo de
Electra", baseando-se no mito grego de Electra, filha de Agamemnon, a qual
quis que o irmão se vingasse da morte do pai de ambos matando, por fim, sua mãe
Clytemnestra. Freud rejeitava o uso de tal termo por este enfatizar a analogia
da atitude entre os dois sexos.
O complexo de Electra é, muitas vezes,
incluído no complexo de Édipo, já que os princípios que se aplicam a ambos são
muito semelhantes.
A natureza psicodinâmica da relação entre a
filha e mãe no Complexo Electra deriva-se da inveja do pênis, causado pela mãe,
que também resulta na castração da filha, no entanto, após a redefinir sua
atração sexual com o pai (heterossexualidade), a menina reprime a hostil
competição feminina, por medo de perder o amor de sua mãe. Esta internalização
materna desenvolve o super-ego como a menina estabelece uma identidade sexual
discreta.
A menina, nesta fase, sente uma espécie de
frustração e ressentimento para com a mãe, culpabilizando-a por não possuir o
pênis, este é um momento crítico no desenvolvimento feminino. Segundo Freud:
"A descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento
da menina. Daí partem três linhas de desenvolvimento possíveis: uma conduz à
inibição sexual ou à neurose, outra à modificação do caráter no sentido de um complexo
de masculinidade e a terceira, finalmente, à feminilidade normal.
Em ambos os sexos, os mecanismos de defesa
fornecem resoluções transitórias dos conflitos entre as unidades emocionais e
as unidades do ego. O primeiro mecanismo de defesa é a repressão, o bloqueio de
memórias, impulsos emocionais e as idéias da mente consciente, no entanto, não
resolve o conflito emocional. O segundo mecanismo de defesa é a identificação,
pelo qual a criança incorpora, ao seu ego, as características de personalidade
dos pais do mesmo sexo, no que se adaptar, a menina facilita a identificação
com a mãe, porque ela entende que, sendo do sexo feminino, nem uma delas possui
um pênis, portanto, não são antagonistas. Se a competição sexual para o pai do
sexo oposto não está resolvida, uma fixação sexual podem surgir, levando uma
garota para se tornar uma mulher que se esforça continuamente para dominar os
homens (ou seja, inveja do pênis), ou como uma mulher extraordinariamente
sedutora(alta auto-estima) ou como uma mulher extraordinariamente submissa
(baixa auto-estima).
A superação do complexo de Electra se dá
quando a menina passa a se identificar novamente com a mãe, assumindo uma
identidade feminina e buscando em outros homens referências como a do seu pai.
A
DESCOBERTA DAS PULSÕES DE MORTE
Em “Além do Princípio do Prazer” (1920),
Freud retoma as conceituações que fez anteriormente acerca das Pulsões Sexuais
ou Pulsões de Vida, como uma resposta homeostática frente a uma excitação
psíquica. O alívio dessa excitação gera prazer, portanto as pulsões sexuais são
determinadas pelo Princípio do Prazer. Contudo, dada a existência do Princípio
da Realidade, nem todas as pulsões podem ser atendidas e poucas podem ser
atendidas de forma plena. A não-satisfação e/ou a não-satisfação plena de uma
pulsão geram desprazer.
Freud nota, contudo, que existe um tipo de
desprazer que não tem origem na privação de um prazer, mas constitui um
desprazer em si, como um grupo de artistas encenando um drama de traição, morte
ou abandono, sendo regidos por um princípio diferente do princípio da
realidade. Esse desprazer tem origem na Pulsão de Morte.
A Pulsão de Morte segue o Princípio da
Compulsão à Repetição, dado que Freud nota uma tendência de seus pacientes a
repetirem os mesmos eventos traumáticos e a quebra dessa dinâmica é recebida
com resistência.
Em termos de “feridas narcísicas” ou
“feridas egóicas”, por exemplo, uma das grandes origens de desprazer quanto às
pulsões sexuais é o abandono dos pais. Freud nota que, na clínica, essa
situação é reencenada de diversas formas, como o início de uma amizade que se
sabe que terá um fim próximo, relacionamentos amorosos onde se sabe que o
parceiro é propenso a traições, entre outros, revelando uma compulsão à
repetição.
Em termos metapsicológicos, Freud se vale de
uma dinâmica ação-reação. Dado um indivíduo, este pode sofrer uma excitação
psíquica que gera uma necessidade de satisfação, seja de forma direta (passando
pelo recalque e se submetendo ou não ao princípio da realidade) ou de forma
indireta (como uma das quatros formações inconscientes), a homeostase,
portanto, se dá no sentido de uma reação à ação de aumento de excitação
psíquica, portanto, uma força de diminuição de excitação.
Nas pulsões de morte, se dá uma nova
explicação. Há uma substância inerte e inorgânica que sofre uma força de forma
a tornar-se viva e orgânica, Freud afirma que a Psicanálise não consegue
explicar as características dessa força criadora. Dada essa ação, existe uma
força de reação contrária, de forma a transformar essa substância viva e
orgânica em inerte e inorgânica, de volta ao estado inicial, através da morte
do organismo. Por isso que, para descrever as pulsões de morte, Freud retoma
Schopenhauer que diz “o sentido da vida é a morte”.
Em termos de funcionamento, as pulsões
sexuais teriam como objetivo a auto-conservação e desenvolvimento do indivíduo,
enquanto as pulsões de morte teriam como objetivo a autodestruição.
Freud afirma, contudo, que em termos
estéticos, não há oposição entre as pulsões de vida e as pulsões de morte, mas
convergência. Portanto, em toda ação pulsional estão atuando ambas as pulsões,
integradas – em todas as ações pulsionais há sadismo e/ou masoquismo, que tanto
se caracteriza por seguir o princípio de compulsão à repetição e de destruição,
ou autodestruição, quanto ao princípio do prazer. No exemplo do teatro, há
desprazer por autodestruição, mas isso gera prazer nos espectadores,
comprovando a integração das duas pulsões, ou a “fusão instintual”: “Se,
portanto, não quisermos abandonar a hipótese dos instintos de morte, temos de
supor que estão associados, desde o início, com os instintos de vida”. Quanto a
essa fusão, Freud afirma ainda não ser possível se medir a dosagem de cada
pulsão integrante: dada uma ação, o quanto é atribuível ao princípio do prazer
e ao princípio de autodestruição?
SEGUNDA
TÓPICA DO APARELHO PSÍQUICO
Em “O Ego e o Id” (1923), propõe a Segunda
Tópica do Aparelho Psíquica, já tendo estudado a dicotomia pulsional: pulsões
de vida-morte.
Agora Freud considera as instâncias Id, Ego
e Superego (ideal de ego). A segunda tópica, ao contrária da primeira, não é
tópica, ou seja, não se preocupa com o local das instâncias psíquicas: Freud
limita-se a afirmar que o Id e o Superego estão dentro do Ego.
