A Metafísica é uma palavra com
origem no grego onde Meta significa além e Physis significa Física, e que
significa "o que está para além da física". É uma doutrina que busca
o conhecimento da essência das coisas.
Metafísica é uma área do
conhecimento que faz parte da Filosofia. A Metafísica estuda os princípios da
realidade para além das ciências tradicionais (Física, Química, Biologia,
Psicologia, etc).
A Metafísica busca também dar
explicações sobre a essência dos seres e as razões de estarmos no mundo. Outro
campo de análise da Metafísica são as relações e interações dos seres humanos
com o Universo.
Na História
O grego Aristóteles foi o
filósofo que pensou e produziu mais conhecimentos sobre Metafísica na
antiguidade. Já na época Moderna, podemos destacar os estudos do matemático e
filósofo frânces René Descartes.
As principais questões levantadas
e analisadas pela Metafísica são: O que é real? O que é liberdade? O que é
sobrenatural? O que fazemos no nosso planeta? Existe uma causa primária de
todas as coisas?
William James conceituou Metafísica
como sendo "apenas um esforço extraordinariamente obstinado para pensar
com clareza".
Willian James, filósofo e psicólogo.
Foi o mais influente dos pensadores dos EUA, criador do pragmatismo. Nasceu e,
Nova Iorque, a 11 de Janeiro de 1842. O seu pai, Henru James, era um teólogo
seguidor de Emanuel Swedenborg. Um dos seus irmãos foi o conhecido novelista
Henry James. Concluiu os seus estudos de medicina, em 1870, na Universidade de
Harvard, onde iniciou a sua carreira como professor de fisiologia em 1872. A
partir de 1880 ensinou psicologia e filosofia em Harvard, universidade que
abandonou em 1907, proferindo conferências nas universidades de Columbia e
Oxford. Morreu em Chocorua, New Hampshire, a 26 de Agosto de 1910.
As suas Obras são: Princípios de
Psicologia (1890), uma obra monumental que o projetou na comunidade científica
e filosófica do tempo. A Vontade de Crer e Outros Ensaios Sobre Filosofia
Popular (1897), A Imortalidade Humana (1898), Diversidade da Experiência
Religiosa (1902). Pragmatismo: um nome novo para velhas formas de pensar
(1907). Esta obra resume as contribuições de Willian James para o pragmatismo,
termo empregue pela primeira vez por Charles Peirce.
Willian James aplica à psicologia
o princípio do funcionalismo, integrando-a no conjunto das ciências
experimentais.
Durante décadas aplicou os seus
métodos empíricos à investigação de temas religiosos e filosóficos. Explorou a
questão da existência de Deus, a imortalidade da alma, o livre arbítrio e os
valores éticos, como fonte da experiência religiosa e moral.
O método pragmático, desenvolvido
a partir da análise do fundamento lógico das ciências, converte-se na base da
avaliação de qualquer experiência. O significado das ideias só pode ser
analisado a partir das suas consequências. Se não produzem efeitos as ideias
não têm sentido. As ideias metafisicas são desprovidas de sentido porque não
podem ser comprovadas. As teorias com significado, segundo Willian James, são
aquelas que permitem resolver problemas que decorrem da experiência.
Trata-se de uma visão simplista e
equivocada de pessoas que só conseguem perceber a vida por meio de dimensões
práticas. Os homens
em geral sentem-se mais à vontade quando pensam sobre como fazer uma coisa ou
outra, do que pensar no motivo pelo qual estão fazendo. É por isso que a
política, a engenharia e a indústria são consideradas mais naturais pelos
homens do que a Filosofia,
por exemplos. A Metafísica não está interessada, de maneira nenhuma, por esse
"comos" dos acontecimentos da vida humanas, mas sim pelos seus "porquês",
por aquelas questões que uma pessoa pode passar a vida inteira para formular,
sem muitas vezes encontrar uma resposta satisfatória.
Para se formular um pensamento
metafísico é preciso pensar, sem estar baseado em dogmas ou de forma
superficial, nos básicos e intrigantes problemas da existência dos homens. São
problemas básicos por serem fundamentais para a vida humana e porque muitos
aspectos da vida dependem deles. Tomemos como exemplo a religião, ela não é Metafísica,
porém quando nos questionamos sobre o motivo das crenças e das práticas
religiosas e sua influencia no viver diário, passamos a pensar metafisicamente.
Sob o título de “a Metafísica”
Aristóteles escreveu
uma de suas principais obras e o primeiro grande trabalho com relação ao que
vem a ser Metafísica. O objeto de estudo dessa obra não é ser algum, mas o
estudo do ser enquanto ser.
O termo Metafísica foi consagrado
por Andrônico de Rodes a partir da ordenação dos livros aristotélicos referidos
à ciência dos primeiros princípios e primeiras causas do ser.
Para Aristóteles a Metafísica é,
simultaneamente, Ontologia, Filosofia e Teologia, na medida em que se ocupa do
ser supremo dentro da hierarquia dos seres. Neste sentido, foi recolhida pela Filosofia
tradicional até Kant, que se interrogou sobre a possibilidade da Metafísica
como ciência.
A interpretação da Metafísica
como estudo do "sobrenatural" é de origem neoplatônica. A tradição
escolástica identificou o objeto de estudo da Metafísica com o da teologia,
ainda que tenha distinguido as duas pelos métodos usados: para explicar Deus, a
Metafísica recorre à razão e a teologia à revelação.
Na Idade Moderna, ocorre uma
clara separação entre a concepção aristotélica e a neoplatônica: a Metafísica
como ontologia se converte em teoria das categorias, teoria do conhecimento e
teoria da ciência (epistemologia); como ciência do transcendental, se converte
em teoria da religião e das concepções do mundo.
No século XVIII a Metafísica era
considerada equivalente a uma explicação racional da realidade e no século XIX
à pura especulação perante o caráter positivo das ciências. A partir de
Heidegger e Jaspers, os pensadores interessados na problemática do ser se
esforçaram por elaborar uma noção de Metafísica factível e atual.
A obra A Fundamentação da Metafísica
dos Costumes, da autoria de Kant (um importante nome no estudo da Metafísica)
aborda a problemática da moralidade humana.
Metafísica da saúde
A Metafísica da saúde consiste em
um recurso de autoajuda, que determina que muitas das doenças vividas pelas
pessoas resultam de determinados padrões de comportamento e pensamento. A Metafísica
da saúde não se trata de adivinhação, mas é fruto de estudos e pesquisas para
designação das doenças causadas por desequilíbrios emocionais.
Existe uma coleção de livros
intitulada "Metafísica da Saúde", da autoria de Valcapelli e
Gasparetto.
Pensar metafisicamente é pensar,
sem arbitrariedade nem dogmatismo, nos mais básicos problemas da existência. Os
problemas são básicos no sentido de que são fundamentais, de que muita coisa
depende deles. A religiosidade humana, por exemplo, não é Metafísica; e,
entretanto, se a teoria Metafísica do materialismo fosse verdadeira, e assim
fosse um fato que os homens não têm alma, então grande parte da religião
naufragaria diante desse fato. Também a Filosofia Moral não é Metafísica e,
entretanto, se a teoria Metafísica do determinismo, ou se a teoria do fatalismo
fossem verdadeiras, então muitos dos nossos pressupostos tradicionais seriam
refutados por essas verdades. Similarmente, a Lógica não é Metafísica e,
entretanto, se se apurasse que, em virtude da natureza do tempo, algumas
asserções não são verdadeiras nem falsas, isso acarretaria sérias implicações
para a Lógica tradicional.
A Metafísica é um ramo da Filosofia
que estuda a essência do mundo. Ocupa-se em procurar responder perguntas tais
como: O que é real? O que é natural? O que é sobrenatural? O ramo central da Metafísica
é a Ontologia, que investiga em quais categorias as coisas estão no mundo e
quais as relações dessas coisas entre si. A Metafísica também tenta esclarecer
as noções de como as pessoas entendem o mundo, incluindo a existência e a
natureza do relacionamento entre objetos e suas propriedades, espaço, tempo,
causalidade, e possibilidade.
Isto sugere contrariamente ao que
em geral se supõe que a Metafísica vê um alicerce da Filosofia e não o seu coroamento.
Se for longamente exercido. O pensamento filosófico tende a resolver-se em
problemas metafísicos básicos. Por isso o pensamento metafísico é difícil. Com
efeito, seria provavelmente válido afirmar que o fruto do pensamento metafísico
não é o conhecimento, mas o entendimento. As interrogações Metafísicas têm
respostas e, entre as várias respostas concorrentes, nem todas poderão ser
verdadeiras, por certo. Se um homem enuncia uma teoria de materialismo e outro
a nega, então um desses homens está errado; e o mesmo acontece a todas as
outras teorias Metafísicas. Contudo, só muito raramente é possível provar e
conhecer qual das teorias é a verdadeira. O entendimento, porém é, por vezes,
uma profundidade muito considerável do mesmo resulta de vermos as persistentes
dificuldades em opiniões que frequentemente parecem, em outras bases, ser muito
obviamente verdadeiras. É por essa razão que um homem pode ser um sábio
metafísico sem que, não obstante, sustente suas opiniões e juízos em conceitos
metafísicos. Tal homem pode ver tudo o que um dogmático metafísico vê, e pode
entender todas as razões para afirmar o que outro homem afirma com tamanha
confiança. Mas, ao invés do outro, também vê algumas razões para duvidar e,
assim, ele é, como Sócrates, o mais sábio, mesmo em sua profissão de
ignorância. Advirta-se o leitor, neste particular, de que quando ouvir um
filósofo proclamar qualquer opinião Metafísica com grande confiança, ou o ouvir
afirmar que determinada coisa, em Metafísica, é óbvia, ou que algum problema
metafísico gravita apenas em torno de confusões de conceitos ou de significados
de palavras, então poderá estar inteiramente certo de que esse homem está
infinitamente distante do entendimento filosófico. Suas opiniões parecem
isentas de dificuldades apenas porque ele se recusa obstinadamente a ver
dificuldades.
Um problema metafísico é
indispensável dos seus dados, pois são estes que, em primeiro lugar, dão origem
ao problema. Ora o datum, ou dado, significa literalmente algo que nos é
oferecido, posto à nossa disposição. Assim, tomamos como dado de um problema
certas convicções elementares do senso comum que todos ou a maioria dos homens
estão aptos a sustentar com alguma persuasão íntima, antes da reflexão
filosófica, e teriam relutância em abandonar. Não são teorias filosóficas. pois
estas são o produto da reflexão filosófica e, usualmente, resultam da tentativa
de conciliar certos dados entre si. São, pelo contrário, pontos de partida para
teorias, as coisas por onde se começa, visto que, para que se consiga alguma
coisa, devemos começar por alguma coisa, e não se pode gastar o tempo todo
apenas começando. Observou Aristóteles: "Procurar a prova de assuntos que
já possuem evidência mais clara do que qualquer prova pode fornecer é confundir
o melhor com o pior, o plausível com o implausível e o básico com o derivativo,"
(Física, Livro VIII, Cap. 3) Exemplos de dados metafísicos são as crenças que
todos os homens possuem, independentemente da Filosofia, de que existem, de que
tem um corpo, de que lhes cabe algumas vezes uma opção entre cursos
alternativos de ação, de que por vezes deliberam sobre tais cursos, de que
envelhecem e morrerão algum dia etc. Um problema metafísico surge quando se verifica
que tais dados não parecem concordar entre si, que têm aparentemente, as implicações
que não se revestem de coerência entre si. A tarefa, então, é encontrar alguma
teoria adequada à remoção desses conflitos.
