Carl Gustav Jung
(Kesswil, 26 de julho de 1875 — Küsnacht, 6 de junho de 1961) foi um psiquiatra
e psicoterapeuta suíço que fundou a Psicologia Analítica. Jung propôs e
desenvolveu os conceitos da personalidade extrovertida e introvertida,
arquétipos, e o inconsciente coletivo. Seu trabalho tem sido influente na
psiquiatria e no estudo da religião, literatura e áreas afins.
O conceito central da Psicologia
Analítica é a individuação, o processo psicológico de integração dos opostos,
incluindo o consciente com o inconsciente, mantendo a sua autonomia relativa.
Jung considerou a individuação como o processo central do desenvolvimento
humano.
Ele criou alguns dos
melhores conceitos psicológicos conhecidos, incluindo o arquétipo, o
inconsciente coletivo, o complexo, e a sincronicidade. A classificação
tipológica de Myers Briggs (MBTI), um instrumento popular psicométrico, foi
desenvolvido a partir de suas teorias.
Via a psique humana como
"de natureza religiosa", e fez esta religiosidade o foco de suas
explorações. Ele é um dos maiores colaboradores contemporâneos conhecidos para
análise de sonhos e simbolização. Embora exercesse sua profissão como médico e
se considerasse um cientista, muito do trabalho de sua vida foi passado a
explorar áreas tangenciais, incluindo a filosofia oriental e ocidental,
alquimia, astrologia e sociologia, bem como a literatura e as artes. Seu
interesse pela filosofia e ocultismo levaram muitos a vê-lo como um místico.
Jung
via o pensamento e o sentimento como maneiras alternativas de elaborar
julgamentos e tomar decisões.
Dentre todos os
conceitos de Carl Gustav Jung, a ideia de introversão e extroversão são as mais
usadas. Jung descobriu que cada indivíduo pode ser caracterizado como sendo
primeiramente orientado para seu interior ou para o exterior, sendo que a
energia dos introvertidos se dirige em direção a seu mundo interno, enquanto a
energia do extrovertido é mais focalizada no mundo externo.
Entretanto, ninguém é
totalmente introvertido ou extrovertido. Algumas vezes a introversão é mais
apropriada, em outras ocasiões a extroversão é mais adequada, mas, as duas
atitudes se excluem mutuamente, de forma que não se podem manter ambas ao mesmo
tempo. Também enfatizava que nenhuma das duas é melhor que a outra, citando que
o mundo precisa dos dois tipos de pessoas. Darwin, por exemplo, era
predominantemente extrovertido, enquanto Kant era introvertido por excelência.
O ideal para o ser
humano é ser flexível, capaz de adotar qualquer dessas atitudes quando for
apropriado, operar em equilíbrio entre as duas.
AS ATITUDES: INTROVERSÃO
E EXTROVERSÃO
Os introvertidos
concentram-se prioritariamente em seus próprios pensamentos e sentimentos, em
seu mundo interior, tendendo à introspecção. O perigo para tais pessoas é
imergir de forma demasiada em seu mundo interior, perdendo ou tornando tênue o
contato com o ambiente externo. O cientista distraído, estereotipado, é um
exemplo claro deste tipo de pessoa absorta em suas reflexões em notável
prejuízo do pragmatismo necessário à adaptação.
Os extrovertidos, por
sua vez, se envolvem com o mundo externo das pessoas e das coisas. Eles tendem
a ser mais sociais e mais conscientes do que acontece à sua volta. Necessitam
se proteger para não serem dominados pelas exterioridades e, ao contrário dos
introvertidos, se alienarem de seus próprios processos internos. Algumas vezes
esses indivíduos são tão orientados para os outros que podem acabar se apoiando
quase exclusivamente nas idéias alheias, ao invés de desenvolverem suas
próprias opiniões.
AS FUNÇÕES PSÍQUICAS
Jung identificou quatro
funções psicológicas que chamou de fundamentais: pensamento, sentimento,
sensação e intuição. E cada uma dessas funções pode ser experienciada tanto de
maneira introvertida quanto extrovertida.
O Pensamento
Jung via o pensamento e
o sentimento como maneiras alternativas de elaborar julgamentos e tomar
decisões. O Pensamento, por sua vez, está relacionado com a verdade, com
julgamentos derivados de critérios impessoais, lógicos e objetivos. As pessoas
nas quais predomina a função do Pensamento são chamadas de Reflexivas. Esses
tipos reflexivos são grandes planejadores e tendem a se agarrar a seus planos e
teorias, ainda que sejam confrontados com contraditória evidência.
O
Sentimento
Tipos
sentimentais são orientados para o aspecto emocional da experiência. Eles
preferem emoções fortes e intensas ainda que negativas, a experiências apáticas
e mornas. A consistência e princípios abstratos são altamente valorizados pela
pessoa sentimental. Para ela, tomar decisões deve ser de acordo com julgamentos
de valores próprios, como por exemplo, valores do bom ou do mau, do certo ou do
errado, agradável ou desagradável, ao invés de julgar em termos de lógica ou eficiência,
como faz o reflexivo.
A
Sensação
Jung
classifica a sensação e a intuição juntas, como as formas de apreender
informações, diferentemente das formas de tomar decisões. A Sensação se refere
a um enfoque na experiência direta, na percepção de detalhes, de fatos
concretos. A Sensação reporta-se ao que uma pessoa pode ver, tocar, cheirar. É
a experiência concreta e tem sempre prioridade sobre a discussão ou a análise
da experiência.
Os tipos sensitivos
tendem a responder à situação vivencial imediata, e lidam eficientemente com
todos os tipos de crises e emergências.
Em geral eles estão
sempre prontos para o momento atual, adaptam-se facilmente às emergências do
cotidiano, trabalham melhor com instrumentos, aparelhos, veículos e utensílios
do que qualquer um dos outros tipos.
A Intuição
A intuição é uma forma
de processar informações em termos de experiência passada, objetivos futuros e
processos inconscientes. As implicações da experiência (o que poderia
acontecer, o que é possível) são mais importantes para os intuitivos do que a
experiência real por si mesma. Pessoas fortemente intuitivas dão significado às
suas percepções com tamanha rapidez que, habitualmente, não conseguem separar
suas interpretações conscientes dos dados sensoriais brutos obtidos. Os
intuitivos processam informação muito depressa e relacionam, de forma
automática, a experiência passada com as informações relevantes da experiência
imediata.
ARQUÉTIPOS
Dentro do Inconsciente
Coletivo existem, segundo Jung, estruturas psíquicas ou Arquétipos. Tais
Arquétipos são formas sem conteúdo próprio que servem para organizar ou
canalizar o material psicológico. Eles se parecem um pouco com leitos de rio
secos, cuja forma determina as características do rio, porém desde que a água
começa a fluir por eles. Particularmente comparo os Arquétipos à porta de uma
geladeira nova; existem formas sem conteúdo - em cima formas arredondadas (você
pode colocar ovos, se quiser ou tiver ovos), mais abaixo existe a forma sem
conteúdo para colocar refrigerantes, manteiga, queijo, etc., mas isso só
acontecerá se a vida ou o meio onde você existir lhe oferecer tais produtos. De
qualquer maneira as formas existem antecipadamente ao conteúdo.
Arquetipicamente existe a forma para colocar Deus, mas isso depende das circunstâncias
existenciais, culturais e pessoais.
Jung também chama os
Arquétipos de imagens primordiais, porque eles correspondem frequentemente a
temas mitológicos que reaparecem em contos e lendas populares de épocas e
culturas diferentes. Os mesmos temas podem ser encontrados em sonhos e
fantasias de muitos indivíduos. De acordo com Jung, os Arquétipos, como
elementos estruturais e formadores do inconsciente, dão origem tanto às
fantasias individuais quanto às mitologias de um povo.
A história de Édipo é uma
boa ilustração de um Arquétipo. É um motivo tanto mitológico quanto
psicológico, uma situação arquetípica que lida com o relacionamento do filho
com seus pais. Há, obviamente, muitas outras situações ligadas ao tema, tal
como o relacionamento da filha com seus pais, o relacionamento dos pais com os
filhos, relacionamentos entre homem e mulher, irmãos, irmãs e assim por diante.
O termo Arquétipo
frequentemente é mal compreendido, julgando-se que expressa imagens ou motivos
mitológicos definidos. Mas estas imagens ou motivos mitológicos são apenas
representações conscientes do Arquétipo. O Arquétipo é uma tendência a formar
tais representações que podem variar em detalhes, de povo a povo, de pessoa a
pessoa, sem perder sua configuração original.