O Id seria o motor do aparelho psíquico, que
o movimenta, contenda os instintos se vida e de morte, enviando uma integração
deles para o Ego. Por conta disso, o Id seria uma instância puramente
inconsciente.
O Superego tem sua origem na resolução do
Complexo de Édipo: através de identificação que o menino realiza com seu pai, e
a menina com sua mãe, há introjeção de valores familiares e sociais. O Superego
seria uma instância modelo/espelho do Ego, orientando-o, como o eixo condutor
do aparelho psíquico. O Superego, em outras palavras, assume a função do
princípio de realidade por herança edípica. Essa instância possui porções
conscientes e inconsciente dado que um indivíduo, ao se inibir para
determinadas pulsões, ora consegue (atribuição à religiosidade, por exemplo),
ora não consegue determinar o fator inibitório.
O Ego, por sua vez, seria a instância
reguladora do aparelho psíquico, regulando as demandas do Id com as ponderações
do Superego e a realidade externa, portanto, também sendo orientado pelo
princípio de realidade. Assim como o Superego, possui porções conscientes e
inconscientes. Essa regulação pode ser sintônica, havendo pouco ou nenhum
endividamento do Ego com as outras instâncias psíquicas, ou dissintônica.
A
PRÁTICA DA PSICANÁLISE
Tendo em mente a disseminação do movimento
psicanalítico pelo mundo, em termos acadêmicos e na prática médica e temendo a
desvirtualização da teoria (que a Psicanálise fosse vista como charlatanismo),
Freud escreve uma série de artigos sobre a técnica psicanalítica entre 1911 e
1915 visando orientar os profissionais da área da saúde que aplicavam o método
interpretativo psicanalítico – naquele momento, apenas os médicos podiam
aplicar a Psicanálise.
Segue uma lista com seis dos artigos de
técnica trabalhados em aula e as principais contribuições de cada um deles:
“O Manejo da Interpretação dos Sonhos em Psicanálise”
(1911): não se deve “escavar” o sonho em cada um de seus elementos mínimos, mas
buscar pontos centrais e favorecer a livre-associação do paciente, para que o
paciente possa realizar conexões, favorecendo o trabalho analítico. Dentro
disso, falar sobre os aspectos periféricos dos sonhos podem favorecer uma
resistência ao tratamento.
“Recomendação aos Médicos que exercem Psicanálise”
(1912): não se deve ater à reconstrução histórica dos eventos traumáticos do
paciente, como se fazia no método Catártico, mas favorecer a livre-associação e
buscar interpretar o paciente a partir disso. Deve-se ater também, não à
realidade externa ao paciente, mas sua realidade interna.
Nesse artigo, Freud trabalha também a Regra
Fundamental da Psicanálise: o analista deve se abster da análise, servindo como
uma tela em branco que chamou de “Atenção Flutuante”.
Quanto à formação em Psicanálise, os
profissionais deveriam passar por uma análise durante sua formação, realizar
análise didáticas supervisionadas por um psicanalista formado, além de estudar
a teoria. Freud também afirma a necessidade de se criar e manter regulamentado
um instituto para formação em Psicanálise, sendo o primeiro fundado em Viena em
1910.
Quanto ao setting analítico, ou seja, todo o
enquadramento presente na relação médico-paciente: as sessões deveriam ser de
50 minutos, o paciente deveria estar deitado (mais relaxado, o paciente estaria
em estado mais próximo ao onírico, favorecendo a livre-associação) e sem
contato visual com o analista (auxiliando a introspecção). As anotações do caso
deveriam ser feitas após a sessão (a escrita na sessão interrompe a “atenção
flutuante”).
“A Dinâmica Transferencial” (1912) e
“Observações sobre o amor transferencial” (1915): a transferência seria o
deslocamento provisório de afetos que um paciente tem em relação a figuras
importantes de sua história (principalmente de seus pais) para a figura do
analista. Essa transferência pode ser positiva (erotizada), que a maioria das
pacientes mulheres sentem, transferindo o amor destinado a seus pais pelo
analista, como o conhecido caso de Anna O por Breuer; ou pode ser negativa,
havendo sentimentos de raiva, paranoia, perseguição, não compreensão, entre
outros. Nos casos de transferência, Freud afirma ser necessário que o analista
o explicite ao paciente. Muitas vezes, por conta disso, o paciente pede
conselhos ao analista, mas Freud afirma que eles não devam ser dados – o
analista deve apenas auxiliar o paciente a tomar suas próprias decisões. Nessa
dinâmica transferencial, a “atenção flutuante” do analista também serviria para
impedir a contratransferência, que seria o processo transferencial do analista
pelo paciente que, para Freud, simplesmente não deveria existir. A regra geral,
portanto, deveria ser a frustração da transferência.
“Sobre o início do tratamento” (1913): nesse
momento, Freud acredita que a Psicanálise deveria se voltar para o tratamento e
a cura, só após 1930 considera que pode servir também para autoconhecimento.
Nas primeiras sessões, o terapeuta deve estudar se há possibilidade de cura.
Quanto ao pagamento, o analista não deve trabalhar de forma gratuita e, mesmo
na falta do paciente, a consulta deve ser cobrada porque seria uma forma de
combater a resistência e a transferência. Freud também afirma que os pacientes
não devem comentar o seu tratamento com outras pessoas, porque prejudicaria a
análise delas.
“Recordar, Repetir e Elaborar” (1914):
trabalha os conceitos de repetição da transferência, dos sonhos e das ações
pulsionais (mesmo ainda não tendo elaborado o conceito de compulsão à repetição
e as pulsões de morte). Freud considerava que a repetição era uma forma de
resistência atuante. Essa repetição deve ser explicitada ao paciente.
A
IMPORTÂNCIA CULTURAL DE FREUD
Freud fundou a Psicanálise e esta teoria
teve um grande efeito na Psicologia e na psiquiatria. Publicou, em colaboração
com Josef Breuer, Estudos sobre a Histeria (1895); obra que contém a
apresentação pioneira do método psicanalítico da livre associação. Desenvolveu
teorias que dizem respeito a uma camada profunda da nossa mente: o inconsciente
e a forma como este influencia as ações dos homens. As principais obras de
Freud são: A Interpretação dos Sonhos (1899), Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade (1905), O Inconsciente (1915), Introdução à Psicanálise
(1916-1917), Psicologia das Massas e Análise do Ego (1923), Psicanálise e
Teoria da Libido (1923), Neurose e Psicose (1924). No livro A interpretação dos
Sonhos, Freud analisa a grande complexidade simbólica subjacente à formação dos
sonhos. Em 1905 aparece o seu estudo mais controverso, no qual Freud apresenta
a teoria que afirma que a repressão da sexualidade infantil está na origem de
neuroses em adulto (de que o complexo de Édipo é um exemplo). Formulou os
conceitos de «id», «ego» e «superego». As suas teorias levaram a uma maior
aproximação ao tema da sexualidade. A partir dele, os comportamentos
antissociais são compreendidos como um resultado, em muitos casos, de forças
inconscientes.