A Metafísica nasceu na
antiguidade, inicialmente se confundia com o que depois seria chamado de teoria
do conhecimento, indagando sobre o que é a realidade, assim como esta realidade
poderia ser conhecida.
Entretanto, quando os gregos
começaram a buscar explicações racionais para a origem do mundo ordenado, o
cosmos, o panorama se alterou.
Foi originada a cosmologia, a
busca pelo principio ordenador da natureza, a força que provocava mudanças,
chamada "physis".
Assim, a física seria uma
explicação racional para a natureza, propiciando o entendimento do universo.
Uma concepção que deu origem a
metafísica no ano 50 a.C, quando Andrônico de Rodes, ao classificar as obras de
Aristóteles, cunhou a palavra, unindo o termo “meta” (depois de, após, acima
de) com “física” (explicação racional da natureza).
A metafísica passou a significar,
portanto, aquilo que está acima das explicações racionais da natureza, o que
Aristóteles chamava de “filosofia primeira”, o estudo do “ser” enquanto “ser”.
Algo que depois seria chamado
ontologia, a tentativa de entendimento das coisas por trás das aparências, além
de sua concretude.
A busca pelo “ente”, a essência
das coisas, antes de Aristóteles, já tinha sido objeto dos trabalhos de
Parmênides.
Para ele, o “devir”, as mudanças,
tornavam o pensar diferente do percebido, já que o percebido era pura
aparência, enquanto o pensar expressaria o que é real.
Dentro desta concepção, aquilo
que se pensa é real e não o que parece concreto e é fornecido pelos sentidos.
Anacronicamente, o imaginado seria real e não que percebemos.
Uma ideia também presente na
filosofia de Platão, com sua distinção entre mundo sensível e inteligível.
A METAFÍSICA NO PENSAMENTO ARISTOTÉLICO
Aristóteles (em grego
Αριστοτέλης) nasceu em Estagira, na Calcídica (384 a.C. - 322 a.C.). Filósofo
grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é considerado um dos
maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico.
Ele está entre os mais influentes
filósofos gregos, junto com Sócrates e Platão, que transformaram a filosofia
pré-socrática, construindo um dos principais fundamentos da filosofia
ocidental. Aristóteles prestou contribuições fundantes em diversas áreas do
conhecimento humano, destacando-se: ética, política, física, metafísica,
lógica, psicologia, poesia, retórica, zoologia, biologia, história natural. É
considerado por muitos o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental.
Por ter estudado uma variada gama
de assuntos, e por ter sido também um discípulo que em muito sentidos
ultrapassou seu mestre, Platão, é conhecido também como o filósofo. Aristóteles
também foi chamado de o estagirita, por sua terra natal.
(Já na Idade Média, Tomás de
Aquino reconciliou as doutrinas aristotélicas com a Teologia Cristã, que
dominou a educação superior, até o século XVII). Algumas frases de Aristóteles:
“Se é preciso filosofar, filosofemos... Se não é preciso filosofar, filosofemos
ainda, para provar que não é preciso filosofar.” “Tudo que age, age para um
fim.” “Pensar requer ócio.” “Quem vê as coisas desenvolverem-se desde o princípio,
faz delas um juízo mais perfeito.” “A ciência política não faz os homens, e sim
torna-os como a natureza os fez.” “Os que levam em conta unicamente poucos
pontos, acham fácil formular um juízo.”.
Embora a Ontologia ou Metafísica
tenha começado com Parmênides e Platão, costuma-se atribuir seu nascimento a
Aristóteles por três motivos principais:
1. Diferentemente de seus dois
predecessores, Aristóteles não julga o mundo das coisas sensíveis, ou a
Natureza, um mundo aparente e ilusório. Pelo contrário, é um mundo real e
verdadeiro cuja essência é, justamente, a multiplicidade de seres e a mudança
incessante.
Em lugar de afastar a
multiplicidade e o devir como ilusões ou sombras do verdadeiro Ser, Aristóteles
afirma que o ser da Natureza existe, é real, que seu modo próprio de existir é
a mudança e que esta não é uma contradição impensável. É possível uma ciência
teocrática verdadeira sobre a Criação da natureza, do universo e a mudança: a física. Mas é preciso,
primeiro, demonstrar que o objeto da física é um ser real e verdadeiro e isso é
tarefa da Filosofia Primeira ou da Metafísica.
2. Diferentemente de seus dois
predecessores, Aristóteles considera que a essência verdadeira das coisas
naturais e dos seres humanos e de suas ações não está no mundo inteligível,
separado do mundo sensível, onde as coisas físicas ou naturais existem e onde
vivemos. As essências, diz Aristóteles, estão nas próprias coisas, nos próprios
homens, nas próprias ações e é tarefa da Filosofia conhecê-las ali mesmo onde
existem e acontecem.
Como conhecê-las? Partindo da
sensação até alcançar a intelecção. A essência de um ser ou de uma ação é
conhecida pelo pensamento, que capta as propriedades internas desse ser ou
dessa ação, sem as quais ele ou ela não seriam o que são. A Metafísica não
precisa abandonar este mundo, mas, ao contrário, é o conhecimento da essência
do que existe em nosso mundo. O que distingue a ontologia ou Metafísica dos
outros saberes (isto é, das ciências e das técnicas) é o fato de que nela as
verdades primeiras ou os princípios universais e toda e qualquer realidade são
conhecidos direta ou indiretamente pelo pensamento ou por intuição intelectual,
sem passar pela sensação, pela imaginação e pela memória.
3. Ao se dedicar à Filosofia
Primeira ou Metafísica, a Filosofia descobre que há diferentes tipos ou modalidades
de essências ou de ousia. (Οὐσία, pronúncia moderna "ussía") é um
substantivo da língua grega formado a partir do feminino do
particípio presente do ver "ser", εἶναι, einai. A palavra é, por
vezes, traduzida para português como substância ou essência,
devido à sua vulgar tradução para latim como substantia ou essentia. É termo utilizado em Filosofia e
em Teologia.
Existe a essência dos seres
físicos ou naturais (minerais, vegetais, animais, humanos), cujo modo de ser se
caracteriza por nascer, viver, mudar, reproduzir-se e desaparecer – são seres
em devir e que existem no devir.
Existe a essência dos seres
matemáticos, que não existem em si mesmos, mas existem como formas das coisas
naturais, podendo, porém, ser separados delas pelo pensamento e ter suas
essências conhecidas; são seres que, por essência, não nascem, não mudam, não
se transformam nem perecem, não estando em devir nem no devir.
Existe a essência dos seres
humanos, que compartilham com as coisas físicas o surgir, o mudar e o
desaparecer, compartilhando com as plantas e os animais a capacidade para se
reproduzir, mas distinguindo-se de todos os outros seres por serem
essencialmente racionais, dotados de vontade e de linguagem. Pela razão,
conhecem; pela vontade, agem; pela experiência, criam técnicas e artes. E,
finalmente, existe a essência de um ser eterno, imutável, imperecível, sempre
idêntico a si mesmo, perfeito, imaterial, conhecido apenas pelo intelecto, que
o conhece como separado de nosso mundo, superior a tudo que existe, e que é o
ser por excelência: o ser divino.
Se há tão diferentes tipos de
essências, se para cada uma delas há uma ciência (física, biologia,
meteorologia, astronomia, psicologia, matemática, ética, política, etc.), deve
haver uma ciência geral, mais ampla, mais universal, anterior a todas essas,
cujo objeto não seja essa ou aquela modalidade de essência, mas a essência em
geral. Trata-se de uma ciência teorética que investiga o que é a essência e
aquilo que faz com que haja essências particulares e diferenciadas.
Essa ciência mais alta, mais
ampla, mais universal, que se ocupa com a essência, que estuda por que há
essências e como são as essências investigadas pelas demais ciências, é a
Filosofia Primeira, escreve Aristóteles no primeiro livro da Metafísica.
Na Metafísica, Aristóteles afirma
que a Filosofia Primeira estuda os primeiros princípios e as causas primeiras
de todas as coisas e investiga “o Ser enquanto Ser”.
Ao definir a ontologia ou
Metafísica como estudo do “Ser enquanto Ser”, Aristóteles está dizendo que a
Filosofia Primeira estuda as essências sem diferenciar essências físicas,
matemáticas, astronômicas, humanas, técnicas, etc., pois cabe às diferentes
ciências estuda-las enquanto diferentes entre si. À Metafísica cabem três
estudos:
1. O do Ser Divino, a realidade
primeira e suprema da qual todo o restante procura aproximar-se, imitando sua
perfeição imutável. As coisas se transformam, diz Aristóteles, porque desejam
encontrar sua essência total e perfeita, imutável como a essência divina. É
pela mudança incessante que buscam imitar o que não muda nunca. Por isso, o ser
divino é o Primeiro Motor Imóvel do mundo, isto é, aquilo que, sem agir
diretamente sobre as coisas, ficando à distância delas, as atrai, é desejado
por elas. Tal desejo as faz mudar para, um dia, não mais mudar (esse desejo, diz
Aristóteles, explica por que há o devir e por que o devir é eterno, pois as
coisas naturais nunca poderão alcançar o que desejam, isto é, a perfeição
imutável).
Observamos, assim, que
Aristóteles, como Platão, também afirma que a Criação da natureza ou o mundo físico ou
humano imitam a perfeição do imutável; porém, diferentemente de Platão, para
Aristóteles essa imitação não é uma cópia deformada, uma imagem ou sombra do
Ser Verdadeiro, mas o modo de existir ou de ser das coisas naturais e humanas.
A mudança ou o devir são a
maneira pela qual a Natureza, ao seu modo, se aperfeiçoa e busca imitar a
perfeição do imutável divino. O ser divino chama-se Primeiro Motor porque é o
princípio que move toda a realidade, e chama-se Primeiro Motor Imóvel porque
não se move e não é movido por nenhum outro ente, pois, mover significa mudar,
sofrer alterações qualitativas e quantitativas, nascer é perecer, e o ser
divino, perfeito, não muda nunca;
2. O dos primeiros princípios e
causas primeiras de todos os seres ou essências existentes;
3. O das propriedades ou
atributos gerais de todos os seres sejam eles quais forem, graças aos quais
podemos determinar a essência particular de um ser particular existente. A
essência ou ousia é a realidade primeira e última de um ser, aquilo sem o qual
um ser não poderá existir ou sem o qual deixará de ser o que é. À essência,
entendida sob essa perspectiva universal, Aristóteles dá o nome de substância:
o substrato ou o suporte permanente de qualidades ou atributos necessários de
um ser. A Metafísica estuda a substância em geral.
PRINCIPAIS CONCEITOS DA FILOSOFIA ARISTOTÉLICA
De maneira muito breve e
simplificada, os principais conceitos da Metafísica aristotélica (e que se
tornarão as bases de toda a Metafísica ocidental) podem ser assim resumidos:
Primeiros princípios: são os três princípios
que estudamos na lógica, isto é, identidade, não contradição e terceiro
excluído. Os princípios lógicos são ontológicos porque definem as condições sem
as quais um ser não pode existir nem ser pensado; os primeiros princípios
garantem, simultaneamente, a realidade e a racionalidade das coisas;
Causas primeiras: são aquelas que
explicam o que a essência é e também a origem e o motivo da existência de uma
essência. Causa (para os gregos) significa não só o porquê de alguma coisa, mas
também o que e o como uma coisa é o que ela é. As causas primeiras nos dizem o
que é, como é, por que é e para que é uma essência.