Uma extensa variedade de
símbolos pode ser associada a um Arquétipo. Por exemplo, o Arquétipo materno
compreende não somente a mãe real de cada indivíduo, mas também todas as
figuras de mãe, figuras nutridoras. Isto inclui mulheres em geral, imagens
míticas de mulheres (tais como Vênus, Virgem Maria, mãe Natureza) e símbolos de
apoio e nutrição, tais como a Igreja e o Paraíso. O Arquétipo materno inclui
aspectos positivos e negativos, como a mãe ameaçadora, dominadora ou
sufocadora. Na Idade Média, por exemplo, este aspecto do Arquétipo estava
cristalizado na imagem da velha bruxa.
Jung escreveu que cada
uma das principais estruturas da personalidade seriam Arquétipos, incluindo o
Ego, a Persona, a Sombra, a Anima (nos homens), o Animus (nas mulheres) e o
Self.
SÍMBOLOS
De acordo com Jung, o
inconsciente se expressa primariamente através de símbolos. Embora nenhum
símbolo concreto possa representar de forma plena um Arquétipo (que é uma forma
sem conteúdo específico), quanto mais um símbolo se harmonizar com o material
inconsciente organizado ao redor de um Arquétipo, mais ele evocará uma resposta
intensa e emocionalmente carregada.
Jung se interessa nos
símbolos naturais, que são produções espontâneas da psique individual, mais do
que em imagens ou esquemas deliberadamente criados por um artista. Além dos
símbolos encontrados em sonhos ou fantasias de um indivíduo, há também símbolos
coletivos importantes, que são geralmente imagens religiosas, tais como a cruz,
a estrela de seis pontas de David e a roda da vida budista.
Imagens e termos
simbólicos, habitualmente, representam conceitos que nós não podemos definir
com clareza ou compreender plenamente. Para Jung, um signo representa alguma
outra coisa; um símbolo é alguma coisa em si mesma, uma coisa dinâmica e viva.
O símbolo representa a situação psíquica do indivíduo e ele é essa situação num
dado momento.
Aquilo a que nós
chamamos de símbolo pode ser um termo, um nome ou até uma imagem familiar na
vida diária, embora possua conotações específicas além de seu significado
convencional e óbvio. Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando
implica alguma coisa além de seu significado manifesto e imediato. Esta palavra
ou esta imagem tem um aspecto inconsciente mais amplo que não é nunca
precisamente definido ou plenamente explicado.
OS SONHOS
Os sonhos são pontes
importantes entre processos conscientes e inconscientes. Comparado à nossa vida
onírica, o pensamento consciente contém menos emoções intensas e imagens
simbólicas. Os símbolos oníricos frequentemente envolvem tanta energia
psíquica, que somos compelidos a prestar atenção neles.
Para Jung, os sonhos
desempenham um importante papel complementar ou compensatório. Os sonhos ajudam
a equilibrar as influências variadas a que estamos expostos em nossa vida consciente,
sendo que tais influências tendem a moldar nosso pensamento de maneiras
frequentemente inadequadas à nossa personalidade e individualidade. A função
geral dos sonhos, para Jung, é tentar estabelecer a nossa balança psicológica
pela produção de um material onírico que reconstitui equilíbrio psíquico total.
Jung abordou os sonhos
como realidades vivas que precisam ser experimentadas e observadas com cuidado
para serem compreendidas. Ele tentou descobrir o significado dos símbolos
oníricos prestando atenção à forma e ao conteúdo do sonho e, com relação à
análise dos sonhos, Jung distanciou-se gradualmente da maneira psicanalítica na
livre associação.
Pelo fato do sonho lidar
com símbolos, Jung achava que eles teriam mais de um significado, não podendo
haver um sistema simples ou mecânico para sua interpretação. Qualquer tentativa
de análise de um sonho precisa levar em conta as atitudes, a experiência e a
formação do sonhador. É uma aventura comum vivida entre o analista e o
analisando. O caráter das interpretações do analista é apenas experimental, até
que elas sejam aceitas e sentidas como válidas pelo analisando.
Mais importante do que a
compreensão cognitiva dos sonhos é o ato de experienciar o material onírico e
levá-lo a sério. Para o analista junguiano devemos tratar nossos sonhos não
como eventos isolados, mas como comunicações dos contínuos processos
inconscientes. Para a corrente junguiana é necessário que o inconsciente torne
conhecida sua própria direção, e nós devemos dar-lhe os mesmos direitos do Ego,
se é que cada lado deva adaptar-se ao outro. À medida que o Ego ouve e o
inconsciente é encorajado a participar desse diálogo, a posição do inconsciente
é transformada daquela de um adversário para a de um amigo, com pontos de vista
de algum modo diferentes, mas complementares.
O EGO
O Ego é o centro da
consciência e um dos maiores Arquétipos da perso-nalidade. Ele fornece um
sentido de consistência e direção em nossas vidas conscientes. Ele tende a
contrapor-se a qualquer coisa que possa ameaçar esta frágil consistência da
consciência e tenta convencer-nos de que sempre devemos planejar e analisar
conscientemente nossa experiência. Somos levados a crer que o Ego é o elemento
central de toda a psique e chegamos a ignorar sua outra metade, o inconsciente.
De acordo com Jung, a
princípio a psique é apenas o inconsciente. O Ego emerge dele e reúne numerosas
experiências e memórias, desenvolvendo a divisão entre o inconsciente e o
consciente. Não há elementos inconscientes no Ego, só conteúdos conscientes
derivados da experiência pessoal.
A PERSONA
Nossa Persona é a forma
pela qual nos apresentamos ao mundo. É o caráter que assumimos; através dela
nós nos relacionamos com os outros. A Persona inclui nossos papéis sociais, o
tipo de roupa que escolhemos para usar e nosso estilo de expressão pessoal. O
termo Persona é derivado da palavra latina equivalente a máscara, se refere às
máscaras usadas pelos atores no drama grego para dar significado aos papéis que
estavam representando. As palavras "pessoa" e
"personalidade" também estão relacionadas a este termo.
A Persona tem aspectos
tanto positivos quanto negativos. Uma Persona dominante pode abafar o indivíduo
e aqueles que se identificam com sua Persona tendem a se ver apenas nos termos
superficiais de seus papéis sociais e de sua fachada. Jung chamou também a
Persona de Arquétipo da conformidade. Entretanto, a Persona não é totalmente
negativa. Ela serve para proteger o Ego e a psique das diversas forças e
atitudes sociais que nos invadem. A Persona é também um instrumento precioso
para a comunicação. Nos dramas gregos, as máscaras dos atores, audaciosamente
desenhadas, informavam a toda a plateia, ainda que de forma um pouco
estereotipada, sobre o caractere as atitudes do papel que cada ator estava
representando. A Persona pode, com frequência, desempenhar um papel importante
em nosso desenvolvimento positivo. À medida que começamos a agir de determinada
maneira, a desempenhar um papel, nosso Ego se altera gradualmente nessa
direção.
Entre os símbolos
comumente usados para a Persona, incluem-se os objetos que usamos para nos
cobrir (roupas, véus), símbolos de um papel ocupacional (instrumentos, pasta de
documentos) e símbolos de status (carro, casa, diploma). Esses símbolos foram
todos encontrados em sonhos como representações da Persona. Por exemplo, em
sonhos, uma pessoa com Persona forte pode aparecer vestida de forma exagerada
ou constrangida por um excesso de roupas. Uma pessoa com Persona fraca poderia
aparecer despida e exposta. Uma expressão possível de uma Persona extremamente
inadequada seria o fato de não ter pele.
A SOMBRA
Para Jung, a Sombra é o
centro do Inconsciente Pessoal, o núcleo do material que foi reprimido da
consciência. A Sombra inclui aquelas tendências, desejos, memórias e
experiências que são rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis com a Persona
e contrárias aos padrões e ideais sociais. Quanto mais forte for nossa Persona,
e quanto mais nos identificarmos com ela, mais repudiaremos outras partes de
nós mesmos. A Sombra representa aquilo que consideramos inferior em nossa
personalidade e também aquilo que negligenciamos e nunca desenvolvemos em nós
mesmos. Em sonhos, a Sombra frequentemente aparece como um animal, um anão, um
vagabundo ou qualquer outra figura de categoria mais baixa.