Freud ao demonstrar o dinamismo do mundo
interno de cada um, onde uma grande população de personagens personifica os
desejos reprimidos, coloca-nos diante da constatação de que, mesmo quando
estamos sozinhos, agimos psiquicamente em grupo. Tal afirmação de Freud
mostra-nos que não são contrárias nem contraditórias a Psicologia individual e
a Psicologia das massas, pois o indivíduo no correr de sua vida está sempre se
relacionando, seja com um personagem do seu mundo psíquico, seja com o “outro”
no mundo objetivo. Diante da imensa população psíquica que existe em cada um de
nós, a Psicanálise freudiana acaba por ser um instrumento de afinidade natural
com os processos que envolvem os grupos, pois o entendimento do psiquismo de um
indivíduo serve como referência para o entendimento do funcionamento de um
grupo. Sendo também os grupos, na visão de Freud, um agente que potencializa os
impulsos mentais de um indivíduo, configura-se além da afinidade mencionada,
uma inter-relação constante e dinâmica do indivíduo com o outro, tanto objetiva
quanto subjetivamente e tais características da Psicanálise fazem com que ela
seja viável para o entendimento do que é social, servindo como exemplo a
diversidade existente em um grupo terapêutico e a diversidade existente no
psiquismo de cada indivíduo, onde a Psicologia que estuda a diversidade de um
grupo sendo chamada de Psicologia social e a que estuda a diversidade dos
personagens no psiquismo de um indivíduo de Psicologia individual, porém, em ambas
a ferramenta de estudo pode ser a Psicanálise de Freud. Frente a este
entendimento, as idéias de Freud atendem tanto a demanda de um indivíduo
(psicoterapia individual) quanto a demanda de uma sociedade (psicoterapia de
grupo).
Freud ao colocar nas primeiras relações do
indivíduo um papel determinante na formação de sua personalidade, faz do social
um agente formador e transformador, pois a origem de qualquer conteúdo psíquico
que ele for adquirindo através de suas experiências na vida terá como origem as
relações iniciais dele com sua família, e a família é um grupo, deduzindo-se
então que tudo o que o sujeito aprende e apreende vem do grupo em que está
inserido. A importância que Freud dá à essas primeiras relações do indivíduo
com a sua família denotam a essencialidade do grupo na vida de um indivíduo e
se o indivíduo forma-se e transforma-se a partir de suas relações com os grupos
ao qual pertence é possível afirmar que também os grupos espelham o indivíduo,
ou seja, assim como o grupo é agente sobre o indivíduo, igualmente também o
indivíduo é agente sobre o grupo.
Freud ao estabelecer que o sujeito aprende o
que é amor, desejo, repressão e ódio nas suas primeiras relações com seus pais
enfatiza o papel do outro e, a partir do entendimento do que ocorre com o
indivíduo, passa também a entender o outro que age sobre o indivíduo, e isto
faz com que as idéias de Freud sejam algo que se aplica a um indivíduo e, ao
mesmo tempo, algo que permite-nos compreender as relações deste indivíduo com
seu grupo, e isto é “social”. A formação do Ego e do Superego são
baseadas nas relações sociais do sujeito, portanto, entender a formação do
aparelho psíquico de um indivíduo propicia também entender a atuação do meio
sobre este indivíduo, e assim na teoria de Freud ao se entender o indivíduo é
possível também entender naturalmente o grupo a que pertence. Assim sendo,
Freud ao descrever suas idéias e conceitos para o entendimento do indivíduo
acabou por também por mostrar, natural e consequentemente, os processos que envolvem
os grupos e, ao criar a Psicanálise com fins de atender individualmente cada
pessoa, acabou por contribuir com a criação da psicoterapia de grupo, pois é
indissociável indivíduo e grupo e não é possível se entender um sem a presença
do outro.
Até certo ponto, todas as teorias do
comportamento são criticadas com base na aceitabilidade científica. Os
psicólogos em busca de uma teoria algumas vezes devem selecioná-la baseados em
critérios distintos de precisão científica formal, e aqueles que escolhem a Psicanálise
não o fazem se não houver evidências comprobatórias. A Psicanálise não oferece
provas, pelo menos não as do tipo aceito pela ciência. a aceitação da Psicanálise
baseia-se em uma aparência intuitiva de plausibilidade.
A Psicanálise freudiana provocou grande
impacto na Psicologia acadêmica americana. As idéias de Freud ainda despertam
grande interesse. No entanto, quando se observa o número de pacientes e de
estudantes especializando-se em análise, percebe-se uma queda na popularidade
da Psicanálise como terapia. A terapia cara e prolongada de Freud foi
suplantada pelas psicoterapias mais curtas e mais baratas (algumas delas
oriundas da Psicanálise) e pelas terapias comportamentais e cognitivas. Essa
tendência foi incentivada pelas medidas de economia instituídas pelos programas
dirigidos de saúde. A prescrição de um medicamento pró-ativo em uma única
visita ao médico é muito mais econômica que vários meses de sessões de
psicoterapia.
O desenvolvimento de vários programas
medicamentosos reduziu a necessidade de psicoterapia para alguns tipos de
distúrbios mentais. Por exemplo: medicamentos como o Lítio e o Prozac fizeram
com que alguns psiquiatras e psicólogos clínicos reavaliassem sua posição
acerca dos fatores desencadeadores da doença mental, afastando-se da escola de
pensamento psíquica e retornando a somática.
A visão somática ou bioquímica afirma que os
distúrbios mentais são resultantes do desequilíbrio químico do cérebro. Para que
prescrever uma terapia cara e extensa se o paciente pode tomar apenas uma
pílula para se sentir melhor? O tratamento medicamentoso, no entanto, não é
adequado para qualquer condição ou para qualquer paciente. É interessante
observar que Freud previra muito antes esse envolvimento no tratamento dos
distúrbios mentais.
O impacto de Freud na cultura popular e na
consciência americana foi estrondoso e ficou evidente logo após sua visita, em
1909, à Clark University. Os jornais publicaram várias histórias sobre ele e já
em 1920, mais de 200 livros haviam sido lançados a respeito da Psicanálise.
Revistas como Ladies Home Journal, The Nation e The New Republic publicaram
muitos artigos. Os livros sobre criação e educação infantil do Dr. Benjamim
Spock transformaram-se em um fenômeno de vendagem e foram baseados nos
ensinamentos de Freud. O famoso estúdio de cinema, MGM, ofereceu a Freud
100.000 para ter sua colocação em um filme sobre o amor, mas ele recusou. Em
outubro de 1924, Freud foi capa da revista Time, e o seu trabalho a respeito do
sonho ficara tão conhecido que um músico escreveu uma canção com esse tema. Em
um dos versos ouvia-se "Não me conte o seu sonho de ontem/Pois estive
lendo Freud!" (apud Fancher, 2000, p. 1026). Esse entusiasmo do público
pelas idéias de Freud ocorreu muitos antes dele ser aceito pela Psicologia
acadêmica.