São quatro as causas primeiras:
1. Causa material, isto é, aquilo
de que uma essência é feita, sua matéria (por exemplo, água, fogo, ar, terra);
2. Causa formal, isto é, aquilo
que explica a forma que uma essência possui (por exemplo, o rio ou o mar são
formas da água; mesa é a forma assumida pela matéria madeira com a ação do
carpinteiro; margarida é a forma que a matéria vegetal possui na essência de
uma flor determinada, etc.);
3. Causa eficiente ou motriz,
isto é, aquilo que explica como uma matéria recebeu uma forma para constituir
uma essência (por exemplo, o ato sexual é a causa eficiente que faz a matéria
do espermatozóide e do óvulo receber a forma de um novo animal ou de uma
criança; o carpinteiro é a causa eficiente que faz a madeira receber a forma da
mesa; o fogo é a causa eficiente que faz os corpos frios tornarem-se quentes,
etc.); e,
4. a Causa final, isto é, a causa
que dá o motivo, a razão ou finalidade para alguma coisa existir e ser tal como
ela é (por exemplo, o bem comum é a causa final da política, a felicidade é a
causa final da ação ética; a flor é a causa final da semente transformar-se em
árvore; o Primeiro Motor Imóvel é a causa final do movimento dos seres
naturais, etc.).
Matéria: é o elemento de que as
coisas da Natureza, os animais, os homens, os artefatos são feitos; sua
principal característica é possuir virtualidades ou conter em si mesma
possibilidades de transformação, isto é, de mudança;
Forma: é o que individualiza e
determina uma matéria, fazendo existir as coisas ou os seres particulares; sua
principal característica é ser aquilo que uma essência é num determinado
momento, pois a forma é o que atualiza as virtualidades contidas na matéria;
Potência: é o que está contido
numa matéria e pode vir a existir, se for atualizado por alguma causa; por
exemplo, a criança é um adulto em potência ou um adulto em potencial; a semente
é a árvore em potência ou em potencial;
Ato: é a atualidade de uma
matéria, isto é, sua forma num dado instante do tempo; o ato é a forma que
atualizou uma potência contida na matéria. Por exemplo, a árvore é o ato da
semente, o adulto é o ato da criança, a mesa é o ato da madeira, etc. Potência
e matéria são conceitos idênticos, assim como forma e ato são idênticos. A
matéria ou potência é uma realidade passiva que precisa do ato e da forma, isto
é, da atividade que cria os seres determinados;
Essência: é a unidade interna e
indissolúvel entre uma matéria e uma forma, unidade que lhe dá um conjunto de
propriedades ou atributos que a fazem ser necessariamente aquilo que ela é.
Assim, por exemplo, um ser humano é por essência ou essencialmente um animal
mortal racional dotado de vontade, gerado por outros semelhantes a ele e capaz
de gerar outros semelhantes a ele, etc.;
Acidente: é uma propriedade ou
atributo que uma essência pode ter ou deixar de ter sem perder seu ser próprio.
Por exemplo, um ser humano é racional ou mortal por essência, mas é baixo ou
alto, gordo ou magro, negro ou branco, por acidente. A humanidade é a essência
essencial (animal, mortal, racional, voluntário), enquanto o acidente é o que,
existindo ou não existindo, nunca afeta o ser da essência (magro, gordo, alto,
baixo, negro, branco). A essência é o universal; o acidente, o particular;
Substância ou sujeito: é o
substrato ou o suporte onde se realizam a matéria-potência, a forma-ato, onde
estão os atributos essenciais e acidentais, sobre o qual agem as quatro causas
(material, formal, eficiente e final) e que obedece aos três princípios
lógico-ontológicos (identidade, não contradição e terceiro excluído); em suma,
é o Ser. Aristóteles usa o conceito de substância em dois sentidos: num
primeiro sentido, substância é o sujeito individual (Sócrates, esta mesa, esta
flor, Maria, Pedro, este cão, etc.); num segundo sentido, a substância é o
gênero ou a espécie a que o sujeito individual pertence (homem, grego; animal,
bípede; vegetal, erva; mineral, ferro; etc.).
No primeiro sentido, a substância
é um ser individual existente; no segundo é o conjunto das características
gerais que os sujeitos de um gênero e de uma espécie possuem. Aristóteles fala
em substância primeira para referir-se aos seres ou sujeitos individuais
realmente existentes, com sua essência e seus acidentes (por exemplo,
Sócrates); e em substância segunda para referir-se aos sujeitos universais,
isto é, gêneros e espécies que não existem em si e por si mesmos, mas só existem
encarnados nos indivíduos, podendo, porém, ser conhecidos pelo pensamento.
Assim, por exemplo, o gênero “animal” e as espécies “vertebrado”, “mamífero” e
“humano” não existem em si mesmos, mas existem em Sócrates ou através de
Sócrates.
O gênero é um universal formado
por um conjunto de propriedades da matéria e da forma que caracterizam o que há
de comum nos seres de uma mesma espécie. A espécie também é um universal
formado por um conjunto de propriedades da matéria e da forma que caracterizam
o que há de comum nos indivíduos semelhantes. Assim, o gênero é formado por um
conjunto de espécies semelhantes e as espécies, por um conjunto de indivíduos
semelhantes. Os indivíduos ou substâncias primeiras são seres realmente
existentes; os gêneros e as espécies ou substâncias segundas são
universalidades que o pensamento conhece através dos indivíduos;
Predicados: são as oito
categorias que temos no estudo da lógica e que também são ontológicas, porque
se referem à estrutura e ao modo de ser da substância ou da essência. Em outras
palavras, os predicados atribuídos a uma substância ou essência são
constitutivos de seu ser e de seu modo de ser, pois toda realidade pode ser
conhecida porque possui qualidades (mortal, imortal, finito, infinito, bom,
mau, etc.), quantidades (um, muitos, alguns, pouco, muito, grande, pequeno),
relacionam-se com outros (igual, diferente, semelhante, maior, menor, superior,
inferior), está em algum lugar (aqui, ali, perto, longe, no alto, embaixo, em
frente, atrás, etc.), está no tempo (antes, depois, agora, ontem, hoje, amanhã,
de dia, de noite, sempre, nunca), realiza ações ou faz alguma coisa (anda,
pensa, dorme, corta, cai, prende, cresce, nasce, morre, germina, frutifica,
floresce, etc.) e sofre ações de outros seres (é cortado, é preso, é morto, é
quebrado, é arrancado, é puxado, é atraído, é levado, é curado, é envenenado,
etc.).
As categorias ou predicados podem
ser essenciais ou acidentais, isto é, podem ser necessários e indispensáveis à
natureza própria de um ser, ou podem ser algo que um ser possui por acaso ou
que lhe acontece por acaso, sem afetar sua natureza.
Tomemos um exemplo. Se eu disser
“Sócrates é homem”, necessariamente terei que lhe dar os seguintes predicados:
mortal, racional, finito, animal, pensa, sente, anda, reproduz, fala, adoece, é
semelhante a outros atenienses, é menor do que uma montanha e maior do que um
gato, ama, odeia. Acidentalmente, ele poderá ter outros predicados: é feio, é
baixo, é diferente da maioria dos atenienses, é casado, conversou com Laques,
esteve no banquete de Agáton, esculpiu três estátuas, foi forçado a
envenenar-se pelo tribunal de Atenas.
Se nosso exemplo, porém, fosse
uma substância genérica ou específica, todos os predicados teriam de ser
essenciais, pois o acidente é o que acontece somente para o indivíduo existente
e o gênero e a espécie são universais que só existem no pensamento e encarnados
nas essências individuais.
Com esse conjunto de conceitos
forma-se o quadro da ontologia ou Metafísica aristotélica como explicação
geral, universal e necessária do Ser, isto é, da realidade. Esse quadro
conceitual será herdado pelos filósofos posteriores, que problematizarão alguns
de seus aspectos, estabelecerão novos conceitos, suprimirão alguns outros,
desenvolvendo o que conhecemos como Metafísica ocidental.
A Metafísica aristotélica
inaugura, portanto, o estudo da estrutura geral de todos os seres ou as
condições universais e necessárias que fazem com que exista um ser e que possa
ser conhecido pelo pensamento. Afirma que a realidade no seu todo é inteligível
ou conhecível e apresenta-se como conhecimento teórico da realidade sob todos
os seus aspectos gerais ou universais, devendo preceder as investigações que
cada ciência realiza sobre um tipo determinado de ser.
A Metafísica investiga aquilo sem
o que não há seres nem conhecimento dos seres: os três princípios lógico-ontológicos
(identidade, não contradição e terceiro excluído) e as quatro causas (material,
formal, eficiente e final); aquilo que faz um ser ser necessariamente o que ele
é: matéria, potência, forma e ato; aquilo que faz um ser ser necessariamente
como ele é: essência e predicados ou categorias; aquilo que faz um ser existir
como algo determinado: a substância individual (substância primeira) e a
substância como gênero ou espécie (substância segunda).
É isto estudar “o Ser enquanto
Ser”. De fato, se o conflito entre certas convicções do senso comum não for tão
só aparente, mas real, então algumas dessas convicções estão fadadas a ser
falsas, embora possam, não obstante, ser tidas na conta de dados até que sua
falsidade se descubra. É isso o que torna excitante, por vezes, a Metafísica;
nomeadamente o fato de sermos coagidos, algumas vezes, a abandonar certas
opiniões que sempre havíamos considerado óbvias.
Contudo, a Metafísica tem de
começar por alguma coisa e, como não pode começar, obviamente, pelas coisas que
já estão provadas, deve começar pelas coisas em que as pessoas acreditam; e a
confiança com que uma pessoa sustenta suas teorias metafísicas não pode ser
maior do que a confiança que deposita nos dados em que aquelas repousam.
Ora, o intelecto do homem não é
tão forte quanto a sua vontade, e os homens, geralmente, acreditam no que
querem acreditar, particularmente quando essas crenças refletem o mérito
próprio entre os homens e o valor de seus esforços. A sabedoria não é, pois, o
que os homens buscam em primeiro lugar. Procuram, igualmente, uma justificação
para aquilo em que creem seja o que for. Não surpreende, portanto, que os
principiantes em Filosofia, e mesmo os que já não são principiantes, tenham uma
acentuada inclinação para se apegarem a alguma teoria que os atrai, em face de
dados conflitantes, e neguem por vezes a veracidade dos dados, apenas por
aquela razão. Tal atitude dificilmente se pode considerar propícia à sabedoria.
Assim, não é incomum encontrarmos pessoas que, dizem elas, querem ardentemente
acreditar na teoria do determinismo e que, partindo desse desejo, negam,
simplesmente, a verdade de quaisquer dados que com ela colidam. Os dados, por
outras palavras, são meramente ajustados à teoria, em vez da teoria aos dados.
Mas deve-se insistir ainda que é pelos dados, e não pela teoria, que se terá de
começar; pois se não partirmos de pressupostos razoavelmente plausíveis, onde
irmos obter a teoria, diferente de se esposar apenas aquilo que os nossos corações
desejam'? Mais cedo ou mais tarde poderemos ter de abandonar alguns dos dados
do nosso senso comum, mas, ao fazê-lo, será em consideração a certas outras
crenças do senso comum que relutamos ainda mais em abandonar e não em
deferência pelas teorias filosóficas que nos atraem.
Ao inspirar o termo Metafísica,
com sua "filosofia primeira", Aristóteles passou a ser considerado
seu pai por muitos autores.
Entre estes, existem aqueles que
afirmam que a metafísica começa de fato a se separar da teoria do conhecimento
apenas neste momento.
Para Aristóteles, na obra Metafísica,
assim chamada após sua morte, pelo seu organizador Andrônico, a essência não
está no intelecto, mas nas coisas físicas.