Em seu trabalho sobre
repressão e neurose, Freud concentrou-se, de inicio, naquilo que Jung chama de
Sombra. Jung descobriu que o material reprimido se organiza e se estrutura ao
redor da Sombra, que se torna, em certo sentido, um Self negativo, a Sombra do
Ego. A Sombra é, habitualmente, vivida em sonhos como uma figura escura,
primitiva, hostil ou repelente, porque seus conteúdos foram violentamente
retirados da consciência e aparecem como antagônicos à perspectiva consciente.
Se o material da Sombra for tra-zido à consciência, ele perde muito de sua
natureza de medo, de desconhecido e de escuridão.
A Sombra é mais perigosa
quando não é reconhecida pelo seu portador. Neste caso, o indivíduo tende a
projetar suas qualidades indesejáveis em outros ou a deixar-se dominar pela
Sombra sem o perceber. Quanto mais o material da Sombra tornar-se consciente,
menos ele pode dominar. Entretanto, a Sombra é uma parte integral de nossa
natureza e nunca pode ser simplesmente eliminada. Uma pessoa sem Sombra não é
uma pessoa completa, mas uma caricatura bidimensional que rejeita a mescla do
bom e do mal e a ambivalência presentes em todos nós.
Cada porção reprimida da
Sombra representa uma parte de nós mesmos. Nós nos limitamos na mesma proporção
que mantemos este material inconsciente.
À medida que a Sombra se
faz mais consciente, recuperamos partes previamente reprimidas de nós mesmos.
Além disso, a Sombra não é apenas uma força negativa na psique. Ela é um
depósito de considerável energia instintiva, espontaneidade e vitalidade, e é a
fonte principal de nossa criatividade. Assim como todos os Arquétipos, a Sombra
se origina no Inconsciente Coletivo e pode permitir acesso individual a grande
parte do valioso material inconsciente que é rejeitado pelo Ego e pela Persona.
No momento em que acharmos que a compreendemos, a Sombra aparecerá de outra
forma. Lidar com a Sombra é um processo que dura a vida toda, consiste em olhar
para dentro e refletir honestamente sobre aquilo que vemos lá.
O SELF
Jung chamou o Self de
Arquétipo central, Arquétipo da ordem e totalidade da personalidade. Segundo
Jung, consciente e inconsciente não estão necessariamente em oposição um ao
outro, mas complementam-se mutuamente para formar uma totalidade: o Self. Jung
descobriu o Arquétipo do Self apenas depois de estarem concluídas suas
investigações sobre as outras estruturas da psique. O Self é com frequência
figurado em sonhos ou imagens de forma impessoal, como um círculo, mandala,
cristal ou pedra, ou de forma pessoal como um casal real, uma criança divina,
ou na forma de outro símbolo de divindade. Todos estes são símbolos da
totalidade, unificação, reconciliação de polaridades, ou equilíbrio dinâmico,
os objetivos do processo de Individuação.
O Self é um fator
interno de orientação, muito diferente e até mesmo estranho ao Ego e à
consciência. Para Jung, o Self não é apenas o centro, mas também toda a
circunferência que abarca tanto o consciente quanto o inconsciente, ele é o
centro desta totalidade, tal como o Ego é o centro da consciência. Ele pode de
início, aparecer em sonhos como uma imagem significante, um ponto ou uma
sujeira de mosca, pelo fato do Self ser bem pouco familiar e pouco desenvolvido
na maioria das pessoas. O desenvolvimento do Self não significa que o Ego seja
dissolvido. Este último continua sendo o centro da consciência, mas agora ele é
vinculado ao Self como consequência de um longo e árduo processo de compreensão
e aceitação de nossos processos inconscientes. O Ego já não parece mais o
centro da personalidade, mas uma das inúmeras estruturas dentro da psique.
CRESCIMENTO PSICOLÓGICO
– INDIVIDUAÇÃO
Segundo Jung, todo
indivíduo possui uma tendência para a Individuação ou auto desenvolvimento.
Individuação significa tornar-se um ser único, homogêneo. Na medida em que por
individualidade entendemos nossa singularidade mais íntima, última e
incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo.
Pode-se traduzir Individuação como tornar-se si mesmo, ou realização do si
mesmo.
Individuação é um
processo de desenvolvimento da totalidade e, portanto, de movimento em direção
a uma maior liberdade. Isto inclui o desenvolvimento do eixo Ego-Self, além da
integração de várias partes da psique: Ego, Persona, Sombra, Anima ou Animus e
outros Arquétipos inconscientes. Quando se tornam individuados, esses
Arquétipos expressam-se de maneiras mais sutis e complexas.
Quanto mais conscientes
nos tornamos de nós mesmos através do autoconhecimento, tanto mais se reduzirá
a camada do inconsciente pessoal que recobre o inconsciente coletivo. Desta
forma, sai emergindo uma consciência livre do mundo mesquinho, suscetível e
pessoal do Eu, aberta para a livre participação de um mundo mais amplo de
interesses objetivos.
Essa consciência
ampliada não é mais aquele novelo egoísta de desejos, temores, esperanças e
ambições de caráter pessoal, que sempre deve ser compensado ou corrigido por
contra tendências inconscientes; tornar-se-á uma função de relação com o mundo
de objetos, colocando o indivíduo numa comunhão incondicional, obrigatória e
indissolúvel com o mundo.
Do ponto de vista do
Ego, crescimento e desenvolvimento consistem na integração de material novo na
consciência, o que inclui a aquisição de conhecimento a respeito do mundo e da
própria pessoa. O crescimento, para o Ego, é essencialmente a expansão do
conhecimento consciente. Entretanto, Individuação é o desenvolvimento do Self
e, do seu ponto de vista, o objetivo é a união da consciência com o
inconsciente.
Como analista, Jung
descobriu que aqueles que vinham a ele na primeira metade da vida estavam
relativamente desligados do processo interior de Individuação; seus interesses
primários centravam-se em realizações externas, no "emergir" como
indivíduos e na consecução dos objetivos do Ego. Analisandos mais velhos, que
haviam alcançado tais objetivos, de forma razoável, tendiam a desenvolver
propósitos diferentes, interesse maior pela integração do que pelas
realizações, busca de harmonia com a totalidade da psique.
O primeiro passo no
processo de Individuação é o desnudamento da Persona. Embora esta tenha funções
protetoras importantes, ela é também uma máscara que esconde o Self e o
inconsciente.
Ao analisarmos a
Persona, dissolvemos a máscara e descobrimos que, aparentando ser individual,
ela é de fato coletiva; em outras palavras, a Persona não passa de uma máscara
da psique coletiva. No fundo, nada tem de real; ela representa um compromisso
entre o indivíduo e a sociedade acerca daquilo que alguém parece ser: nome,
título, ocupação, isto ou aquilo.
De certo modo, tais
dados são reais, mas, em relação à individualidade essencial da pessoa,
representam algo de secundário, uma vez que resultam de um compromisso no qual
outros podem ter uma quota maior do que a do indivíduo em questão.
O próximo passo é o
confronto com a Sombra. Na medida em que nós aceitamos a realidade da Sombra e
dela nos distinguimos, podemos ficar livres de sua influência. Além disso, nós
nos tornamos capazes de assimilar o valioso material do inconsciente pessoal
que é organizado ao redor da Sombra.
O terceiro passo é o
confronto com a Anima ou Animus. Este Arquétipo deve ser encarado como uma
pessoa real, uma entidade com quem se pode comunicar e de quem se pode
aprender. Jung faria perguntas à sua Anima sobre a interpretação de símbolos
oníricos, tal como um analisando a consultar um analista. O indivíduo também se
conscientiza de que a Anima (ou o Animus) tem uma autonomia considerável e de
que há probabilidade dela influenciar ou até dominar aqueles que a ignoram ou
os que aceitam cegamente suas imagens e projeções como se fossem deles mesmos.
O estágio final do
processo de Individuação é o desenvolvimento do Self. Jung dizia que o si mesmo
é nossa meta de vida, pois é a mais completa expressão daquela combinação do
destino a que nós damos o nome de indivíduo. O Self torna-se o novo ponto
central da psique, trazendo unidade à psique e integrando o material consciente
e o inconsciente. O Ego é ainda o centro da consciência, mas não é mais visto
como o núcleo de toda a personalidade.