O século XX assistiu a liberação sexual do
comportamento, nas artes, na literatura e no entretenimento. Generalizou-se a
crença de que a inibição ou repreensão dos impulsos sexuais podiam ser danosas.
No entanto, é irônico observar como a mensagem de Freud a respeito do sexo foi
tão mal interpretada. Ele jamais defendeu o afrouxamento dos códigos de conduta
ou o aumento da liberdade sexual. Ao contrário, na sua visão, a inibição do
impulso sexual era necessária para a sobrevivência da civilização. Apesar da
sua intenção, o grau de liberação sexual que marcou grande parte do século XX
foi, em parte, consequência do trabalho de Freud, já que a ênfase no sexo
ajudou a popularizar as suas idéias. Até mesmo as publicações científicas, os
artigos abordando o sexo chamam a atenção.
Desse modo, conclui-se que apesar da falta
de rigor científico e da fragilidade metodológica, a Psicanálise freudiana
tornou-se uma força vital na Psicologia moderna. Freud ainda é a figura mais
frequentemente citada na literatura de pesquisa da Psicologia, de acordo com o
catálogo de citações públicas.
Em 1929, E. G. Boring escreveu no livro, A
history of experimental psychology, que na Psicologia não hivia nenhum
verdadeiro grande proponente de importância de Darwin ou Helmholtz. Na segunda
edição, publicada 21 anos depois, Boring mudou de opinião. Refletindo os
avanços da Psicologia entre as décadas, escreveu sobre Freud, tecendo elogios:
Hoje ele é visto como o grande originador de
tudo, o grande Zeitgeist que concretizou a invasão da Psicologia por meio do
princípio do processo inconsciente. (...) Não parece possível registrar a
história da Psicologia nos próximos três séculos sem mencionar o nome de Freud
e continuar afirmando tratar-se da história geral da Psicologia. E eis aqui o
melhor critério para se estabelecer a grandeza: a fama póstuma (Boring, 1950,
p. 743, 707).
A verdade é que o mundo não foi mais o mesmo
depois de Freud. Quem nada conhece sobre suas descobertas usa
indiscriminadamente as expressões "complexo de culpa" "ego"
e "superego". E é certo que a análise clínica, vista durante muito
tempo como coisa de desequilibrados ou inseguros, atualmente está
incorporada à vida de grandes faixas da população em toda parte. Estendeu-se
inclusive à esfera da mídia e das publicações, por meio dos programas e colunas
de consultas e dos livros de auto-ajuda.
Se o fundador da Psicanálise tornou-se um
emblema divertido, sua trajetória foi das mais árduas e pontuada de episódios
dolorosos. Os mais conhecidos são o câncer do palato que o acabou matando em
1939, aos 83 anos, e a fuga da perseguição nazista aos judeus em 1938, partindo
de Viena. Seus dias finais foram passados na Rua Maresfield Gardens, em
Londres, onde um museu mantém a salvo primeiro divã usado pelo primeiro paciente,
um dos ícones mais caros à Psicanálise.
O gênio de Freud e o compromisso dele com a
pesquisa magnetizou não apenas desbravadores da estirpe de Karl Abrahams,
Ernest Jones, Carl Gustav Yung e Sandor Ferenczi, mas várias gerações de
grandes pensadores e analistas vinculados à Associação Pisicanalítica
Internacional.
A seriedade dos estudos e uma reverência, ainda
que não ausente de crítica, à herança de seu mestre têm levado os psicanalistas
a serem vistos como membros de um clube conservador, quando não de uma seita. O
fato é que há cem anos a Psicanálise assume suas responsabilidades frente aos
desafios psíquicos humanos, por meio de um pensamento extremamente articulado,
ideias originais e uma clínica cuidadosa
Vamos abordar alguns pontos da obra
freudiana na atualidade.
A obra de Sigmund Freud atravessou o século
XX provocando grandes reflexões e críticas. O pioneirismo do pensador vienense
suplantou os interesses da medicina e tornou-se cultural. Quem nunca ouviu ou
já disse: “Freud explica” para algum comportamento extravagante de alguém?
Com tamanha inserção da Psicanálise na
cultura, Freud tornou-se também parte dela. Um dos pontos importantes de sua
obra foi fornecer novas perspectivas para o entendimento da alma humana, mais
especificamente, a psique. A partir de suas elaborações, uma nova plêiade de
dúvidas e questões foram lançadas e discutidas para a compreensão do Indivíduo.
O trabalho desenvolvido por Freud, no final
do século XIX, ainda possui relevante importância. Grande parte de seus
escritos é muito pertinentes e ajuda, ou pelo menos colabora para o
entendimento da mente humana.
Mesmo no atual contexto de supremacia da
visão capitalista neoliberal, onde o hedonismo como modus vivendi parasita a
sociedade contemporânea, a visão freudiana facilita o entendimento dos efeitos
da modernidade e colabora, também, para a compreensão da pós-modernidade.
Ao contrário dos primórdios da Psicanálise,
quando o capitalismo criava uma dinâmica mais “estável” para as relações
sociais e os seus impactos repousavam na perspectiva autoritária do núcleo
familiar encabeçado pelo Pai, encontramos na atualidade um quadro diferenciado.
A dissolução da família, enquanto núcleo
coercitivo e de formação do Indivíduo, configura um padrão no momento. A busca
do prazer e sua satisfação através do consumo é outro componente importante que
impacta o Sujeito na atualidade.
FREUD
E A MODERNIDADE
O século XIX foi pródigo em grandes
transformações econômicas, sociais e políticas. O capitalismo, consolidando a
sua pujança econômica e abrindo caminho para uma ordem burguesa, ao mesmo tempo
em que novas formas de pressão sobre o indivíduo se formavam, foi o pano de
fundo para a elaboração teórica de Freud.
A Modernidade, enquanto nova forma de
compreensão e visão do mundo foi determinante para a implantação da nova lógica
capitalista. Junto com esta nova ordem, novos dilemas eram colocados para o
Indivíduo.
FREUD
EM TEMPOS DE PÓS-MODERNIDADE
Sabemos que o termo pós-modernidade envolve
uma série de controvérsias, críticas e contradições. Aqui, entendemos a
pós-modernidade como uma etapa avançada do capitalismo. A obra de Freud é
continua pertinente. Se o contexto de sua elaboração estava alicerçado sobre
padrões culturais mais rígidos, hoje, encontramos justamente o oposto. A
permissividade tornou-se um traço marcante da nossa sociedade.
Como foi discutido durante o módulo,
inúmeras propagandas de televisão mostram o poder do consumidor em conquistar o
que quiser. O querer é poder. Este é o lema da pós-modernidade. A vida no
século XXI tem como característica a liquidez das relações sociais, do consumo.