O que não inviabiliza a
permanência de um ser eterno, imutável e perfeito internamente em qualquer
“ser”.
Esta entidade superior a tudo que
existe e que, ao mesmo tempo, só é concreta em um mundo separado do nosso, ele
chamou de “ser divino”.
Neste sentido, o “ser divino”
seria a realidade suprema e primeira que originou a essência de todas as coisas
e que, por isto mesmo, faz com que tudo queira imitá-lo para tentar se
aproximar de sua perfeição.
Exatamente por isto, o “ser
divino” seria o “primeiro motor”, o principio que move a realidade, transforma
tudo, preservando sua essência.
Para Aristóteles, as coisas
seriam compostas de matéria, forma e substância.
A matéria seria o elemento
material; já a forma seria sua individualidade, suas particularidades.
A substância designaria
características gerais, o que existe de comum entre coisas distintas.
Para citarmos um exemplo,
poderíamos dizer que no caso de uma mesa, a madeira e o ferro seria a matéria,
enquanto seu designer seria a forma e a substância permitiria identificar a
mesa como tal, ou seja, seria o que existe de comum com a mesa analisada e
outras que possuem forma diferente.
Acontece que, para Aristóteles,
as coisas possuem predicados que definem como podemos percebê-las, ou seja,
características que decorrem de sua essência ou de acidentes.
Nesta acepção, a essência é o que
a coisa é originalmente.
O que pode mudar por acidente,
através de alterações da essência, está contido no ato, nas consequências que
surgem.
Para citar um exemplo, podemos
dizer que a essência de mesa é definida por sua matéria e forma, composta de
madeira e ferro e que tem o formato “x”.
Por acidente, esta mesa pode se
tornar outro objeto, tal como uma cadeira, o que acontece depois desta
transformação é o ato.
Assim, a árvore é o ato da
semente e, por sua vez, a potência da semente é poder tornar-se árvore.
O conceito de potência designa
aquilo que está contido em matéria, a possibilidade de transformação, sua
potencialidade.
Estes conceitos influenciaram
fortemente a metafísica cristã católica romana.
Aristóteles busca estabelecer a
ciência da sabedoria, investigando as primeiras causas e princípios das coisas.
Todo o homem busca o saber, e a
filosofia é a busca, o amor pelo saber, é a ciência que estuda as causas
últimas de todas as coisas. É considerada a mãe (base) do conhecimento universal,
pois estuda todas as realidades, a totalidade, o universo tomado globalmente.
Filosofia é teorética, isto é teórica, e se forma na investigação dos primeiros
princípios e causas, e o bem sendo uma das causas, é também sua finalidade.
A natureza da Filosofia vem do
entusiasmo, da admiração, da dúvida, e foi para fugir à ignorância, pelo desejo
de saber (gerado pelo deleite da visão), que os homens começaram a filosofar. A
falta de compreensão, a inquietude, e a falta de certeza a respeito das coisas
em si, e tampouco a si mesmas, despertaram nos homens a admiração, agitando seu
interesse, para investigar, questionar a realidade. É o desejo de saber por
saber, desinteressado, que não busca utilidades, mas a si mesmo. Eis a
liberdade da Filosofia, pois existe por si só, por isso é considerada uma
aquisição divina, um discurso admirado ou espantado com o mundo.
O nascimento da Filosofia deu-se
a partir do momento que o homem entrou na fase do ócio, do lazer, quando não se
preocupava com coisas úteis e necessárias, ficando “desocupado”, liberado para
ocupar-se das questões do saber, de buscar conhecer o que as coisas são em si e
por si mesmas. A liberdade passa a ser uma condição que torna possível a vida
do filósofo. Assim, para Aristóteles a metafísica é a ciência mais elevada,
suprema, pois ir às causas das causas terá que se chegar numa causa incausada
necessariamente, que só pode ser admitida pela existência de um Deus supremo,
que pensa e contempla a si mesmo. E a admiração, fonte do filosofar, é uma atitude
metafísica.
A METAFÍSICA CRISTÃ
A Metafísica Cristã surgiu a
partir da necessidade de converter os intelectuais gregos, para os quais o
dogma da revelação divina não bastava como argumento.
O que fez surgirem filósofos como
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.
O primeiro passo foi à
incorporação pelo cristianismo do pensamento platônico e aristotélico, em certo
sentido, deturpado.
Algo que originou o
neoplatonismo, o estoicismo e o gnosticismo.
O neoplatonismo retomou a
filosofia de Platão, revestida com um conteúdo espiritual e místico.
O mundo inteligível das ideias
foi transformado em território do “uno”, local da inteligência de Deus, onde
todos deveriam aspirar chegar através da meditação e dos dogmas da igreja
católica.
Já o mundo sensível foi convertido
na cópia imperfeita do divino, um mundo decaído em que os homens se encontram,
devendo galgar graus para ascender ao paraíso.
O estoicismo mesclou conceitos de
Platão e Aristóteles para afirmar que a realidade do mundo sensível e
inteligível está interligada pela razão ou inteligência universal, a qual
regula a realidade.
O homem não conseguiria alcançar
esta inteligência por ser governado pela vontade e não só pela razão.
Para os estóicos, a porta para
alcançar Deus é a aceitação da providência, o homem precisaria aceitar a
vontade divina, guiando-se pela moral cristã.
Igualmente mesclada à filosofia
de Platão e Aristóteles, o gnosticismo considerava o mundo sensível como
resultado da vitória do mal sobre o bem, afirmando que a salvação estaria na libertação
da materialidade, para viver em um mundo puramente espiritual.
Estas três tendências
influenciaram e alteraram os dogmas cristãos, separando matéria e espírito,
inaugurando discussões que dominaram a Idade Média, tal como a natureza do mau
e do demônio ou a existência da Santíssima Trindade.
O objetivo destas discussões era
óbvio: provar a fé e reafirmar o dogma da revelação, tornando fé e razão
compatíveis.
Um problema que só seria
resolvido por Descartes no século XVII, trazendo problemas para pensadores como
Galileu e Copérnico, antes do advento do racionalismo.
A METAFÍSICA CLÁSSICA
A partir do século XVI,
iniciou-se o período denominado como metafísica clássica, marcando o rompimento
com as questões medievais envolvendo a fé.
Um momento em que a razão
adquiriu autonomia e passou a negar vários conceitos presentes no pensamento
dos filósofos da antiguidade.
A definição de “ser” ou
“substância”, a qual comportava antes inúmeros tipos, foi limitada a apenas
três:1. Substância infinita (Deus). 2. Substância extensa (corpo). 3.
Substância pensante (alma).
No caso, negava-se a filosofia
aristotélica, mas o pensamento de Platão era confirmado, baseando-se na
oposição entre mundo sensível e inteligível.
A substância passou a ser
definida como atributo principal das coisas, sendo características da
substância extensa o movimento e o repouso.
Estes, por sua vez, determinariam
a massa, a figura e o volume da substância pensante.
Como a essência (ente) das
substâncias (ser) individuais concretas se distribuiriam em pensantes e
extensas, o homem passou a ser visto como substância mista.
Deus seria o único “ente” com
apenas uma única substância necessária a sua existência, todos os outros
“seres”, precisariam de pelo menos duas substâncias.
Seguindo esta mesma linha de
orientação, outro conceito que se tornou importante é o de causa ou
causalidade, tomado como aquilo que produz um efeito.
Estão divididos em:
1. Causa eficiente, aquela que é
determinada por uma ação anterior e que tem uma consequência.
2. Causa final, aquela que está
presente apenas nas substâncias pensantes, não existindo concretamente, por
isto, não possuindo necessariamente uma origem, portanto, poderia ser gerado do
nada.
A despeito desta subjetividade, a
metafísica tentou dar um passo atrás, vinculando a área novamente com a teoria
do conhecimento.
A metafísica limitou seu campo de
investigação, por definição, aquilo que a capacidade humana, a razão, consegue
entender.
O que limitou os estudos
metafísicos a natureza humana.
Enquanto a teoria do conhecimento
passou a perguntar pelo que é a realidade, a metafísica começou a interrogar
até onde podemos conhecer a realidade.
Na visão de muitos, foi
inaugurada neste ponto uma crise da metafísica.
A vinculação entre metafísica e
teoria do conhecimento, como é óbvio, conduziu a uma crise.
Partindo da teoria do
conhecimento, David Hume mostrou que as ideias nada mais são que hábitos
mentais que não saem do nada, não são inatas e não possuem inspiração divina.
As ideias seriam fruto de uma
associação de sensações, percepções e impressões recebidas pelos órgãos dos
sentidos e retidas na memória, sendo esta última alterada por novas percepções.
Assim, as substâncias ou
essências seriam apenas imagens da consciência, a causalidade, portanto,
poderia ser definida como mero habito da mente estabelecido por percepções
sucessivas.
Consequentemente, as questões
metafísicas seriam criações artificiais, não possuindo correspondência com a
realidade.
O que se tornou tão evidente que
filósofos, como Kant, chegaram a afirmar que Hume tinha feito os homens
despertar do sonho dogmático.
Hume havia tornado as questões
metafísicas vazias de sentido, já que não eram universais, mas inerentes a cada
sujeito.
Entretanto, Kant não
concordava inteiramente com Hume, pois considerava conceitos científicos inatos
como questões metafísicas.
No caso, conceitos como espaço,
tempo, quantidade ou causalidade, eram, para Kant, apenas questões metafísicas,
sendo subjetivos e não possuindo uma natureza concreta ou real, embora
palpável.
O tempo, por exemplo, não pode
ser tocado, assim não possui materialidade concreta, mas seus efeitos podem ser
sentidos, remetendo a investigação metafísica.
Podemos notar que, mesmo quando
um objeto parece ser de natureza puramente científica, a Metafísica ressurge
das cinzas como uma fênix.
Um conceito que iria originar, no
inicio do século XX, a chamada ontologia contemporânea.
Os filósofos têm discordado
acerca da natureza da metafísica. Aristóteles e os medievais dão-nos duas
explicações diferentes da disciplina. Por vezes caracterizam-na como a
tentativa de identificar as primeiras causas, em particular deus ou o motor
imóvel; por vezes como a muito geral ciência do ser enquanto ser. Acreditavam,
contudo, que estas duas caracterizações identificam uma só disciplina. Os
racionalistas dos séculos XVII e XVIII, por contraste, alargaram o âmbito da
metafísica. Entenderam que esta se ocupava não só da existência e natureza de
deus, mas também da distinção entre mente e corpo, da imortalidade da alma e do
livre-arbítrio.
Os empiristas e Kant eram
críticos quer quanto à concepção aristotélica da metafísica quer quanto à
concepção racionalista, argumentando que estas procuram transcender os limites
do conhecimento humano; mas mesmo Kant pensou que pode haver um tipo legítimo
de conhecimento metafísico. O seu objetivo é delinear as estruturas mais gerais
que suportam o nosso pensamento acerca do mundo. Esta concepção kantiana da
metafísica continua a gozar de alguma popularidade entre os filósofos
contemporâneos, que insistem que a metafísica tem por objetivo a caracterização
do nosso esquema conceitual ou enquadramento conceitual. Estes filósofos
concordam tipicamente com Kant em que a estrutura do mundo nos é em si própria
inacessível e que os metafísicos têm de se contentar em descrever a estrutura
do nosso pensamento acerca do mundo.