Jung escreve que devemos
ser aquilo que somos e precisamos descobrir nossa própria individualidade,
aquele centro da personalidade que é equidistante do consciente e do
inconsciente. Dizia que precisamos visar este ponto ideal em direção ao qual a
natureza parece estar nos dirigindo. Só a partir deste ponto podemos satisfazer
nossas necessidades.
É necessário ter em
mente que, embora seja possível descrever a Individuação em termos de estágios,
o processo de Individuação é bem mais complexo do que a simples progressão aqui
delineada. Todos os passos mencionados sobrepõem-se, e as pessoas voltam
continuamente a problemas e temas antigos (espera-se que de uma perspectiva
diferente). A Individuação poderia ser apresentada como uma espiral na qual os
indivíduos permanecem se confrontando com as mesmas questões básicas, de forma
cada vez mais refinada.
OBSTÁCULOS AO
CRESCIMENTO
A Individuação nem
sempre é uma tarefa fácil e agradável. O Ego precisa ser forte o suficiente
para suportar mudanças tremendas, para ser virado pelo avesso no processo de
Individuação.
Poderíamos dizer que
todo o mundo está num processo de Individuação, no entanto, as pessoas não o
sabem, esta é a única diferença. A Individuação não é de modo algum uma coisa
rara ou um luxo de poucos, mas aqueles que sabem que passam pelo processo são
considerados afortunados. Desde que suficientemente conscientes, eles tiram
algum proveito de tal processo.
A dificuldade deste
processo é peculiar porque constitui um empreendimento totalmente individual,
levado a cabo face à rejeição ou, na melhor das hipóteses, indiferença dos
outros. Jung escreve que a natureza não se preocupa com nada que diga respeito
a um nível mais elevado de consciência, muito pelo contrário. Logo, a sociedade
não valoriza em demasia essas proezas da psique e seus prêmios são sempre dados
a realizações e não à personalidade. Esta última será, na maioria das vezes,
recompensada postumamente.
Cada estágio, no
processo de Individuação, é acompanhado de dificuldades. Primeiramente, há o
perigo da identificação com a Persona. Aqueles que se identificam com a Persona
podem tentar tornarem-se perfeitos demais, incapazes de aceitar seus erros ou
fraquezas, ou quaisquer desvios de sua autoimagem idealizada. Aqueles que se
identificam totalmente com a Persona tenderão a reprimir todas as tendências
que não se ajustam, e a projetá-las nos outros, atribuindo a eles a tarefa de
representar aspectos de sua identidade negativa reprimida.
A Sombra pode ser também
um importante obstáculo para a Individuação. As pessoas que estão inconscientes
de suas sombras, facilmente podem exteriorizar impulsos prejudiciais sem nunca
reconhecê-los como errados. Quando a pessoa não chegou a tomar conhecimento da
presença de tais impulsos nela mesma, os impulsos iniciais para o mal ou para a
ação errada são com frequência justificados de imediato por racionalizações.
Ignorar a Sombra pode resultar também numa atitude por demais moralista e na
projeção da Sombra em outros. Por exemplo, aqueles que são muito favoráveis à
censura da pornografia tendem a ficar fascinados pelo assunto que pretendem
proibir; eles podem até convencer-se da necessidade de estudar cuidadosamente
toda a pornografia disponível, a fim de serem censores eficientes.
O confronto com a Anima
ou o Animus traz, em si, todo o problema do relacionamento com o inconsciente e
com a psique coletiva. A Anima pode acarretar súbitas mudanças emocionais ou
instabilidade de humor num homem. Nas mulheres, o Animus frequentemente se
manifesta sob a forma de opiniões irracionais, mantidas de forma rígida.
(Devemos nos lembrar de que a discussão de Jung sobre Anima e Animus não
constitui uma descrição da masculinidade e da feminilidade em geral. O conteúdo
da Anima ou do Animus é o complemento de nossa concepção consciente de nós
mesmos como masculinos ou femininos, a qual, na maioria das pessoas, é
fortemente determinada por valores culturais e papéis sexuais definidos em
sociedade.)
Quando o indivíduo é
exposto ao material coletivo, há o perigo de ser engolido pelo inconsciente.
Segundo Jung, tal ocorrência pode tomar uma de duas formas. Primeiro, há a
possibilidade da inflação do Ego, na qual o indivíduo reivindica para si todas
as virtudes da psique coletiva. A outra reação é a de impotência do Ego; a
pessoa sente que não tem controle sobre a psique coletiva e adquire uma
consciência aguda de aspectos inaceitáveis do inconsciente-irracionalidade,
impulsos negativos e assim por diante.
Assim como em muitos
mitos e contos de fadas, os maiores obstáculos estão mais próximos do final.
Quando o indivíduo lida com a Anima e o Animus, uma tremenda energia é
libertada. Esta energia pode ser usada para construir o Ego ao invés de
desenvolver o Self. Jung referiu-se a este fato como identificação com o
Arquétipo do Self, ou desenvolvimento da personalidade-mana (mana é uma palavra
malanésica que significa a energia ou o poder que emana das pessoas, objetos ou
seres sobrenaturais, energia esta que tem uma qualidade oculta ou mágica). O
Ego identifica-se com o Arquétipo do homem sábio ou mulher sábia aquele que
sabe tudo. A personalidade-mana é perigosa porque é excessivamente irreal.
Indivíduos parados neste estágio tentam ser ao mesmo tempo mais e menos do que
na realidade são. Eles tendem a acreditar que se tornaram perfeitos, santos ou
até divinos, mas, na verdade, menos, porque perderam o contato com sua
humanidade essencial e com o fato de que ninguém é plenamente sábio, infalível
e sem defeitos.
Jung viu a identificação
temporária com o Arquétipo do Self ou com a personalidade-mana como sendo um
estágio quase inevitável no processo e Individuação. A melhor defesa contra o
desenvolvimento da inflação do Ego é lembrarmo-nos de nossa humanidade
essencial, para permanecermos assentados na realidade daquilo que podemos e
precisamos fazer, e não na que deveríamos fazer ou ser.
SÍNTESE BIOGRÁFICA
Os assuntos com que Jung
ocupou-se surgiram em parte do fundo pessoal que é vividamente descrito em sua
autobiografia, "Memórias, Sonhos, Reflexões" (1961). Ao longo de sua
vida, Jung experimentou sonhos periódicos e visões com notáveis características
mitológicas e religiosas, os quais despertaram o seu interesse por mitos,
sonhos e a psicologia da religião. Ao lado destas experiências, certos
fenômenos parapsicológicos emergiam, sempre para lhe redobrar o espanto e o
questionamento.
Por muitos anos, Jung
sentiu possuir duas personalidades separadas: um ego público, exterior, que era
envolvido com o mundo familiar, e um eu interno, secreto, que tinha uma
proximidade especial para com Deus. Ele reconhecia ter herdado isso de sua mãe,
que tinha a notável capacidade de "ver homens e coisas tais como
são". A interação entre esses egos foi o tema central da sua vida pessoal
e contribuiu mais tarde para a sua ênfase no esforço do indivíduo para
integração e inteireza.
O pai, um reverendo,
deixou-lhe como herança uma fé cega que se mantinha a muito custo com o
sacrifício da compreensão. A tarefa do filho seria responder a ele com uma fé
renovada, baseada justamente no conhecimento tão rejeitado. Além disso, Jung
viria a usar as escrituras como referência para a experiência interior de Deus,
não como dogmas estáticos à espera de devoção muda, castradores do
desenvolvimento pessoal. Ele lamentava que à religião, de um modo geral
filosófico, faltasse o empirismo, que alimentaria a sede da personalidade em
dois focos: primeiro, que as ciências naturais, que também tanto o fascinavam
devido ao envolvimento com a realidade concreta, faltassem o significado, que
saciaria a personalidade. E o segundo, que os dois aspectos, religião e
ciência, não se tocavam, daí sua constante insatisfação, devido ao desencontro
das duas instâncias interiores. E foi dessa tentativa de saciar tanto um
aspecto quanto ao outro, de fazer justiça ao ser como um todo, que decidiu
formar-se em psiquiatria: "Lá estava o campo comum da experiência dos
dados biológicos e dados espirituais, que até então eu buscara inutilmente.
Tratava-se, enfim, do lugar em que o encontro da natureza e do espírito se
torna realidade".