Revisitar a sua obra é fundamental para
observar como a dinâmica social vem se alterando e compreender o seu processo.
A obra freudiana, apesar do seu século de existência, ainda nos fornecer
indicações importantes para compreender o atual quadro contemporâneo.
A importância está na teoria freudiana do
processo de pensamento. E não é referente à educação e sim ao aprendizado.
Segundo Freud o processo de pensamento é a
ativação ou inibição dos complexos de sensações associadas que tornam possível
o fenômeno representacional psíquico, o que se dá através da energia que flui
no sistema nervoso pelos sistemas de neurônios. Podemos distinguir, neste processamento,
um primário e um secundário.
O processo primário está associado ao
inconsciente, o processamento primário do pensamento é aquele que dirige ações
imediatas ou reflexas, sendo associado, assim, ao prazer, ao emocional do
indivíduo e ao fenômeno de arco reflexo. Nele, a energia presente no aparelho
mental flui livremente pelas representações, do pólo do estímulo ao da
resposta.
O processo de pensamento secundário, por
outro lado, está associado ao pré-consciente, também chamado de "ação
interiorizada" ou, ainda, de "processo racional do pensamento".
Nele, o escoamento de energia mental fica retido, só acontecendo após uma série
de associações, as quais refletem no aparelho psíquico. As ações decorrentes
dessa forma de processamento devem ser tomadas com base no mundo externo, no
contexto em que a pessoa se encontra e em seus objetivos. Assim, ao contrário
da energia do processo primário, que é livre, a energia do secundário é
condicional.
Freud é de uma importância ímpar na história
da Psicologia. Freud desenvolveu uma fundamentação teórica muito sólida
juntamente com o trabalho na clínica que permitiu a elaboração de várias de
suas teorias. Só pra citar algumas de suas teorias, temos o complexo de Édipo,
O complexo de castração, o conceito de pulsão, a interpretação dos sonhos, a
associação livre, etc. Além disso Freud contribuiu para a compreensão e
desmistificação em relação a impressão que se tinha sobre a loucura, pois Freud
descobre que a loucura nada mais é do que a exacerbação do comportamento
considerado normal, diminuindo a distância entre os normais e os considerados
loucos. A ideia de inconsciente já existia antes de Freud, mas ele deu um
caráter científico para o inconsciente. Podemos sim dizer que Freud é o pai da Psicanálise,
mas não é o pai da Psicologia, pois esta foi desenvolvida inicialmente por Wilhelm
Maximilian Wundt, que é considerado o pai da Psicologia Moderna.
Freud descobriu o inconsciente: uma parte da
nossa mente onde ficam armazenados pensamentos que nos causam angústia.
Descobriu que esses pensamentos arquivados poderiam tentar chegar à consciência
através de sonhos, atos falhos (trocar o nome de alguém, por exemplo) e
sintomas físicos. Descobriu que a nossa mente gasta uma grande energia para
manter esses pensamentos lá, justamente porque eles são angustiantes. Descobriu
que esses pensamentos inconscientes influenciam a nossa maneira de agir, sem
que saibamos. É por isso que tantas vezes fazemos ou dizemos coisas que não
queremos dizer, ou tentamos mudar comportamentos e não conseguimos. É o nosso
inconsciente dirigindo nossa mente.
O
RESPEITO MÚTUO ENTE UM ATEU E UM CRISTÃO
Crentes e ateus têm algo em comum,
aferram-se às suas certezas de uma forma bastante radical, quase dogmática. Mas
o que acontece quando dois representantes desses grupos decidem iniciar algum
tipo de conversação, mesmo que, já de início, aparente se tratar de uma
empreitada inviável? Temos no livro Cartas entre Freud & Pfister
(1909-1939) - Um diálogo entre a Psicanálise e a fé cristã um exemplo interessante
sobre a possibilidade de uma interlocução entre dois sujeitos que tratam,
apaixonadamente, cada qual a seu modo, das variadas formas do sofrimento
humano.
Os sujeitos em questão são Sigmund Freud e
Oskar Pfister. O primeiro é o criador da Psicanálise, que dispensa maiores
apresentações, e o segundo é um suíço, filósofo e teólogo, pastor protestante e
contemporâneo de outro suíço, chamado Carl Gustav Jung; aquele a quem Freud
depositou esperanças consideráveis sobre uma possível sucessão na missão de
ampliar e solidificar a nascente teoria psicanalítica. Com Jung, Freud rompeu
de maneira irremediável e até hoje enigmática, mas com Pfister, que Freud
conheceu justamente por intermédio de Jung, ocorreu uma situação inversa.
Durante trinta anos, houve uma profícua troca de correspondências, idéias e
elucubrações sobre as possibilidades da Psicanálise, enquanto terapêutica e,
principalmente, como instrumento de elucidação de uma parcela considerável de
fenômenos do psiquismo humano. São essas cartas que compõem o livro, iniciando
em 1909 e terminando em 1937, algum tempo antes da mudança forçada de Freud
para Londres. Anna Freud relata que uma parte das cartas de Pfister foi
destruída por seu pai, a pedido do próprio Pfister, que não desejava que
chegasse a público algo "que pudesse ferir pessoas vivas" (1962, p.
19).
Mas, a despeito desse fato, essa lacuna não
obscurece a intensidade do diálogo que se erigiu entre ambos, sobre uma vasta
gama de assuntos. Apressadamente poderíamos imaginar que não sairiam do âmbito
da educação e da religião, temáticas em que o pastor Pfister concentrou suas
incursões, algo já sabido especialmente pelos interessados na intersecção entre
a Psicanálise e os dois campos de saber anteriormente citados. Não, o livro vai
além e mostra, nas linhas, e nas entrelinhas, uma gradativa afeição mútua, uma
amizade que veio a se solidificar, incluindo uma relação pessoal e familiar,
como atesta Freud quando afirma "que nenhuma visita, desde a de Jung, teve
tanto impacto nas crianças e trouxe tanto bem-estar a mim mesmo" (12/7/
1909). Do lado de Pfister, também encontramos declarações calorosas, como
quando assinala que "faz quase quinze anos que pude entrar pela primeira
vez na sua casa, e rapidamente me apaixonei pelo seu modo amável e pelo
espírito alegre e livre de sua família". E, ainda na mesma carta, comenta
sobre uma oportunidade que teve de sentar ao lado da esposa e da cunhada de
Freud, afirmando que se "sentia como na morada dos deuses olímpicos, e se
me perguntassem sobre o lugar mais aprazível da terra, eu responderia:
'Informem-se na casa do professor Freud!'" (30/12/1923).