A defesa desta concepção kantiana
de metafísica não é, contudo, particularmente impressionante; pois se há
problemas em caracterizar o mundo tal como é, devia haver problemas semelhantes
em caracterizar o nosso pensamento acerca do mundo. Mas se concordamos que as
metafísicas aristotélica ou racionalista não estão condenadas à partida, temos
de conceder que as duas concepções sugerem tópicos muito diferentes para um
manual de metafísica. Neste livro, seguiremos a caracterização aristotélica da
metafísica como disciplina que se ocupa do ser enquanto ser. Esta
caracterização dá lugar à tentativa de identificar os tipos ou categorias mais
gerais em que se subsumem as coisas, e delinear as relações que se verificam
entre estas categorias.
A NATUREZA DA METAFÍSICA ALGUMAS
REFLEXÕES HISTÓRICAS
Não é fácil dizer o que a
metafísica é. Se se olha para as obras de metafísica encontra-se
caracterizações bastante diferentes da disciplina. Por vezes estas
caracterizações procuram ser descritivas, dar-nos uma explicação daquilo que
fazem os filósofos a quem se chama "metafísicos". Por vezes são
normativas; representam tentativas de identificar o que os filósofos deviam
estar a fazer quando fazem metafísica. Mas, descritivas ou normativas, estas
caracterizações dão explicações tão diferentes do objeto de estudo e
metodologia adequados à metafísica que é provável que o observador imparcial
pense que têm de caracterizar disciplinas diferentes. O desacordo acerca da
natureza da metafísica prende-se certamente com a sua longa história. Os
filósofos têm feito ou procurado fazer algo a que têm chamado
"metafísica" durante mais de 2000 anos; e o resultado dos seus
esforços tem sido explicações com uma ampla diversidade de objetos de estudo e
de abordagens. Mas a dificuldade de identificar um único objeto de estudo e
metodologia da metafísica não é simplesmente imputável à longa história da
disciplina. Mesmo nas suas origens há ambiguidade acerca do que a metafísica
supostamente é, ao certo.
A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA
METAFÍSICA
O termo "Metafísica",
como nome da disciplina, é retirado do título de um dos tratados de
Aristóteles. O próprio Aristóteles nunca se referiu ao tratado por esse nome;
este foi conferido por pensadores posteriores. Aristóteles chamou à disciplina
em causa no tratado filosofia primeira ou teologia, e sabedoria ao conhecimento
que é o objetivo da disciplina. Ainda assim, o uso subsequente do
título Metafísica torna razoável supor que aquilo a que chamamos
"metafísica" é o gênero de coisa que se faz nesse tratado.
Infelizmente, Aristóteles não nos dá uma única explicação do que ali faz. Em
alguns contextos, diz-nos que aquilo que procura no tratado é um conhecimento
de primeiras causas. 1 Isto sugere que a metafísica é uma das disciplinas
departamentais, uma disciplina com um objeto de estudo distinto do que é objeto
de consideração de qualquer outra disciplina. Que objeto de estudo é
identificado pela expressão "primeiras causas"? Talvez uma série de
coisas diferentes; mas aqui é central deus ou o motor imóvel. Pelo que aquilo
que depois se veio a chamar "Metafísica" é uma disciplina que se
ocupa de Deus, e Aristóteles fala-nos bastante acerca da disciplina. Diz-nos
que é uma disciplina teórica. Ao contrário das diversas artes que se ocupam da
produção e das diversas ciências práticas (ética, economia, política) cujo fim
é orientar a ação humana, a metafísica tem por objetivo a apreensão da verdade
por si própria. Neste aspecto, concorda com as ciências matemáticas e as
diversas ciências físicas. As primeiras têm por objeto de estudo quantidades
(quantidades discretas no caso da aritmética e quantidades contínuas no caso da
geometria), e as segundas ocupam-se da natureza e estrutura das substâncias
imateriais ou físicas (tanto as vivas como as inanimadas) que compõem o mundo
natural. A metafísica, por contraste, tem por objeto de estudo a substância
imaterial. E a relação entre a disciplina e o seu objeto de estudo dá à
metafísica um estatuto intrigante. Ao contrário das outras disciplinas, a
metafísica não pressupõe simplesmente a existência do seu objeto de estudo; tem
na verdade de provar que há uma substância imaterial que seja o seu objeto.
Pelo que o projeto de provar que há um motor imóvel fora do mundo da natureza
faz parte da própria metafísica; mas uma vez que Aristóteles pensa que só temos
uma disciplina distinta quando temos um objeto de estudo distinto, está
comprometido com a ideia de que os metafísicos podem estar seguros de que há
uma disciplina na qual se empenharem desde que sejam bem-sucedidos em levar a
cabo um dos projetos no programa da disciplina.
Mas Aristóteles não se satisfaz
em descrever a metafísica como a investigação de primeiras causas. Também nos
diz que é a ciência que estuda o ser enquanto ser. À medida que se
expande esta caracterização, a metafísica acaba por não ser outra disciplina
departamental com um objeto de estudo próprio. É, ao invés, uma ciência
universal, que toma em consideração todos os objetos que há. Nesta
caracterização, pois, a metafísica examina os itens que constituem o objeto de
estudo das outras ciências. O que a metafísica tem de distinto é o modo como
examina esses objetos; examina-os a partir de uma perspectiva particular, da
perspectiva de serem seres, ou coisas que existem. Pelo que a metafísica
considera as coisas como seres ou existentes e procura especificar as
propriedades ou aspectos que estas exibem apenas na medida em que são seres, ou
existentes. Consequentemente, procura compreender não só o conceito de ser, mas
também conceitos muito gerais, como a unidade ou a identidade, a diferença, a
semelhança e a dissemelhança, que se aplicam a tudo o que há. Também central
para a metafísica, entendida como ciência universal, é a delineação daquilo a
que Aristóteles chamou categorias. Estas são os tipos mais elevados ou
mais gerais em que as coisas se subsumem. Supõe-se que a metafísica deve
identificar esses tipos mais elevados, especificar os aspectos que são
peculiares a cada categoria, e identificar as relações que ligam entre si as
diferentes categorias; e ao fazê-lo, o metafísico dá-nos supostamente um mapa
da estrutura de tudo o que há.
Encontramos então duas
explicações diferentes do que é a metafísica, em Aristóteles. Por um lado, há a
ideia de uma disciplina departamental ocupada com a identificação das primeiras
causas, em particular, Deus; e, por outro lado, há a ideia de uma disciplina
universal ou perfeitamente geral cuja tarefa é considerar as coisas pela
perspectiva de que se trata de seres ou existentes, e dar uma caracterização
geral de todo o domínio do ser. À primeira vista parece haver uma tensão entre
estas duas concepções da metafísica. É difícil compreender como uma única
disciplina pode ser ao mesmo tempo departamental e universal. O próprio
Aristóteles está aqui ciente da aparência de tensão, e esforça-se por mostrar
que a tensão é apenas aparente. Por outro lado, sugere que uma ciência
de primeiras causas irá identificar as causas subjacentes às características
primárias das coisas, as características que são pressupostas por quaisquer
outras características que as coisas possam exibir; e Aristóteles parece
disposto a afirmar que visto que o ser ou existência de uma coisa é primário
neste sentido, a ciência que estuda as primeiras causas será apenas a ciência
que investiga o ser enquanto ser. Por outro lado, parece defender que qualquer
disciplina que examine qualquer coisa na medida em que é um ser irá numerar
deus entre os itens que procura caracterizar.
Na tradição aristotélica
medieval, deparamo-nos continuamente com esta caracterização dual da
metafísica; e, como Aristóteles, os medievais acreditavam que as duas
concepções da metafísica se realizam numa única disciplina, que procura
simultaneamente delinear a estrutura categorial da realidade e estabelecer a
existência e natureza da substância divina. Mas quando encontramos os textos
metafísicos dos racionalistas seiscentistas e setecentistas do continente,
deparamo-nos com uma concepção da metafísica que alarga o âmbito da empresa
metafísica. Embora tenham rejeitado muitos detalhes da Metafísica de
Aristóteles concordaram que o que está em causa ao fazer-se Metafísica é a identificação
e caracterização dos tipos mais gerais de coisas que há, e concordaram que uma
parte central desta tarefa está na referência à substância divina e ao seu
papel causal. Não obstante, veio-se a considerar como objetos adequados da
investigação metafísica tópicos que não figuram como itens no programa
metafísico aristotélico. Para Aristóteles, o exame dos objetos físicos
mutáveis, a delineação do hiato entre os seres vivos e os inanimados e a
identificação do que é peculiar aos seres humanos são tudo coisas que se deve
levar a cabo no contexto da ciência natural, ou física, e não na metafísica.
Mas os racionalistas,
confrontados com uma paisagem intelectual em que a física aristotélica é
substituída pela explicação mais matemática e mais experimental da nova física,
pensaram que estas questões eram metafísicas. Do seu ponto de vista, a
metafísica não se ocupava simplesmente da existência e natureza de deus, mas da
distinção entre a mente e o corpo, a sua relação nos seres humanos e a natureza
e extensão do livre-arbítrio.
Uma pessoa formada na tradição
aristotélica ficaria intrigada com este novo uso do termo
"Metafísica" e provavelmente faria a acusação de que, nas mãos dos
racionalistas, o que supostamente era uma única disciplina com um único objeto
de estudo acaba por ser o exame de uma mistura confusa de tópicos inter-relacionados.
Evidentemente, os racionalistas eram sensíveis a este tipo de acusação e
procuraram dar uma justificação para o redesenhar das fronteiras disciplinares
no interior da filosofia. O que daí surgiu por último foi um mapa geral do
terreno metafísico. A afirmação é a de que a metafísica tem um único
objeto de estudo; trata-se do ser. Pelo que o metafísico procura dar uma
explicação da natureza do ser; mas há uma diversidade de perspectivas a partir
das quais se pode dar essa explicação, e a estas diferentes perspectivas
correspondem diferentes sub disciplinas dentro da Metafísica. Em primeiro lugar,
pode-se examinar o ser a partir da perspectiva de que é precisamente isso, ser.
Como isto representa a perspectiva mais geral a partir da qual se pode
considerar o ser, a divisão da metafísica que considera o ser a partir desta
perspectiva foi designada metafísica geral. Mas os racionalistas
insistiram que também podemos examinar o ser a partir de uma diversidade de
perspectivas mais especializadas. Quando o fazemos, damos continuidade a uma ou
outra divisão daquilo a que os racionalistas chamaram metafísica especial.
Assim, podemos considerar o ser
como o encontramos nas coisas mutáveis; podemos, isto é, considerar o ser a
partir da perspectiva da sua mutabilidade. Fazê-lo é empenhar-se na Cosmologia.
Podemos, também, considerar o ser como o encontramos em seres racionais como
nós. Considerar o ser a partir desta perspectiva é dar continuidade a uma
divisão da Metafísica especial a que os racionalistas chamam psicologia
racional. Por fim, podemos examinar o ser como se mostra no caso do divino, e
examinar o ser a esta luz é empenhar-se na Teologia Natural. É bastante
claro que as noções racionalistas de Metafísica Geral e Teologia Natural
correspondem às concepções aristotélicas de Metafísica como ciência
verdadeiramente universal, que estuda o ser enquanto ser, e como disciplina
departamental, que se ocupa das primeiras causas; ao passo que a afirmação de
que a Metafísica incorpora a cosmologia e a psicologia racional como divisões
exprime o âmbito novo e alargado que o esquema racionalista associa à Metafísica.
Mas não era apenas no objeto de
estudo que a Metafísica racionalista diferia da de Aristóteles. A abordagem de
Aristóteles das questões metafísicas foi cautelosa. Ao delinear as categorias,
Aristóteles tentou permanecer fiel à nossa concepção pré-filosófica do mundo.