Ao longo da sua
juventude interessou-se por filosofia e por literatura, especialmente pelas
obras de Pitágoras, Empédocles, Heráclito, Platão, Kant e Goethe. Uma das suas
maiores revelações seria a obra de Schopenhauer. Jung concordava com o
irracionalismo que este autor concedia à natureza humana, embora discordasse
das soluções por ele apresentadas.
Já estudante de
medicina, decide dedicar-se à, então obscura, especialidade de psiquiatria,
após a leitura ocasional de um livro do psiquiatra Krafft-Ebing. Em 1900, Jung
tornou-se estagiário na Clínica Psiquiátrica Burgholzli, em Zurique, então
dirigida pelo psiquiatra EugenBleuler, famoso pela sua concepção de
esquizofrenia.
Seguindo o seu treino
prático na clínica, ele conduziu estudos com a associação de palavras. Já nessa
época Jung propunha uma atitude humanista frente aos pacientes. O médico
deveria "propor perguntas que digam respeito ao homem em sua totalidade e
não limitar-se apenas aos sintomas". Desde cedo ele já adiantava a ideia
do que hoje está ganhando força em todos os campos com o nome de
"Holismo", o ponto de vista do homem integral. A seus olhos
"diante do paciente só existe a compreensão individual". Por isso evitava
generalizar um método, uma panaceia para um determinado tipo de anomalia
psíquica. Cada encontro é único e, sendo assim, não pode incorrer em qualquer
tipo de padronização.
Em 1902 deslocou-se a
Paris onde estudou com Pierre Janet, regressando no ano seguinte ao hospital de
Burgholzli onde assumiu um cargo de chefia e onde, em 1904, montou um
laboratório experimental em que implementou o seu célebre teste de associação
de palavras para o diagnóstico psiquiátrico. Neste ínterim, Jung entra em
contato com as obras de Sigmund Freud (1856-1939). Jung viu em Freud um
companheiro para desbravar os caminhos da mente. Enviou-lhe copias de seus
trabalhos sobre a existência do inconsciente, confirmando concepções freudianas
de recalque e repressão. Ambos encantaram-se um com o outro, principalmente
porque os dois desenvolviam trabalhos inéditos em medicina e psiquiatria.
A partir de então Freud
e Jung passaram a se corresponder (359 cartas que posteriormente foram
publicadas entre 1906 a 1913). O primeiro encontro entre eles, em 27 de
fevereiro de 1907, transformou-se numa conversa que durou treze horas
ininterruptas. Depois deste encontro estabeleceram uma amizade de
aproximadamente sete anos, durante a qual trocavam informações sobre seus
sonhos, análises, trocavam confidências, discutiam casos clínicos.
Porém, tamanha
identidade de pensamentos e amizade não conseguia esconder algumas diferenças
fundamentais. Jung jamais conseguiu aceitar a insistência de Freud de que as
causas dos conflitos psíquicos sempre envolveriam algum trauma de natureza
sexual, e Freud não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais
como fontes válidas de estudo em si. O rompimento entre eles foi inevitável.
Seria nos anos 30 do século XX que esta divergência atingiria o auge. Se por um
lado os livros de Freud eram proibidos e queimados publicamente pelos Nazistas,
sendo Freud obrigado a deixar Viena pouco depois da anexação da Áustria,
doente, nos seus 80 anos, para se dirigir ao exílio em Londres enquanto que
quatro irmãs suas não foram autorizadas a deixar a Áustria, tendo perecido no
Holocausto nos campos de concentração de Auschwitz e de Thereseinstadt, por seu
lado Carl Jung tornar-se-ia neste mesmo período uma das faces mais visíveis da
psiquiatria "alemã" da época.
Após a separação de
Freud, Jung sentiu o chão desmoronar-se sob os pés. O sentido da sua vida ficou
em primeiro plano. Seguiu-se uma série de sonhos e visões que forneceram
material para o trabalho de toda uma vida. Dir-se-ia que se ele não houvesse se
empenhado na integração de todo aquele material que jorrou qual lava derretida,
teria fatalmente sucumbido a uma psicose. Mas algo nele o impelia a ir adiante
na compreensão de tudo o que se originava naturalmente de seu inconsciente. Em
suas palavras, "Os anos durante os quais me detive nessas imagens
interiores constituíram a época mais importante da minha vida e neles todas as
coisas essenciais se decidiram. (…) Toda a minha atividade ulterior consistiu
em elaborar o que jorrava do inconsciente naqueles anos (…)".
Foi durante essa fase de
confronto com o inconsciente que ele desenvolveu o que chamou de
"imaginação ativa", um método de interação com o inconsciente onde
este se investe espontaneamente de várias personificações (pessoas conhecidas e
desconhecidas, animais, plantas, lugares, acontecimentos, etc.). Na imaginação
ativa interagimos ativamente com elas, isto é, discordando, quando for o caso,
opinando, questionando e até tomando providências com relação ao que é tratado,
isso tudo pela imaginação. Ela difere da fantasia passiva porque nesta não
atuamos no quadro mental, de forma a participarmos do drama vivenciado, mas
apenas nos contentamos em assistir o desenrolar do roteiro desconhecido. Pela
imaginação ativa existe não só a possibilidade de compreensão do inconsciente,
mas também de interação com este, de forma que o transformamos e somos
transformados no processo. Um personagem pode nos fazer entender falando
explicitamente do motivo de, por exemplo, estarmos com insônia. Esse enfoque
trata a psique como uma realidade em si, de forma tão literal interiormente,
quanto uma maçã nos é real exteriormente, ao contrário de Freud que insistia em
substituir uma determinada imagem por outra de cunho sexual.
Carl Jung, que alguns
acusam de ter sido um simpatizante do nazismo8 , assumiu em 1933, ano da
chegada ao poder de Adolf Hitler, a presidência da "Sociedade Médica
Internacional Geral para a Psicoterapia", que contou como administrador,
entre outros, um sobrinho de Hermann Göring. No início de 1934, num artigo "Sobre
a situação actual da psicoterapia", Jung afirma que o Judeu, como nómade,
não pode jamais criar a sua cultura própria; para desenvolver os seus instintos
e talentos tem de apoiar-se em um "povo anfitrião mais ou menos civilizado".
Carl Jung viria mais tarde a deixar aquela organização.
Sejam examinados os
fatos. O presidente da Sociedade era Ernst Kretschmer. Quando Hitler ascendeu
ao poder, Kretschmer deixou a presidência e os membros da Sociedade,
compreensivelmente alarmados, dada a situação da Alemanha, pediram
insistentemente a Jung que aceitasse a presidência. Sua autoridade cientifica e
sua condição de suíço representavam verdadeira tábua de salvação. "Deveria
eu, perguntou Jung a seus acusadores, na atitude de neutro prudente retirar-me
para a segurança do lado de cá da fronteira e lavar as mãos em inocência, ou
deveria segundo estava bem consciente arriscar minha pele e expor-me a
inevitáveis mal-entendidos, aos quais não poderia escapar todo aquele que, por
força de premente necessidade, tivesse de entrar em contato com os poderes
políticos existentes na Alemanha"? Jung decidiu correr os riscos que
previra. Sob a presidência de Jung, a Sociedade Médica Internacional de
Psicoterapia conseguiu realizar dois congressos fora da Alemanha: um, em Copenhague
(1937) e outro em Oxford (1938). Decerto esses encontros, noutros países,
representaram verdadeiros respiradouros para muitos cientistas alemães
(Silveira, 1981).
Jung interpretou o
nacional socialismo, o comunismo e outros "ismos", em geral como fenômenos
patológicos, de identidade. Uma irrupção do inconsciente coletivo. "Wotan”
havia tomado posse da alma do povo alemão. E quem é Wotan? O deus pagão dos
germânicos, "um deus das tempestades e da efervescência, desencadeia
paixões e apetites combativos". Num ensaio publicado em 1936, Jung traça o
paralelo entre Wotan redivivo e o fenômeno nazista. Wotan é uma personificação
de forças psíquicas corresponde a "uma qualidade, um caráter fundamental
da alma alemã, um "fator" psíquico de natureza irracional, um ciclone
que anula e varre para longe a zona calma onde reina a cultura". Os
fatores econômicos e políticos pareceram a Jung insuficientes para explicar
todos os espantosos fenômenos que estavam ocorrendo na Alemanha. Wotan
reativado no fundo do inconsciente, Wotan invasor, seria explicação mais
pertinente. E estávamos apenas em 1936!