É estranho que Pfister, ao contrário de
outros interlocutores, como Jung, Fliess, Adler e Ferenczi, por exemplo, não
seja contemplado com a devida cota de importância pelos estudiosos da teoria e
da história da Psicanálise, pois algumas cartas denotam que Freud mantinha um
tipo de relação bastante intensa com o pastor - carinhosamente alcunhado de
"amado adversário" -, discutindo com vigor particularidades da técnica
psicanalítica, que, naqueles dias, ainda começava a esboçar as feições de uma
prática específica. As descobertas pontuais sobre a dinâmica pulsional, a
interpretação de sonhos, a associação livre, a transferência, a resistência e,
principalmente, sobre as possibilidades de curar ou atenuar as vicissitudes da
condição humana são repetidamente citadas, em cartas que se assemelhavam a
pequenos tratados teóricos. Pode-se supor que Pfister, com suas posições
pessoais sobre a religião, a sexualidade e a crença na capacidade humana de
amar incondicionalmente, tenha influenciado Freud, pois este, num determinado
momento, agradece e frisa que "fiz muito pelo amor, como o senhor admite,
mas não posso confirmar com minha experiência que ele reside no fundo de todas
as coisas, a não ser que se some a ele também o ódio, o que é psicologicamente
correto. Mas aí o mundo nos pareceria bem mais triste" (17/3/1910). Temos
aqui então um exemplo clássico do estilo freudiano, contundente.
Freud, como inúmeros historiadores do
ambiente psicanalítico de então apontam, era um hábil comandante, um
articulador eficaz no plano de solidificar e expandir a Psicanálise, sendo
muitas vezes duro com aqueles que, de alguma maneira, o contrariavam. Um
exemplo desse fato pode ser encontrado num trecho em que Freud diz: "Em
Viena, aconteceu uma pequena crise, da qual ainda nada comuniquei a Jung. Adler
e Stekel pediram demissão (...) As teorias de Adler afastavam-se demais do
caminho correto. Era hora de fazer oposição a isto (...) É certo que sempre me
propus a ser tolerante e não exercer autoridade; na realidade, porém, isto não
é possível. É como o veículo e os pedestres. Quando comecei a andar de condução
todo dia, irritava-me com a imprudência dos pedestres, assim como em tempos
passados, com a falta de consideração dos cocheiros" (26/2/1911). Como ter
acesso a afirmações desse naipe, senão pelas correspondências? Elas permitem
uma via de expressão mais íntima, em que as confidencias podem ser enunciadas,
quase que como um segredo partilhado com o outro.
O livro está recheado delas, algumas até
mesmo cômicas, como quando Pfister envia os originais de seu livro Aplicações
da Psicanálise na pedagogia e na cura de almas, e Freud, agradecendo, afirma:
"Li hoje as provas de seu qualificado trabalho para a Imago e somente lhe
peço que me mencione, como dono da casa, com mais moderação. Já sei qual é sua
intenção, e os adversários somente seriam estimulados para altercações"
(9/2/1912). Um outro trecho digno de destaque é aquele em que Freud indaga a
Pfister: "Por que nenhum de todos esses devotos criou a Psicanálise, por
que foi necessário esperar por um judeu completamente ateu?" (9/10/1918).
E Pfister, vinte dias após, retruca: "Porque devoção ainda não significa
gênio de descobridor, e porque os devotos em boa parte não foram dignos de
produzir esses resultados". E, ainda na mesma carta, reitera que
"quem vive para a verdade vive em Deus, e quem luta pela libertação do
amor, segundo 1 João 4.16, permanece em Deus. Se o senhor se conscientizasse e
experimentasse a sua inserção nos processos mais amplos, o que a meu ver é tão
necessário como a síntese das notas de um sinfonia beethoveniana para formar a
totalidade musical, eu gostaria de dizer também do senhor: 'Jamais houve
cristão melhor'" (29/10/1918).
Ainda nessa linha, Freud exibe sua marca
inconfundível, quando, ao tratar de um trabalho de tradução, comunica a
Pfister: "Quanto ao seu tradutor, preciso dizer uma palavrinha. Eu mesmo
conheço L., ele é um sujeito bastante limitado e rude, na verdade, um completo
burro. A não ser que tenha mudado muito" (11/3/1913).
Ou ainda, quando critica Jung acerca de sua
conduta com a sra. H., afirmando que Jung talvez não estivesse maduro
tecnicamente para casos de tal intensidade. Freud pede textualmente que Pfister
"não acredite muito em um entendimento pessoal entre mim e Jung. Ele exige
demais de mim, e eu estou me retraindo bastante depois da superestimação da sua
pessoa" (1º/1/1913).
Pfister, por sua vez, reitera: "Estou
definitivamente cheio da mania junguiana. Essas interpretações que consideram
toda sujeira como elevada marmelada da alma, que rotulam todas as perversidades
como santos oráculos e mistérios e que contrabandeiam para dentro de cada alma
acabrunhada um pequeno Apolo e um Cristo não prestam" (19/7/1922). Podemos
aventar a possibilidade de que Pfister também tenha rompido com Jung,
postando-se fielmente ao lado de Freud, organizando então a logística
institucional da Psicanálise na Suíça.
Esses detalhes, aparentemente pitorescos, na
verdade colaboram para a apreensão da atmosfera européia da época, que
influenciou a nascente ciência psicanalítica, como por exemplo no
encaminhamento de pacientes; quando Freud responde a Pfister que ele se
disporia a atender uma médica, "desde que ela pague os agora habituais 40
francos por hora e permaneça até que a análise tenha a perspectiva de alcançar
algum sucesso, isto é, de 4 a 6 meses; por menos tempo não vale a pena"
(20/3/1921); ou ainda quando Freud comunica a Pfister que estava atendendo diversos
médicos americanos e que seus honorários correspondem a 20 dólares por hora, o
que provavelmente era um valor considerável na época. Aliás, quantos
brasileiros poderiam pagar 20 dólares por sessão, hoje?
Alguns detalhes permeiam grande parte das
cartas, tanto de um lado quanto do outro; o primeiro deles denota uma intensa
atividade de ambos na organização de congressos psicanalíticos, produções
teóricas para as revistas científicas da época, arrecadação de fundos para a
editora que publicava material psicanalítico, além de reserva de hotéis,
passagens de trens e outras burocracias do gênero. Isso merece ser citado, pois
evidencia a intensa rede de colaboradores que Freud arregimentou em suas
hostes, o que nos permite supor que grande parte da força do movimento
psicanalítico deveu-se a esse trabalho incansável de Freud.
Outro detalhe é a troca constante de
material teórico, pois durante todo o livro, as notas de rodapé clarificam
sobre as obras em questão, tanto de Freud quanto de Pfister. As mortes de
colaboradores importantes, como Tausk, Rorschach e Ferenczi, são citadas e
comentadas com pesar, e parceiros, como Aichhorn, Zulliger, Jones, Abraham,
Hall e outros, são igualmente citados com consideração eloqüente, além de
Reich, quando do lançamento de seu livro A análise do caráter, técnica e
embasamento para analistas praticantes e estudiosos, que Pfister admira,
pedindo o apoio de Freud para as idéias inovadoras que se faziam presentes no
referido livro.