Do modo como ele via as coisas, as entidades inteiramente reais ou
metafisicamente básicas são os objetos familiares do senso comum, coisas como
cavalos individuais e seres humanos individuais. E mesmo na sua explicação de
deus ou do motor imóvel, estava ansioso por mostrar a continuidade entre a sua
explicação filosófica e as nossas crenças pré-filosóficas acerca da estrutura
causal do mundo. O resultado foi uma Metafísica relativamente conservadora. As
teorias metafísicas dos racionalistas, por contraste, eram tudo menos
conservadoras. Nas suas mãos, a Metafísica resulta em sistemas especulativos
abstratos, muito afastados de qualquer imagem do mundo que seja
reconhecidamente de senso comum. Aqui, basta percorrer superficialmente as
palavras de um pensador como Espinosa ou Leibniz para apreciar a extravagância
da Metafísica racionalista.
A natureza altamente abstrata e
especulativa da metafísica racionalista fez dela um alvo natural para as
críticas dos pensadores empiristas. Os empiristas insistiram que qualquer
afirmação de conhecimento tem de se justificar por referência à experiência
sensorial; e argumentaram que visto que nenhuma experiência poderia alguma vez
justificar as afirmações que constituíam os sistemas racionalistas, as
afirmações dos racionalistas, de que davam conhecimento científico da natureza
da realidade, eram espúrias. 6 Na verdade, os empiristas afirmaram amiúde
a proposição mais forte de que as afirmações características da metafísica
racionalista não tinham significado. Os empiristas defendiam que todas as
nossas representações conceituais derivam do conteúdo da nossa experiência
sensorial. Consequentemente, insistiram que uma afirmação tem conteúdo
cognitivo genuíno ou significado só se os termos que usa são susceptíveis de
análise ou explicação em termos de conteúdos puramente sensoriais. Como as
afirmações dos metafísicos racionalistas não passam este teste, os empiristas
concluíram que eram meros sons sem sentido.
No trabalho de Kant, encontramos
uma crítica posterior à empresa metafísica. Na explicação de Kant, o
conhecimento humano implica a interação de conceitos inatos às faculdades
cognitivas humanas com os dados brutos da experiência sensorial. Os dados
sensoriais são os efeitos, nas nossas faculdades subjetivas sensoriais, de um
mundo exterior a essas faculdades. Os dados são estruturados ou organizados por
meio de conceitos inatos, e o resultado é um objeto de conhecimento. Pelo que
aquilo a que chamamos "objeto de conhecimento" não é uma coisa
exterior e independente da nossa maquinaria cognitiva; é o produto da aplicação
de estruturas conceituais inatas aos estados subjetivos das nossas faculdades
sensoriais. O mundo que produz esses estados subjetivos é algo que, como é em
si próprio, nos é inacessível; apreendemo-lo apenas como nos afeta, apenas como
nos aparece. Um objeto de conhecimento, então, requer os conteúdos sensoriais
dos empiristas; mas requer mais do que isso. Os conteúdos têm de ser unificados
e organizados por estruturas conceituais que não têm origem na nossa
experiência sensorial. Kant, contudo, quer insistir que tal como os conteúdos
sensoriais só constituem um objeto de conhecimento quando são estruturados
pelos conceitos inatos, as estruturas conceituais inatas só produzem um objeto
de conhecimento quando se aplicam aos conteúdos sensoriais, a que dão
princípios de unidade e organização.
Como Kant viu a Metafísica, quer
a variante racionalista quer a aristotélica, representa a tentativa de conhecer
o que ultrapassa o âmbito da experiência sensorial humana. Procura responder a
questões para as quais a experiência sensorial é incapaz de dar respostas,
questões acerca da imortalidade da alma, da existência de deus e do
livre-arbítrio. Promete-nos conhecimento acerca destas matérias. Na tentativa
de proporcionar o conhecimento prometido, contudo, o metafísico usa as estruturas
conceituais que subjazem a formas menos controversas de conhecimento,
estruturas como as que entram no discurso acerca de substâncias, causalidade e
acontecimentos. Mas uma vez que as estruturas relevantes só produzem
conhecimento quando aplicadas aos dados brutos da experiência sensorial, o uso
que o filósofo faz dessas estruturas para responder às questões perenes da
metafísica nunca resulta no conhecimento que o metafísico nos promete. Dado o
modo como a nossa maquinaria cognitiva funcionam as condições requeridas para o
conhecimento nunca podem ser satisfeitas no caso da metafísica. As afirmações
que o metafísico quer fazer ultrapassam os limites do conhecimento humano.
Consequentemente, nunca pode haver conhecimento genuinamente científico na metafísica.
Para dar ênfase a este aspecto da Metafísica tradicional, Kant chama-lhe Metafísica transcendente. Kant
contrasta a metafísica transcendente com aquilo a que chama de metafísica
crítica. A metafísica crítica, segundo nos diz, é um empreendimento legítimo,
perfeitamente respeitável. Enquanto a Metafísica transcendente procura
caracterizar uma realidade que transcende a experiência sensorial, a Metafísica
crítica tem por tarefa a delineação dos aspectos mais gerais do nosso
pensamento e conhecimento. Procura identificar os conceitos mais gerais que
entram na nossa representação do mundo, as relações que se verificam entre
estes conceitos e os pressupostos do seu uso objetivo. O projeto definido pela Metafísica crítica é precisamente o projeto que o próprio Kant considera levar
a cabo quando nos dá a sua própria explicação das condições do conhecimento
humano.
A concepção de Kant, de um
empreendimento metafísico cuja tarefa é identificar e caracterizar os aspectos
mais gerais do nosso pensamento e experiência continua a encontrar defensores
nos nossos dias.8 Estes filósofos dizem-nos que a metafísica é um
empreendimento descritivo cujo objetivo é a caracterização do
nosso esquema conceitual ou enquadramento conceitual. Do modo como estes
filósofos veem as coisas, qualquer pensamento ou experiência que possamos ter
envolve a aplicação de um só corpo unificado de representações. Esse corpo de
representações constitui algo como uma imagem de como as coisas são; é um tipo
de história que contamos acerca do mundo e do nosso lugar nele. A história tem
uma estrutura característica: está organizada por meio de conceitos muito
gerais, e o uso desses conceitos é regulado por princípios (amiúde chamados
"princípios de enquadramento"). O objetivo da metafísica é simplesmente
delinear essa estrutura nos seus contornos mais gerais.
Os filósofos que subscrevem esta
ideia de esquema conceitual ou enquadramento conceitual não concordam todos
entre si quanto ao estatuto de que goza a nossa imagem do mundo. Embora não
subscrevam os detalhes da própria perspectiva de Kant sobre o conhecimento
humano, alguns defensores da ideia de esquema conceitual concordam com Kant em
que há uma única estrutura imutável que subjaz a tudo o que se possa chamar
conhecimento ou experiência humanos. Outros enfatizam o caráter dinâmico e
histórico do pensamento humano e falam de enquadramentos conceituais
alternativos. Veem grandes mudanças conceituais, como a revolução científica em
que a teoria da relatividade tomou o lugar da mecânica newtoniana, como
exemplos em que um esquema conceitual é rejeitado a favor de uma imagem do
mundo nova e diferente. Para pensadores do gênero anterior, a metafísica tem um
objeto de estudo estável e imutável: a única maneira peculiarmente humana de
representar o mundo; para os últimos, a tarefa da metafísica é comparativa:
procura mostrar as diferentes formas presentes nos esquemas alternativos que
desempenharam historicamente um papel nas nossas tentativas de representar o
mundo.
Os filósofos de ambos os gêneros
opõem-se inequivocamente aos que defendem uma concepção mais tradicional,
pré-kantiana, da metafísica. Os filósofos que levam a sério a noção de esquema
conceitual considerarão que a metafísica se ocupa da nossa maneira ou maneiras
de representar o mundo. Quer limitem o objeto de estudo da Metafísica aos itens
do programa aristotélico quer sigam os racionalistas ao alargar o âmbito da Metafísica para incluir tópicos como o problema da mente-corpo, a imortalidade
da alma e o livre-arbítrio, os filósofos que veem a metafísica em termos
pré-kantianos entendem que a sua tarefa é dar uma explicação da natureza e
estrutura do próprio mundo e do universo. Uma investigação da estrutura do pensamento humano
é, contudo, algo muito diferente de uma investigação da estrutura do mundo acerca
de que o pensamento é. Obviamente, se se acredita que a estrutura do nosso
pensamento reflete ou espelha a estrutura do mundo, então poder-se-á afirmar
que as duas investigações têm de ter o mesmo resultado. Mas os filósofos que
são atraídos pelo discurso acerca de esquemas conceituais, tipicamente, não
aceitam isto. Afirmam que a metafísica tem por objeto de estudo a estrutura do
nosso esquema conceitual, ou esquemas, precisamente porque, como Kant, pensam
que o mundo tal como realmente é, é algo a que não temos acesso.
Por que pensam isto? Porque
concordam com Kant em que o nosso pensamento acerca do mundo é sempre mediado
pelas estruturas conceituais em termos das quais representam esse mundo. No seu
entender, para pensar em qualquer coisa exterior às minhas faculdades
cognitivas, tenho de aplicar conceitos que representam a coisa de uma ou outra
maneira, pertencendo a algum tipo ou caracterizada de algum modo; mas, então, o
que apreendo não é o objeto como realmente é, independentemente do meu pensamento
acerca dele. O que apreendo é o objeto tal como o conceitualizo ou represento,
pelo que o objeto do meu pensamento é algo que, pelo menos em parte, é o
produto do aparelho conceitual ou representacional que ponho em funcionamento
ao pensar. O que tenho não é a coisa como é em si, mas a coisa tal como figura
na história que dela narro ou na imagem que dela construo.
Alguns dos que invocam a ideia de
esquema conceitual (podíamos chamar-lhes esquemistas conceituais) vão mais além
e afirmam que a própria ideia de um objeto separado e independente do esquema
conceitual por meio do qual formamos as nossas representações é incoerente. Nesta
perspectiva radical, tudo o que há é o esquema conceitual, ou esquemas. Nada
mais há do que as histórias que contamos, as imagens que construímos. Aquilo a
que chamamos a existência de um objeto é apenas a questão de algo figurar numa
história; e aquilo a que chamamos a verdade das nossas crenças é apenas uma
questão das diversas componentes de uma história encaixarem umas nas outras ou
de serem coerentes entre si.
Esta versão mais radical da
perspectiva do esquema conceitual é uma versão daquilo a que se tem chamado idealismo,
e é uma perspectiva extremamente difícil de articular coerentemente. Se
defendermos que nada há senão as histórias que os seres humanos constroem, o
que diremos então dos seres humanos que supostamente as constroem? Se estes
estão realmente ali a construí-las, então não é verdade que nada haja além das
histórias que se constrói; e não é verdade que existir seja apenas ser
personagem numa história. Se, por outro lado, nós, seres humanos, formos apenas
outros tantos personagens nas histórias, será então verdade que há algumas
histórias para contar? Ou será o fato de se construir todas estas histórias apenas
mais uma história? E será em si esta nova história (a história de que as
histórias originais são contadas) apenas mais uma história?