O argumento decisivo é,
porém, a atitude dos nazistas em relação a Jung. Com o aparecimento do livro
PSICOLOGIA e RELIGIÃO, 1940, as autoridades decidiram que toda a sua obra fosse
interditada e queimada na Alemanha, bem como nos países ocupados por Hitler.
Outra acusação correlata
com a de simpatizante do nazismo, foi a de antissemita. Seria desde logo
estranho admitir que um psicólogo, toda sua vida em busca do fundo psíquico
comum a todos os homens (inconsciente coletivo), eternamente existente sob as
diferentes peculiaridades individuais, locais, nacionais, raciais, históricas,
fosse partidário de discriminações entre esses mesmos homens cuja alma tinha
para ele igual estrutura básica. Seria também extravagante que um antissemita
contasse entre seus discípulos mais próximos precisamente homens de origem
semita. Basta lembrar alguns nomes. Erich Neumann, judeu alemão. Chefiava o
grupo junguiano em TelAviv, Israel, onde morreu em 1960, Seus livros são
originais aplicações da psicologia junguiana. AS ORIGENS E A HISTÓRIA DA
CONSCIÊNCIA, sua obra principal, é prefaciada por Jung. Gerhard Adler, judeu
alemão, refugiado do nazismo, um dos mais destacados elementos do grupo junguiano
na Inglaterra, co-editor das obras completas de Jung. Adler define esses
ataques a Jung como devidos a "completa ignorância ou, pior, a maldade
intencional". Roland Cahen, francês de origem semita, é quem chefia a
escola junguiana na França e dirige a publicação das obras de Jung em língua
francesa. (cf: Silveira, 1981)
Em alguns documentos,
afirmou num comentário de época sobre a cultura judaica que judeus em geral são
mais conscientes e diferenciados, enquanto os 'arianos' comuns permaneceram
próximos à barbárie (apud Lomeli, 1999).
A polêmica teórica
mantida por Jung com Freud não chegou ao ponto de Jung fazer referências à
origem religiosa ou racial de Freud, com vistas a conquistar a simpatia
nazista. Nem no artigo de 1929, em que comparava as duas teorias (Gallard, 1994
apud Medweth, 1996), nem no discurso de Jung sobre Freud após a morte deste
eminente pensador, em 1939, num momento que poderia ser propício a angariar
aquele beneplácito (Medweth, 1996).
Sabe-se também que o
obscurantismo atingiu obras de Jung que não interessavam ao regime nazista,
tendo sido suprimidas em 1940 várias edições publicadas na Alemanha, e quando
da invasão da França a Gestapo destruiu as traduções francesas da obra de Jung.
(Medweth, 1996).
As primeiras
providências de Jung quando assumiu a Überstaatliche Ärztliche Gesellschaftfür Psychotherapie
(Sociedade Médica Internacional para Psicoterapia), acumulando com a entidade
suíça, em 1933, foram: A reformulação dos
estatutos, para evitar o controle hegemônico por alguma das sociedades
nacionais; como a Sociedade Internacional congregava as Sociedades Nacionais da
Alemanha, Dinamarca, Grã-Bretanha, Países Baixos, Suécia e Suíça, era
importante evitar o domínio isolado de uma delas (apud Lomeli, 1999; McGuire e
Hull, 1982), de modo que as demais tivessem participação adequada e dividissem
as responsabilidades;
A aceitação na Sociedade
Internacional dos membros judeus e antinazistas expulsos da Sociedade da
Alemanha (apud Lomeli, 1999; McGuire e Hull, 1982), de modo que eles podiam
exercer o seu ofício em outros países e garantir a sua subsistência como
profissionais qualificados.
Sobre o editorial
nazista publicado na revista editada pela Sociedade Médica Nacional da Alemanha
para Psicoterapia, Jung declarou várias vezes que ele não teve ingerência no
episódio. Pelas amizades que tinha com muitos representantes das vítimas do
preconceito nazista, e pelo conteúdo de sua obra, é extremamente improvável que
ele concordasse intelectualmente com o seu conteúdo, pudesse perder esses
relacionamentos.
As acusações sobre Jung,
como resultantes de um mal-entendido, teriam sido logo liquidadas de modo
definitivo, em face de tantas documentações e testemunhos logicamente
irrefutáveis. Entretanto, a persistência desses rumores bem indica que por trás
deles podem fermentar ainda as divergências entre Jung e o grande judeu Freud,
nunca perdoadas pelos discípulos do mestre ortodoxo. (Silveira, 1981).
Em 1938, quando Freud
saiu de Viena para Londres, a Dra. IolandeIacobi também emigrou para Zurique,
continuou seus estudos com Jung e posteriormente foi uma das fundadoras do
Instituto C.G.Jung, tendo escrito a introdução às obras completas de Jung.
(McGuire e Hull, 1982, p. 52). Ainda nesse ano, a Universidade de Oxford, na
Inglaterra, concedeu-lhe o título de Doutor Honoris Causa.
Em 1939 Jung renunciou à
presidência da Sociedade Médica Internacional para Psicoterapia. Alegou que já
tentara por duas vezes anteriores a renúncia, tendo permanecido apenas devido a
pedidos dos representantes britânico e neerlandês, somente se retirando quando
foram interrompidas as comunicações internacionais e a sua permanência não era
mais necessária (apud Loneli).
Em 1946, em cerimônia
realizada em Zurique, Winston Churchill pediu que o Dr. Jung compusesse a mesa
e se sentasse a seu lado (Lomeli, 1999). Em abril desse ano Ernest Harms
publicou um artigo cujo título é “Carl Gustav Jung – Defender of Freud and the Jews”
na Psychiatric Quarterly (McGuire e Hull, 1982, p. 70).
Alguns dos seus mais
devotados pupilos – Erich Neumann, Gerhard Adler, James Kirsch e Aniela Jaffe –
eram Judeus (Medweth, 1996). - Citações: Lomeli, 1999; Medweth, 1996; McGuire,
William e Hull, R.F.C. (1982). C.C.Jung: entrevistas e encontros. São Paulo:
Cultrix.
Carl Gustav Jung morreu
a 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa, nas margens do lago de Zurique,
em Küsnacht após uma longa vida produtiva, que marcou - e tudo leva a crer que
ainda marcará mais - a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia, e também, em
outros campos como a Arte, a Literatura e a Mitologia.
Encontra-se sepultado na
Protestant Church Graveyard, Küsnacht, Zurique na Suíça.
A PSICOLOGIA ANALÍTICA
Anterior mesmo ao
período em que estavam juntos, Jung começou a desenvolver um sistema teórico
que chamou, originalmente, de "Psicologia dos Complexos", mais tarde
chamando-o de "Psicologia Analítica", como resultado direto de seu
contato prático com seus pacientes. O conceito de inconsciente já está bem
sedimentado na sólida base psiquiátrica de Jung antes de seu contato pessoal
com Freud, mas foi com Freud, real formulador do conceito em termos clínicos,
que Jung pôde se basear para aprofundar seus próprios estudos. O contato entre
os dois homens foi extremamente rico para ambos, durante o período de parceria
entre eles. Aliás, foi Jung quem cunhou o termo e a noção básica de
"complexo", que foi adotado por Freud.
Utilizando-se do
conceito de "complexos" e do estudo dos sonhos e de desenhos, Jung
passou a se dedicar profundamente aos meios pelos quais se expressa o
inconsciente. Em sua teoria, enquanto o inconsciente pessoal consiste
fundamentalmente de material reprimido e de complexos, o inconsciente coletivo
é composto fundamentalmente de uma tendência para sensibilizar-se com certas
imagens, ou melhor, símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo
universal, os arquétipos: da mesma forma que animais e homens parecem possuir
atitudes inatas, chamadas de instintos ("fato" este negado por
correntes de ciências humanas, como por exemplo, em antropologia o culturalismo
de Franz Boas), também é provável que em nosso psiquismo exista um material
psíquico com alguma analogia com os instintos.
TIPOS PSICOLÓGICOS
Jung sentia que a ênfase
da psicanálise nos fatores eróticos era um ponto de vista unilateral, uma visão
reducionista da motivação humana e do seu comportamento. Ele propôs que a
motivação do homem fosse entendida em termos de uma energia de vida criativa
geral - a libido - capaz de ser investida em direções diferentes, assumindo
grande variedade de formas. A libido corresponderia ao conceito de energia
adotado na Física, a qual pode ser interpretada em termos de calor,
eletricidade, motricidade, etc. As duas direções principais da libido são
conhecidas como extroversão (projetada no mundo exterior, nas outras pessoas e
objetos) e introversão (dirigida para dentro do reino das imagens, das ideias,
e do inconsciente). As pessoas em quem a primeira tendência direcional
predomina são chamadas extrovertidas, e introvertidas aquelas em quem a segunda
direção é mais forte.