Mas a principal contribuição dessa coletânea
de cartas reside na constatação da influência de Pfister sobre Freud no quesito
religião, facilmente verificável nas palavras de Freud: "Nas próximas
semanas sairá uma brochura de minha autoria, que tem muito que ver com o
senhor. Eu já a teria escrito há tempo, mas adiei-a em consideração ao senhor,
até que a pressão ficou forte demais. Ela trata - fácil de adivinhar - da minha
posição totalmente contrária à religião - em todas as formas e diluições, e,
mesmo que isto não seja novidade para o senhor, eu temia e ainda temo que uma
declaração pública lhe seja constrangedora. O senhor me fará saber, então, que
medida de compreensão e tolerância ainda consegue ter para com este herege
incurável" (16/10/1927). A brochura é, obviamente o bombástico texto O
futuro de uma ilusão, em que Freud demole impiedosamente as esperanças humanas
no paraíso prometido pelas religiões. Pfister, que na polêmica se assemelhava
muito a Freud, responde rapidamente: "No tocante à sua brochura contra a
religião, sua rejeição à religião não me traz nada de novo. Eu a aguardo com
alegre interesse. Um adversário de grande capacidade intelectual é mais útil à
religião que mil adeptos inúteis. Enfim, na música, filosofia e religião eu
sigo por caminhos diferentes dos do senhor. Não poderia imaginar que uma
declaração pública sua pudesse melindrar; sempre achei que cada um deve dizer
sua opinião honesta de modo claro e audível. O senhor sempre foi paciente
comigo, e eu não o seria com o seu ateísmo?" (21/10/1927).
É notável a classe e a fineza de ambos,
mesmo partindo de posições antagônicas, algo muitas vezes incomum quando
observamos algumas discussões acaloradas de psicanalistas, que eventualmente
pensem de maneiras opostas. Pfister respondeu ao artigo de Freud com o texto
"Ilusão de um futuro" publicado em 1928, na revista Imago. A
importância desse texto, especialmente quando se considera a quem foi
endereçado, deve ser mensurada e alçada ao status de objeto de atenção por
parte dos interessados em ampliar os conhecimentos sobre as possíveis interfaces
entre a Psicanálise e a religião. E essa a proposta dos editores brasileiros, o
Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos (CPPC), localizado em Curitiba e
que, nas palavras de um de seus membros, a tradutora do livro, Karin Hellen
Kepler Wondracek, "...por mais de vinte anos tem sido um fórum permanente
de debates, resultando num intercâmbio fecundo entre as profissões que lidam
com a alma - palavra preciosa para Freud e Pfister - e a fé" (p. 11).
O livro se encerra com Freud às voltas com
sua prótese, seus artigos de cunho mais culturais, a ascensão do nazismo e sua
perplexidade diante da longevidade. Já Pfister nos mostra em suas últimas
cartas as tentativas de ajudar a família Freud a fugir do nazismo, demonstrando
nesse momento uma solidariedade preciosa, encontrável apenas nas mais profundas
amizades. A última carta de Pfister é de 12/12/1939, endereçada à viúva Freud,
qualificando seu falecido marido de "magistral e ao mesmo tempo
infinitamente bondoso titã".
Este é Oskar Pfister, um apaixonado pela Psicanálise
e pela vida, em que se viu diante de inúmeras dúvidas existenciais, como por
exemplo, sobre sua atividade religiosa e seu casamento, mas, a despeito desses
momentos, dedicou-se ao acolhimento de uma dor específica, a da alma. Foi um
pesquisador dinâmico, com mais de 200 artigos publicados, além de inúmeros
livros que tratavam de variados assuntos, incluindo nesse rol a pedanálise, sua
tentativa de aplicação da Psicanálise à pedagogia, que influenciou um grande
números de educadores da época, sendo traduzida em diversas línguas. Somente
alguém tão sensível e corajoso no enfrentamento dos mistérios da condição
humana poderia alicerçar tal obra, e, para concluir essa resenha, nada melhor
que as palavras do próprio Pfister, no prefácio de seu livro de 1944, chamado
Das Christentum und die Angst (O cristianismo e a angústia), que relata como
chegou à Psicanálise, partindo de seu desejo de colaborar para alguma
transformação no sofrimento daqueles que o procuravam como pastor: "Tão
logo procurei aplicar os novos conhecimentos na cura de almas, provei a alegria
do descobridor e do auxiliador, sempre de novo experimentada. Principalmente o
estudo das neuroses fóbicas e compulsivas, como também suas seqüelas na vida
religiosa e moral, abriu meus olhos para as principais conexões e suas leis.
Até as insensatas excentricidades religiosas, como as interessantes
neoformações, aprendi a compreender em sua dimensão causai. (...). Experimentei
como a neurose altera a prática cristã do devoto, de modo que esta adquire
traços neuróticos (...) Os dogmas são monstruosamente ressaltados,
transformando-se por vezes em fetichismo dogmático. Desta forma, de uma
religião do amor, o cristianismo transformou-se, talvez na maioria das vezes,
em uma religião de angústia perante os dogmas. Deus, de um Pai celestial
amoroso, transformou-se - em épocas especialmente negras de um cristianismo
coercitivo - num Pai sinistramente dogmático" (pp. 15-7).
CONCLUSÃO
Freud inovou em dois campos.
Simultaneamente, desenvolveu uma teoria da mente e da conduta humana, e uma
técnica terapêutica para ajudar pessoas afetadas psiquicamente. Alguns de seus
seguidores afirmam estar influenciados por um, mas não pelo outro campo.
Provavelmente a contribuição mais
significativa que Freud fez ao pensamento moderno é a de tentar dar ao conceito
de inconsciente (que tomou de Eduard von Hartmann, Schopenhauer e Nietzsche) um
status científico (não compartilhado por várias áreas da ciência e da Psicologia).
Seus conceitos de inconsciente, desejos inconscientes e repressão foram
revolucionários; propõem uma mente dividida em camadas ou níveis, dominada em
certa medida por vontades primitivas que estão escondidas sob a consciência e
que se manifestam nos lapsos e nos sonhos.
Em sua obra mais conhecida, A Interpretação
dos Sonhos, Freud explica o argumento para postular o novo modelo do
inconsciente e desenvolve um método para conseguir o acesso ao mesmo, tomando
elementos de suas experiências prévias com as técnicas de hipnose.
Como parte de sua teoria, Freud postula
também a existência de um pré-consciente, que descreve como a camada entre o
consciente e o inconsciente (o termo subconsciente é utilizado popularmente,
mas não é parte da terminologia psicanalítica). A repressão em si tem grande
importância no conhecimento do inconsciente. De acordo com Freud, as pessoas
experimentam repetidamente pensamentos e sentimentos que são tão dolorosos que
não podem suportá-los. Tais pensamentos e sentimentos (assim como as
recordações associadas a eles) não podem ser expulsos da mente, mas, em troca,
são expulsos do consciente para formar parte do inconsciente.