Como sugeri, nem todos os
esquemistas conceituais subscrevem a perspectiva mais radical que temos vindo a
discutir; mas mesmo o esquemista que concede que a ideia de um item que existe
independentemente de um esquema conceitual é coerente negará que quaisquer
objetos desses, tal como poderão efetivamente existir, possam constituir os
objetos do estudo metafísico. Quaisquer itens desse gênero insistirão os
esquemistas, são apreendidos apenas por meio das estruturas conceituais que
pomos em funcionamento na representação que fazemos desses itens. Estas
estruturas constituem um tipo de cortina que nos impede o acesso às coisas como
realmente são. Consequentemente, mesmo o esquemista conceitual moderado negará
que seja possível fazer o que o metafísico tradicional quer fazer, dar
conhecimento da estrutura última da realidade; afirmará que a haver um
empreendimento com a generalidade, sistematicidade e exaustividade que os
filósofos têm querido reivindicar para a Metafísica, esse empreendimento não
pode consistir seja no que for que ultrapasse a caracterização da estrutura
mais geral do nosso esquema conceitual, ou esquemas.
Que resposta darão os metafísicos
tradicionais a esta perspectiva neokantiana? Muito provavelmente, argumentarão
que se o esquemista conceitual tem razão ao negar que o mundo como realmente é
pode ser objeto de investigação filosófica séria, então o esquemista não tem
razão ao supor que um esquema conceitual pode sê-lo. A premissa central no
argumento do esquemista contra a Metafísica tradicional é a afirmação de que a
aplicação de estruturas conceituais na representação das coisas nos impede o
acesso genuíno a essas coisas; mas o defensor da Metafísica tradicional chamará
a atenção para o fato de termos de usar conceitos na nossa caracterização
daquilo a que o esquemista chama enquadramento conceitual, e concluirá que,
segundo os próprios princípios do esquemista, isso implica que não se pode
caracterizar a natureza e estrutura de um esquema conceitual. Pelo que os
metafísicos tradicionais argumentarão que se a sua concepção da metafísica é
problemática, também a do esquemista o é. Mas os metafísicos tradicionais
insistirão que há aqui uma lição mais profunda. A lição é que há algo de
autoderrotante na explicação que o esquemista conceptual dá de representação
conceitual. Se o esquemista conceitual tem razão ao afirmar que a actividade da
representação conceptual nos impede de apreender seja o que for que procuremos
representar, então por que haveríamos de levar a sério as afirmações do
esquemista acerca da representação conceitual? Essas afirmações, afinal de
contas, são apenas outras tantas representações conceituais; mas, então, longe
de revelar a natureza da actividade de representação conceitual, as afirmações
parecem impedir a nossa apreensão daquilo acerca do qual essas afirmações
supostamente são, a atividade de representação conceitual.
Os metafísicos tradicionais
passarão a insistir que conseguimos pensar e falar acerca das coisas, as coisas
como realmente são e não apenas como figuram nas histórias que contamos.
Insistirão que a própria ideia de pensar acerca das coisas ou de referi-las
pressupõe que há relações que ligam os nossos pensamentos e palavras às coisas,
independentemente da mente e independentemente da linguagem, em que pensamos e
acerca de que falamos; e insistirão que longe de nos impedir o acesso às
coisas, os conceitos que usamos ao pensar são os veículos para apreender as
coisas a que se aplicam. Não são cortinas ou barreiras entre nós e as coisas;
são, pelo contrário, os nossos caminhos para nos levar aos objetos, os nossos
modos de obter acesso a eles. E os metafísicos tradicionais argumentarão que
não há qualquer razão para supor que tem de ser de outra forma com os conceitos
que os metafísicos tradicionais usam na sua tentativa de nos dar uma explicação
acerca do que há e da sua estrutura geral. Concederão que os metafísicos se
podem enganar, que pode haver afirmações metafísicas falsas; mas insistirão que
o perigo de falsidade não é mais grave aqui do que em qualquer outra disciplina
em que procuramos dizer como as coisas são. Pode ser difícil dar uma
caracterização verdadeira da natureza da realidade, mas isso não significa que
é impossível.
Os defensores de uma concepção
kantiana da metafísica insistirão que as questões à volta deste debate são mais
complexas e mais difíceis do que o metafísico tradicional sugere; e que embora
a início nos possamos sentir solidários com o metafísico tradicional, temos de
conceder que este debate acerca da metodologia adequada à metafísica depende da
questão muito mais vasta da relação entre o pensamento e o mundo. Esta questão
dirige-se ao núcleo de qualquer caracterização do ser e conta como metafísica
segundo quaisquer critérios. É, contudo, uma questão de tal maneira importante
que não pode ser resolvida nos parágrafos introdutórios de um livro sobre
metafísica. A caracterização da relação entre o nosso pensamento ou linguagem e
o mundo requer um tratamento separado e extenso; e o último capítulo deste
livro será dedicado a essa questão. Aí, examinaremos detalhadamente o desafio
que os filósofos de inclinação kantiana antirrealistas, como amiúde se lhes
chama apresentam à explicação tradicional da relação entre o pensamento e o
mundo. Entretanto, contudo, precisamos de uma concepção de metafísica para nos
orientarmos; e a estratégia será assumir, provisoriamente, a abordagem
tradicional pré-kantiana.
A METAFÍSICA CATEGORICAL
O objetivo será caracterizar a
natureza da realidade, dizer como as coisas são. Como vimos, diferentes
tradições associam objetos de estudo diferentes a este projeto. Na tradição
aristotélica, há a ideia de uma ciência que estuda o ser enquanto ser. Mesmo
que haja uma única ciência que corresponda às duas ideias, estas parecem
diferentes, pelo menos a início. A ideia de uma ciência geral que estuda os
seres a partir da perspectiva de que são seres corresponde àquilo a que os
racionalistas chamavam metafísica geral; e uma tarefa central sugerida pela
ideia de uma ciência de primeiras causas corresponde à tarefa associada com a divisão
da metafísica especial que os racionalistas designavam teologia natural; e
temos as duas outras divisões da metafísica especial a Cosmologia, que dá uma
caracterização do mundo material, mutável, e a psicologia racional, que lida,
entre outras coisas, com o problema da mente-corpo e, supostamente, com o
problema do livre-arbítrio.
Muitos livros introdutórios de
metafísica estão de acordo com o mapa racionalista da disciplina. Na verdade,
focam-se nas questões a que os racionalistas chamavam metafísica especial.
Assim, questões acerca da existência e natureza de deus, questões acerca da
natureza dos seres humanos e do problema da mente-corpo, e questões acerca do
livre-arbítrio, ocuparão o primeiro plano. Esta estratégia é perfeitamente
adequada. Desde o século XVII que se designa todas estas questões por
metafísica. Uma estratégia diferente para construir um texto introdutório em
metafísica é, contudo, igualmente defensável. Esta estratégia limita, grosso
modo, os tópicos a ser discutidos aos que se subsumem na rubrica da ciência
aristotélica do ser enquanto ser, ou da ciência racionalista da metafísica
geral.
Esta maneira de abordar a
metafísica é sustentada por diversas considerações. Os filósofos contemporâneos
dividem a filosofia de maneira que não respeitam as fronteiras disciplinares da
explicação racionalista. Os tópicos que eram centrais nas diversas divisões
daquilo a que os racionalistas chamavam metafísica especial são agora
discutidos em subdisciplinas da Filosofia que não se ocupam essencial ou
exclusivamente de tópicos metafísicos. O foco da teologia natural, por exemplo,
era a existência e natureza de deus; agora lida-se tipicamente com esse
conjunto de questões naquilo a que chamamos Filosofia da Religião, uma
subdisciplina da Filosofia que trata um âmbito muito mais vasto de questões do
que a antiquada teologia natural. Lida com questões epistemológicas acerca da
racionalidade da crença religiosa em geral, assim como com a racionalidade de
crenças religiosas particulares, questões acerca da relação entre a religião e
a ciência, e questões acerca da relação entre a religião e a moralidade. Os
filósofos da religião chegam a discutir questões que faziam parte daquilo a que
os racionalistas chamavam psicologia racional, questões acerca da sobrevivência
pessoal e da imortalidade. Outras questões que se discutia na psicologia
racional subsumem-se agora naquilo a que chamamos filosofia da mente; mas
apesar de os filósofos da mente se preocuparem com questões metafísicas acerca
da existência e natureza da mente, também se preocupam com muitas outras
coisas. Levantam questões epistemológicas acerca do conhecimento dos nossos
estados mentais e dos de outras pessoas; e passam muito tempo a tentar
clarificar a natureza da explicação na psicologia e nas ciências cognitivas.
Por vezes, encontramos os filósofos da mente a levantar questões acerca do
livre-arbítrio, mas este problema é provavelmente discutido noutra parte
diferente da filosofia a que se chama teoria da ação. Os filósofos
contemporâneos usam tipicamente o termo "metafísica" para se
referirem a uma divisão da filosofia diferente de cada uma destas divisões; e
quando o fazem, aquilo de que falam é algo não muito distante daquilo a que os
racionalistas chamavam metafísica geral e a que Aristóteles se referia como a
ciência que estuda o ser enquanto ser.
Pelo que o modo como se organiza
os textos introdutórios em metafísica não reflete o modo como os filósofos hoje
usam tipicamente o termo "metafísica". Uma consequência é que aquelas
que são as questões centrais naquilo a que hoje em dia chamamos metafísica não
são muito discutidas de um modo introdutório. E isso é lamentável, visto que
essas questões são tão fundamentais como quaisquer outras questões filosóficas.
Pelo que há um argumento a favor de um texto introdutório de metafísica que
investigue o ser enquanto ser; mas há outro. A série de que este livro faz
parte terá textos de filosofia da religião e de filosofia da mente; nestes
volumes abordar-se-á tópicos como a existência e natureza de deus e o problema
da mente-corpo. O volume de metafísica deve focar-se em questões diferentes, e
fá-lo-á. Focar-se-á nas questões que surgem quando tentamos dar uma explicação
geral da estrutura de tudo o que há.
Mas que questões são essas? Ao
discutir a concepção aristotélica da metafísica como disciplina perfeitamente
geral, afirmei que um objetivo central de tal disciplina é a identificação e
caracterização das categorias em que se subsumem as coisas. Seria exato
afirmar que isto é o que a Metafísica, como entendida nos dias de hoje, procura
alcançar. Mas o que é ao certo identificar as categorias em que se subsumem as
coisas? Como vimos, Aristóteles pensava que as categorias são os tipos mais
elevados ou gerais sob os quais se pode classificar as coisas. Isto sugere que
o que os metafísicos fazem é pegar em todas as coisas que há e dispô-las
segundo os tipos mais gerais em que se subsumem. Segundo Aristóteles, as
categorias em que algo se subsume permitem-nos dizer o que a coisa é.
Pareceria, então, que a identificarem as categorias mais elevadas, os
metafísicos deviam procurar as respostas mais gerais à pergunta "O que
é?" Uma maneira pela qual pareceriam fazê-lo seria tomar um objeto
familiar, como Sócrates, e colocar a questão "O que é ele?" A
resposta óbvia é "um ser humano". Mas embora "ser humano"
discrimine um tipo em que Sócrates se subsume, há respostas mais gerais à
pergunta "Que tipo de coisa é Sócrates?" Ele é, afinal de contas, um
primata, um mamífero, um vertebrado e um animal. Identificar a categoria a que
Sócrates pertence é identificar o fim ou a paragem final nesta lista de
respostas cada vez mais gerais à pergunta "O que é?" E quando temos
isso? A resposta canônica é que chegamos à categoria de uma coisa quando
chegamos a uma resposta tal à pergunta "O que é?" que a única reposta
mais geral seja dada por um termo como "entidade", "ser",
"coisa" ou "existente", que se aplica a tudo o que há.
Aristóteles pensou que a resposta relevante para Sócrates é dada pelo termo
"substância", pelo que Aristóteles entendeu que substância era a
categoria em que Sócrates e outros seres vivos se subsumem.