A sua necessidade em
criar uma tipologia psíquica decorreu da questão que nasceu em seu interior
acerca de sua divergência com Freud e até com outros profissionais. Ele poderia,
assim, ter perguntado: "Por que divirjo de Freud?". A resposta tomou
forma na análise que fez das teorias psicológicas de seu mestre e de Adler,
também um ex-discípulo de Freud. Para este as neuroses derivavam de problemas
com os instintos, para o outro do próprio ego, no seu sentimento de
superioridade ou inferioridade. Um, portanto, extrovertido, e o outro
introvertido. Jung também propôs que se poderiam agrupar as pessoas de acordo
com o seu maior desenvolvimento em uma das quatro funções psicológicas:
pensamento, sentimento, sensação, ou intuição. Transformações de libido de uma
esfera de expressão para outra - por exemplo, de sexualidade para religião -
são realizadas por símbolos que são gerados durante a mudança de personalidade.
A psicologia junguiana
também merece outro destaque: o processo de individuação. Conforme Nise da
Silveira (2006) todo ser tende a realizar o que existe nele, em germe, a
crescer, a completar-se. Assim é para a semente do vegetal e para o embrião do
animal. Assim é para o homem, embora o desenvolvimento de suas potencialidades
seja impulsionado por forças instintivas inconscientes, isso adquire um caráter
peculiar: o homem é capaz de tomar consciência desse desenvolvimento e de
influenciá-lo. Precisamente no confronto do inconsciente com o consciente, no
conflito como na colaboração entre ambos é que os diversos componentes da
personalidade amadurecem e unem-se numa síntese, na realização de um indivíduo
específico e inteiro. Essa confrontação "é o velho jogo do martelo e da bigorna:
entre os dois, o homem, como o ferro, é forjado num todo indestrutível, num
indivíduo. Isso, em termos toscos, é o que eu entendo por processo de
individuação" (Jung).
O processo de
individuação não consiste num desenvolvimento linear. É um movimento de
circunvolução que conduz a um novo centro psíquico. Jung denominou esse centro
de Self (si mesmo). Quando consciente e inconsciente vêm ordenar-se em torno do
Self, a personalidade completa-se. O Self será o centro da personalidade total,
como o ego é o centro do campo do consciente. O conceito junguiano de
individuação tem sido muitas vezes deturpado. Entretanto é claro e simples na
sua essência: tendência instintiva a realizar plenamente potencialidades
inatas. Mas, de fato, a psique humana é tão complexa, são de tal modo
intricados os componentes em jogo, tão variáveis as intervenções do ego
consciente, tantas as vicissitudes que podem ocorrer, que o processo de
totalização da personalidade não poderia jamais ser um caminho reto e curto de
chão bem batido. Ao contrário, será um percurso longo e difícil.
A PSIQUE OBJETIVA
Jung percebeu que a
compreensão da criação de símbolos era crucial para o entendimento da natureza
humana. Ele então explorou as correspondências entre os símbolos que surgem nas
lutas da vida dos indivíduos e as imagens simbólicas religiosas subjacentes,
sistemas mitológicos, e mágicos de muitas culturas e eras. Graças à forte
impressão que lhe causou as muitas notáveis semelhanças dos símbolos, apesar de
sua origem independente nas pessoas e nas culturas (muitos sonhos e desenhos de
seus pacientes de variadas nacionalidades exprimiam temas mitológicos
longínquos), foi que ele sugeriu a existência de duas camadas da psique
inconsciente: a pessoal e a coletiva. O inconsciente pessoal inclui conteúdos
mentais adquiridos durante a vida do indivíduo que foram esquecidos ou
reprimidos, enquanto que o inconsciente coletivo é uma estrutura herdada comum
a toda a humanidade composta dos arquétipos - predisposições inatas para
experimentar e simbolizar situações humanas universais de diferentes maneiras.
Há arquétipos que correspondem a várias situações, tais como as relações com os
pais, o casamento, o nascimento dos filhos, o confronto com a morte. Uma
elaboração altamente derivada destes arquétipos povoa todos os grandes sistemas
mitológicos e religiosos do mundo.
Definida desta forma, no
entanto, a psique objetiva não constitui um mecanismo capaz de justificar a
ocorrência das sincronicidades, como um dos conceitos fundamentais da psicologia
de Carl Gustav Jung. Por isso, ao longo de sua vida Jung complexificou a noção
de psique objetiva, ou inconsciente coletivo, ampliando-a ao ponto de que
pudessem ser nela incluídos tanto arquétipos universais e conteúdos
filogenéticos humanos, quanto criações mentais mais recentes. A psique objetiva
tornou-se integrada à vida em todos os seus aspectos, dando conta dos muitos
fenômenos integrativos da clínica psicológica, que antes careciam de uma
formulação explicativa consistente (Rocha Filho, 2007). Justamente por força da
dificuldade de elaboração deste conceito, Jung acessou conhecimentos da física
quântica de sua época, principalmente por Pauli e Einstein, o que influenciou
decisivamente o desenvolvimento posterior da Psicologia Analítica. O médico conheceu
aspectos da teoria da relatividade e da física quântica, especialmente o
princípio da incerteza, da complementaridade e da não-Localidade, por
intermédio principalmente dos físicos Wolfgang Pauli e Albert Einstein, e foi
informado das pesquisas em parapsicologia de Joseph Banks Rhine, na Univeridade
de Duke. Isso, associado a experiências pessoais e de seus pacientes, o levou a
sugerir que as camadas mais profundas do inconsciente independem das leis de
espaço, tempo e causalidade, produzindo fenômenos paranormais como a
clarividência e a precognição, que passaram a ser estudados pela psicologia. A
estas correspondências entre acontecimentos interiores e exteriores, por meio
de um significado comum, ele deu o nome de sincronicidade, como estudada hoje
no contexto da linha de pesquisa Física e Psicologia. Além disso, fatos
ocorridos enquanto tratava seus clientes o fizeram crer que os acontecimentos
se dispunham "de tal modo, como se fossem o sonho de uma 'consciência
maior e mais abrangente, por nós desconhecida'" (Obras Completas Vol.
VIII, p. 450).
Na qualidade de
cientista altamente desapegado e desconfiado do favorecimento que se dá a
certas verdades, para ele materialismo e ciência não eram sinônimos. O
materialismo não passa o culto a um deus exteriormente concreto por meio da
razão, um tipo de fé nos princípios limitadores das leis físicas. "A razão
nos impõe limites muito estreitos e apenas nos convida a viver o
conhecido". Para sermos realmente justos, convém recebermos igualmente os
aspectos racionais e irracionais da vida. Assim foi o caso da paciente que
apresentava uma forte resistência à terapia. A monotonia não escapava a nenhum
dos dois, até o dia em que ela lhe relatou-lhe o sonho com um escaravelho
dourado. Mal acabara de contar-lhe a trama quando ouviram uma batida na
vidraça. Jung então enxergou uma espécie de besouro de coloração dourada muito
rara naquelas paragens e naquela estação do ano. Daí para diante a análise
deslanchou, ocasionando o renascimento daquela personalidade. Besouro e
renascimento… um símbolo egípcio muito antigo.
A SINCRONICIDADE
O termo sincronicidade é
uma tentativa de encontrar formas de explicação racional para fenômenos que a
ciência de então não alcançava, tais como os referidos acima, fenômenos não
causais que não podem ser explicados pela razão, porém são significativos para
o indivíduo que os experimenta.
A construção do conceito
de sincronicidade surgiu da leitura que Jung fez de um grande número de obras
sobre alquimia e o pensamento renascentista. Jung chegou a possuir grande
quantidade de textos alquímicos originais, que o levaram também a usar a
expressão Unus Mundus em sua autobiografia, e a ideia de Anima Mundi.
Uma interessante análise
da contribuição da psicologia profunda de Freud e Jung para a formação do
pensamento ocidental, mostrando como Jung tinha preocupações epistemológicas
rigorosas pode ser vista em Tarnas. Em função disso, tais fenômenos puderam ser
examinados, mas apenas como algo psicológico, e não propriamente da natureza,
resultando em algumas distorções interpretativas, em inúmeros sentidos.