Embora ao longo de sua carreira Freud tenha
tentado encontrar padrões de repressão entre seus pacientes que derivassem em
um modelo geral para a mente, ele observou que seus distintos pacientes
reprimiam fatos diferentes. Observou ainda que o processo da repressão é em si
mesmo um ato não-consciente (isto é, não ocorreria através da intenção dos
pensamentos ou sentimentos conscientes). Em outras palavras, o inconsciente era
tanto causa como efeito da repressão.
Freud procurou uma explicação à forma de
operar do inconsciente, propondo uma estrutura particular. Propôs um
inconsciente dividido em três partes: o eu ou ego, o id e o superego.
O id representa os processos primitivos do
pensamento e constitui segundo Freud, o motor do pensamento e do comportamento
humano. Contém nossos pensamentos e desejos de recompensa mais primitivos, de
caráter sexual e perverso.
O superego, a parte que contra-age ao id,
representa os pensamentos morais e éticos.
O ego permanece entre ambos, alternando
nossas necessidades primitivas e nossas crenças éticas e morais. É a instância
na que se inclui a consciência. Um eu saudável proporciona a habilidade para
adaptar-se à realidade e interagir com o mundo exterior de uma maneira que seja
cômoda para o id e o superego.
Freud estava especialmente interessado na
dinâmica destas três partes da mente. Argumentou que essa relação é
influenciada por fatores ou energias inatas, que chamou de pulsões. Descreveu
duas pulsões antagônicas: Eros, uma pulsão sexual com tendência à preservação
da vida, e Tanatos, a pulsão da morte. Esta última representa uma moção
agressiva, apesar de às vezes se resolver em uma pulsão que nos induz a voltar
a um estado de calma, princípio de nirvana ou não-existência, que se baseou em
seus estudos sobre protozoários.
Freud também acreditava que a libido
amadurecia nos indivíduos por meio da troca de seu objeto (ou objetivo).
Argumentava que os humanos nascem "polimorficamente perversos", no
sentido de que uma grande variedade de objetos possam ser uma fonte de prazer.
Conforme as pessoas vão se desenvolvendo, também vão fixando-se sobre diferentes
objetos específicos em distintas etapas: a etapa oral (exemplificada pelo
prazer dos bebês na lactação); a etapa anal (exemplificada pelo prazer das
crianças ao controlar sua defecação); e logo a etapa fálica. Propôs então que
chega um momento no qual as crianças passam a uma fase onde se fixam no
progenitor de sexo oposto (complexo de Édipo) e desenvolveu um modelo que
explica a forma na qual ajusta-se este padrão no desenvolvimento da dinâmica da
mente. Cada fase é uma progressão pelo amadurecimento sexual, caracterizada por
um forte Eu e a habilidade para retardar a necessidade de recompensas.
O modelo psicossexual que desenvolveu tem
sido criticado por diferentes frentes. Alguns têm atacado a afirmação de Freud
sobre a existência de uma sexualidade infantil (e, implícitamente, a expansão
que se fez na noção de sexualidade). Outros autores, porém, consideram que
Freud não ampliou os conhecimentos sobre sexualidade (que tinham antecedentes
anteriores na psiquiatria e na filosofia, em autores como Schopenhauer); senão
que Freud "neurotizou" a sexualidade ao relacioná-la com conceitos
como incesto, perversão e transtornos mentais. Ciências como a antropologia e a
sociologia argumentam que o padrão de desenvolvimento proposto por Freud não é
universal nem necessário no desenvolvimento da saúde mental, qualificando-o de
etnocêntrico por omitir determinantes sócio-culturais.
Freud esperava provar que seu modelo,
baseado em observações da classe média austríaca, fosse universalmente válido.
Utilizou a mitologia grega e a etnografia contemporânea como modelos
comparativos. Recorreu ao "Édipo Rei" de Sófocles para indicar que o
ser humano deseja o incesto de forma natural e como é reprimido este desejo. O
complexo de Édipo foi descrito como uma fase do desenvolvimento psicossexual e
de amadurecimento. Também fixou-se nos estudos antropológicos de toteísmo,
argumentando que reflete um costume ritualizado do complexo de Édipo (Totem e
Tabu). Incorporou também em sua teoria conceitos da religião católica e da
judaica; assim como principios da sociedade vitoriana sobre repressão,
sexualidade e moral; e outros da biologia e da hidráulica.
Esperava que sua investigação proporcionasse
uma sólida base científica para seu método terapêutico. O objetivo da terapia
freudiana ou Psicanálise é, relacionando conceitos da mente cartesiana e da
hidráulica, mover (mediante a associação livre e da interpretação dos sonhos)
os pensamentos e sentimentos reprimidos (explicados como uma forma de energia)
através do consciente para permitir ao sujeito a catarse que provocaria a cura
automática.
Outro elemento importante da Psicanálise é a
relativamente pouca intervenção do psicanalista para que o paciente possa
projetar seus pensamentos e sentimentos no psicanalista. Através deste
processo, chamado de transferência, o paciente pode reconstruir e resolver
conflitos reprimidos (causadores de sua doença), especialmente conflitos da
infância com seus pais.
É menos conhecido o interesse de Freud pela neurologia.
No início de sua carreira investigou a paralisia cerebral. Publicou numerosos
artigos médicos neste campo. Também mostrou que a doença existia muito antes de
que outros pesquisadores de seu tempo tiveram notícia dela e de a estudarem.
Também sugeriu que era errado que esta doença, segundo descrito por William
Little (cirugião ortopédico britânico), tivesse como causa uma falta de
oxigênio durante o nascimento. Ao invés disso, afirmou que as complicações no
parto eram somente um sintoma do problema. Somente na década de 1980 suas
especulações foram confirmadas por pesquisadores modernos.
Do ponto de vista da medicina, a teoria e
prática freudiana têm sido sustituídas pelas descobertas empíricas ao longo dos
anos. A psiquiatria e a Psicologia como ciências hoje rechaçam a maior parte do
trabalho de Freud. Sem dúvida, muitas pessoas continuam aprendendo e praticando
a Psicanálise freudiana tradicional. No âmbito da Psicanálise moderna, a
palavra de Freud continua ocupando um lugar determinante, embora suas teorías
apareçam reinterpretadas por autores como Jacques Lacan e Melanie Klein.
BIBLIOGRAFIA
MEZAN, Renato. Freud, o pensador da cultura.
São Paulo, Companhia das Letras, 7ª ed., 2006.
NASIO, J.-D. O prazer de ler Freud. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999.
K. H. K. WONDRACEK & D. JUNGE (orgs.). Cartas entre Freud
& Pfister (1909-1939): Um diálogo entre a psicanálise e a fé cristã.
Viçosa, MG: Ultimato, 1998