A crítica de Richard
Tarnas é pertinente, pois embora Jung ressalte a importância da religiosidade
como qualidade intrínseca do ser humano, sua teoria apenas valida a experiência
religiosa como fenômeno psicológico, uma posição paradoxalmente reducionista,
que nega a compatibilidade entre razão e experiência espiritual. Nessa linha,
considerou insubstancial o movimento esotérico moderno, como a teosofia e a
antroposofia. Veja em Jung e Teosofia
A partir da contribuição
de Jung, vários desenvolvimentos em diferentes áreas do conhecimento têm
ampliado a compreensão da relação entre os processos psíquicos e o mundo
exterior. O conceito de inconsciente coletivo, por exemplo, encontra ecos na
física do holomovimento de Bohm, na ecopedagogia de Capra, na
transdisciplinaridade de Rocha Filho, na alma do mundo de Goswami, nos campos
morfogenéticos de Sheldrake, na psicologia profunda e naecopsicologia
norte-americana.
IMAGENS DO INCONSCIENTE
No Brasil, Jung teve uma
conhecida aluna, a Dra. Nise da Silveira, fundadora do Museu de Imagens do
Inconsciente. Ela escreveu, dentre outros, o livro “Jung: vida e obra”,
publicado em primeira edição em 1968.
JUNG - UMA RESPOSTA AO
NOSSO TEMPO
Na terapia junguiana,
que explora extensivamente os sonhos e fantasias, um diálogo é estabelecido
entre a mente consciente e os conteúdos do inconsciente. A doença psíquica é
tida como uma consequência da separação rígida entre elas. Os pacientes são
orientados a ficarem atentos aos significados pessoal e coletivo (arquétipo)
inerente aos seus sintomas e dificuldades. Sob condições favoráveis eles
poderão ingressar no processo de individuação: uma longa série de
transformações psicológicas que culminam na integração de tendências e funções
opostas, e na realização da totalidade. Jung trilhou a individuação, pois havia
a necessidade imperiosa nele de ir ao inferno e voltar para poder mostrar o
caminho da volta àqueles que ficaram perdidos pelo caminho da vida. Tornou-se
ele uma resposta sincera e corajosa ao nosso tempo. "Sou eu próprio uma
questão colocada ao mundo e devo fornecer minha resposta; caso contrário,
estarei reduzido à resposta que o mundo me der".
TERMOS UTILIZADOS POR
JUNG NA PSIQUÊ DOS SEUS ESTUDOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA
-Alma-Amplificação-Análise-Anima-Animus-Arquétipo-Circumambulação-Compensação-Complexo-Consciência-Desintegração-Diferenciação-Dissociação-Ego-Extroversão-Fantasia
passiva-Função auxiliar-
Função inferior-Função
Intuição-Função Pensamento-Função Sensação-
Função Sentimento-Função
superior-Função transcendente-
Funções da
consciência-Imaginação Ativa/Inconsciente coletivo-
Inconsciente
pessoal/Individuação-Inflação-Instinto-Integração-Introversão-
Libido-Personalidade
maná-Mandala-Método redutivo-
Método sintético
(construtivo)-Mito-Neurose-Numinoso-Opostos
ParticipationMystique-Perda
da alma-Persona-
Personificação-Ponto de
vista prospectivo (finalista)-Possessão-
Projeção-Psicóide-Psicologia
Analítica-Psicose-Psique-Psique objetiva-
PuerAeternus-Realidade
psíquica-Regressão-Sacrifício-
Self
(Si-mesmo)-Significado-Símbolo-Sincronicidade-Sombra-
Sonhos-Tipos
psicológicos-Totalidade-Transformação-UnusMundus.
A ESPIRITUALIDADE RELIGIOSA
E A CIÊNCIA
Carl Gustav Jung foi um
psiquiatra suíço e fundador da Psicologia Analítica, também conhecida como
Psicologia Junguiana.
Por muitos anos Jung
sentiu possuir duas personalidades separadas: um ego público, exterior, que era
envolvido com o mundo familiar, e um eu interno, secreto, que tinha uma
proximidade especial para com Deus. Ele reconhecia ter herdado isso de sua mãe,
que tinha a notável capacidade de "ver homens e coisas tais como
são". A interação entre esses egos foi o tema central da sua vida pessoal
e contribuiu mais tarde para a sua ênfase no esforço do indivíduo para
integração e inteireza.
O pai, um reverendo
Pastor, já lhe deixou como herança a fé cristã que se mantinha com esforço e
dedicação. A tarefa do filho seria responder a ele com uma fé renovada, baseada
justamente no conhecimento. Além disso, Jung viria a usar as Escrituras
Sagradas da Palavra de Deus, A Bíblia, como referência para a experiência
interior de Deus, não como dogmas estáticos à espera de devoção muda,
castradores do desenvolvimento pessoal. Ele lamentava que à religião natural
humana, faltasse o empirismo, que alimentaria a sede da personalidade em dois
aspectos. No primeiro, para as ciências naturais, que também tanto o fascinavam
devido ao envolvimento com a realidade concreta, pensava que faltasse o
significado, que saciaria a personalidade. E em segundo, religião e ciência, não se tocavam, daí sua
constante insatisfação, devido ao desencontro das duas instâncias interiores. E
foi dessa tentativa de saciar tanto um aspecto quanto ao outro, de fazer
justiça ao ser como um todo, que decidiu formar-se em psiquiatria: "Lá
estava o campo comum da experiência dos dados biológicos e dados espirituais,
que até então eu buscara inutilmente. Tratava-se, enfim, do lugar em que o
encontro da natureza e do espírito se torna realidade".
É da maior importância
que as pessoas cultas e "esclarecidas" reconheçam a verdade religiosa
como algo vivo na alma humana e não como uma relíquia abstrusa e irracional do
passado. É preciso ensinar as pessoas a verem onde elas entram no processo,
caso contrário não haverá ponte que ligue o abismo entre a mente culta e o
mundo das ideias dogmáticas que esta mente não compreende e que, além do mais,
ofende sua razão. [...] A compreensão começa com a mente individual, e isto
significa psicologia. (JUNG,Cartas 1906-1945. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 391).
Para mostrar a realidade
da alma, Jung inicia sua segunda conferência - "Alguns pensamentos sobre
psicologia" -, de 1897, com um questionamento sobre a morte: "por que
um organismo construído com cuidado e eficiência infinitos, cujo propósito mais
íntimo é viver, chega ao fim, murcha e apodrece?" E responde: "é uma
Coisa estranha que é removida do corpo, uma Coisa que contém a vontade de
viver, uma força que na vida mantinha um acordo entre o organismo e seu
ambiente. Parece ser uma força elementar, um princípio vital."
Apoiado na filosofia de
Kant, na avaliação que o teólogo protestante David Strauss faz de
JustinusKerner e seu A vidente de Prevorst, e em Schopenhauer, três nomes cuja
autoridade estaria fora de questão, dado a agudeza de julgamento, Jung afirma
que se a "categoria de causalidade" for corretamente aplicada ao
fenômeno da vida orgânica, coisa que a fisiologia moderna não faz, pois
confunde causa com efeito - insistindo em explicar a vida em termos de leis
naturais, "quando todo o tempo está claro que a vida existe a despeito
dessas leis" -, torna-se necessário postularmos a existência de um
princípio vital. Princípio este que está para além da consciência, pois é
responsável também por nossas funções vegetativas, que não estão sob o controle
da nossa vontade consciente. Assim, há uma raiz comum para as funções animal e
vegetativa, um "sujeito real", que é transcendente e, por isso,
independe do tempo e do espaço. Jung chamou-o alma e atribuiu-lhe a qualidade
de inteligência, isto é, de intencionalidade de suas ações.
Podemos ter uma noção do
papel central que a religião desempenha no pensamento de Jung. Se, como disse
Hegel, tanto a filosofia quanto a teologia buscam a verdade e que esta, em seu
sentido mais alto, é Deus, com a diferença de que a abordagem filosófica é da
ordem do conceito e a teológica é da ordem da representação e do sentimento, a
psicologia complexa desenvolvida por Jung transpõe a ambas, incluindo-as. Como
disse Jung, "Deus é uma experiência universal que só é obscurecida por um
racionalismo imbecil ou por uma teologia igualmente imbecil." (JUNG Cartas
1946-1955. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 180).
Pesquisa
realizada pelo Dr. Josué Campos Macedo