Poderá parecer que se os nossos
metafísicos querem produzir a lista completa de categorias, têm apenas de
aplicar o tipo de procedimento pergunta e resposta que usaram no exemplo de
Sócrates e de outros objetos. Desde que escolham as suas amostras de uma
maneira sensível às diferenças entre as coisas, darão consigo a descobrir
categorias novas e diferentes. A dada altura, contudo, descobrirão que não
surgem mais categorias novas. Repetir o procedimento trá-los simplesmente de
volta às categorias que já isolaram. Nessa fase, podem ficar confiantes, ainda
que sujeitos a preocupações normais acerca da adequação de procedimentos
indutivos, de que identificaram todos os tipos ou categorias de ser mais
elevados.
Esta é uma maneira de pensar
acerca de categorias e do seu papel no empreendimento da metafísica. É, na
verdade, a maneira como muitos metafísicos veem toda a atividade de
identificação categorial. Infelizmente, tem graves insuficiências enquanto
explicação daquilo que se passa na metafísica. Para começar, faz da metafísica
uma grande chatice. Inventar uma tabela de categorias é simplesmente um
procedimento mecânico de encontrar as respostas mais gerais à pergunta "O
que é?"; e é difícil compreender como um procedimento que exige tão pouca
imaginação pode ter ocupado os esforços das maiores mentes da humanidade
durante mais de 2000 anos. Por outro lado, a explicação torna difícil
compreender como podia haver desacordos ou disputas interessantes em
metafísica. Nesta perspectiva, se dois metafísicos nos dão diferentes listas de
categorias, só pode ser porque pelo menos um deles cometeu um erro indutivo,
tendo sido incapaz de aplicar o procedimento de pergunta-e-resposta a uma
amostra adequada de objetos, ou estava confuso acerca da maneira como funcionam
os termos classificativos na nossa linguagem. A verdade, contudo, é que nada é
mais comum em metafísica do que o debate e a controvérsia; e os adversários nos
debates metafísicos são tipicamente pensadores perspicazes e lúcidos, que pouco
provavelmente serão culpados de lapsos intelectuais grosseiros.
Mas as dificuldades com esta
compreensão das categorias e a natureza da metafísica vão mais fundo. A imagem
pressupõe que os metafísicos iniciam o seu trabalho confrontados com uma
totalidade de objetos com certeza dada e que o seu trabalho é encontrar
nichos onde colocar os objetos dessa totalidade. A verdade, contudo, é que os
filósofos que discordam acerca de categorias discordam acerca de que objetos
há. Não há qualquer conjunto dado de antemão acerca do qual todos os
metafísicos concordem. As disputas em metafísica são tipicamente disputas sobre
como se deve responder à pergunta "Que objetos há?" e dar listas
alternativas de categorias é apenas dar respostas diferentes a esta pergunta.
Um exemplo simples permite-nos
compreender a natureza das disputas metafísicas. Considere os saltos mortais.
"Salto mortal" é um termo que as pessoas que falam português, na sua
maioria, sabem usar; todos o aplicamos mais ou menos às mesmas situações e
abstemo-nos de o fazer mais ou menos nas mesmas situações; e usamo-lo para
exprimir crenças que partilhamos maioritariamente, crenças acerca do que são
saltos mortais, crenças acerca de quando aconteceu um, crenças acerca de quando
um foi bem executado, e por aí em diante. Podemos imaginar dois filósofos
reagindo a estes fatos acerca do termo "salto mortal" de maneiras
muito diferentes. Um deles diz-nos que há saltos mortais. Ele ou ela diz-nos
que um salto mortal é simplesmente a rotação total daquilo que tipicamente é um
corpo humano, ora executado para a frente ora para trás. Ele ou ela insistirá
que visto que ocorreram muitas de tais rotações, houve muitos saltos mortais, e
afirma que a menos que suponhamos que há saltos mortais, seremos incapazes de
explicar como afirmações como George executou cinco saltos mortais entre as 15
horas e as 16 horas de Quinta-feira.
podem ser verdadeiras. O outro
filósofo, contudo, discorda. Ele ou ela nega que haja saltos mortais. Concede
que as pessoas e alguns animais executem a rotação da maneira relevante, mas
nega que isto implique a existência de uma classe especial de entidades, os
saltos mortais. Concede igualmente que muitas afirmações como 1 são
verdadeiras, mas, mais uma vez, nega que isto implique a existência de um tipo
especial de entidade. O que faz a afirmação 1 ser verdadeira, insiste o nosso
filósofo ou filósofa, é simplesmente o fato de George ter dado cinco
cambalhotas durante o período de tempo relevante.
Acerca de que discordam os nossos
dois filósofos? Seguramente não discordam acerca de como usamos o termo
"salto mortal" no nosso discurso trivial, pré-filosófico, acerca do
mundo, nem discordam acerca do valor de verdade de afirmações como 1. Discordam
acerca de os fatos relevantes do uso trivial e da verdade das afirmações
pré-filosóficas relevantes nos exigirem ou não que reconheçamos os saltos
mortais na nossa história filosófica "oficial" acerca do mundo e das
coisas que nele acontecem; discordam acerca de as coisas como saltos mortais
deverem ou não entrar no nosso inventário filosófico "oficial" das
coisas que há. A tal inventário "oficial" chama-se normalmente Ontologia.
Usando este termo, podemos afirmar que os nossos dois filósofos discordam
acerca de a nossa ontologia dever ou não incluir saltos mortais. A disputa
entre eles é uma disputa metafísica. Não é, contudo, o gênero de disputa de que
os metafísicos sérios provavelmente se ocupem. Não é que todos os metafísicos
pensem que a nossa ontologia tem de incluir saltos mortais; não pensam. A razão
por que os metafísicos não se ocupariam com argumentos acerca do estatuto de
saltos mortais é a de que o tópico dos saltos mortais é demasiado específico,
demasiado local. O desacordo entre os nossos dois filósofos, contudo,
generaliza-se facilmente; e quando o é, torna-se o gênero de disputa de que os
metafísicos caracteristicamente se ocupam. O filósofo que afirma que temos de
reconhecer a existência de saltos mortais não faz essa afirmação a partir de
qualquer afeto especial por saltos mortais. Quase de certeza, a afirmação
inspira-se na crença que o filósofo tem na existência de coisas de um tipo mais
geral. É porque ele ou ela acredita que os acontecimentos em geral têm de
entrar na nossa ontologia que faz a sua afirmação acerca de saltos mortais. Da
mesma maneira, o seu adversário nega que haja saltos mortais, não porque ele ou
ela tenha um preconceito especial contra saltos mortais, mas porque nega que a
nossa história "oficial" do mundo deva fazer referência a
acontecimentos. Pelo que a disputa acerca de saltos mortais tem origem numa
disputa mais geral. A disputa mais geral é uma disputa categorial. Um filósofo
acredita que devemos abraçar a categoria dos acontecimentos; o outro nega isto.
Discordar acerca de categorias,
então, é discordar acerca de que coisas existem; e muitas das principais
disputas na metafísica são disputas deste gênero. Embora funcionem a um nível
mais geral do que a disputa acerca de saltos mortais, exibem amiúde uma
determinada estrutura. Temos uma disputa organizada à volta de uma questão
acerca da existência de coisas de um tipo ou categoria muito geral. Há
propriedades? Há relações? Há acontecimentos? Há substâncias? Há proposições?
Há estados de coisas? Há mundos possíveis? Em cada caso, há um corpo de fatos
pré-filosóficos que funcionam como dados para a disputa. Uma parte na disputa
insiste que para explicar os fatos pré-filosóficos relevantes temos de responder
afirmativamente à questão existencial. A outra parte afirma que há algo de
filosoficamente problemático em admitir entidades do gênero relevante na nossa
ontologia, e argumenta que podemos explicar os fatos pré-filosóficos sem o
fazer.
Nem sempre, contudo, as disputas
acerca de categorias têm precisamente esta forma. Nem sempre encontramos as
partes em disputa dando respostas antagônicas à questão com a forma "Há
Cs?" (em que C é um termo para categoria). Por vezes encontramo-los
concordando que existem entidades desta ou daquela categoria; mas, então, uma
parte prossegue e dizem-nos que embora haja efetivamente entidades
correspondentes à categoria, todas são analisáveis em termos de entidades de
outra categoria. Suponha-se que a disputa se centra nos objetos materiais.
Embora ambas as partes concordem que há objetos materiais, uma parte diz-nos
que os objetos materiais são analisáveis como coleções de qualidades
sensoriais. É provável que o interlocutor na disputa responda afirmando:
"Olhe, você não pensa realmente que há objetos materiais. Apenas profere
as palavras. Na sua perspectiva, não há realmente objetos materiais; há apenas
qualidades sensoriais." Em resposta, o outro interlocutor irá sem dúvida
objetar que acredita realmente haver objetos materiais. "Não nego que os
objetos materiais existem; digo-lhe apenas como são." É difícil saber como
resolver o argumento acerca do termo "existe"; mas seja como for que
o resolvamos, temos de conceder que há aqui um profundo desacordo metafísico,
um desacordo que é, em sentido lato, existencial. Uma maneira de exprimir o
desacordo é afirmar que enquanto um metafísico quer incluir os objetos
materiais entre os elementos primitivos ou básicos da sua ontologia, o outro
não o quer fazer. O primeiro nega que se possam analisar os objetos materiais
em termos de entidades mais básicas ou reduzi-los a estas; o último entende que
os objetos materiais são meras construções feitas a partir de entidades mais
fundamentais. Embora afirme que há objetos materiais, quando olhamos para os
itens primitivos da sua ontologia (isto é, os itens que na sua ontologia não
são redutíveis a entidades de um tipo mais básico), não encontramos quaisquer
objetos materiais, apenas qualidades sensoriais. No nível mais baixo, então,
não há quaisquer objetos materiais na sua ontologia. Na sua teoria metafísica,
os objetos materiais não estão entre os "alicerces" básicos da
realidade. Podemos afirmar que enquanto os objetos materiais constituem uma categoria
primitiva ou inderivada na Ontologia de um filósofo, constituem
uma categoria derivada na do outro.
Pelo que as disputas acerca de
categorias são disputas acerca da existência de entidades de algum tipo ou
categoria muito geral. Por vezes as partes em disputa discordam quanto à
existência de entidades do tipo relevante; por vezes discordam acerca de as
entidades da categoria ser ou não redutíveis a entidades de uma categoria mais
básica. Dar uma teoria metafísica completa é dar um catálogo completo das
categorias em que se subsumem as coisas e identificar os gêneros de relações
que se verificam entre essas categorias. A última tarefa implica a
identificação de determinadas categorias como básicas e de outras como
derivadas, e uma especificação de como, exatamente, se reduz ou analisa as
entidades de categorias derivadas em termos de entidades das categorias
básicas. Um catálogo completo deste gênero representaria uma explicação geral
de tudo o que há. Aristóteles acreditava que o objetivo da empresa metafísica é
uma explicação deste gênero. Poucos metafísicos hoje estão prontos para dar
este tipo de teoria completa das categorias. As questões que rodeiam cada uma
das categorias que historicamente têm sido o foco da teorização metafísica são
tão complexas que os metafísicos contemporâneos se satisfazem se puderem
trabalhar um punhado que seja destes conjuntos de questões. Neste livro, vou
seguir a sua esteira. Não vamos tentar algo tão ambicioso como um sistema
completo de categorias. Vamos focar-nos nas questões levantadas quando se
procura responder a apenas algumas das questões categoriais que surgem na
metafísica. As questões que vamos considerar são todas muito importantes e
fundamentais, pelo que examiná-las nos deve dar uma boa noção do que a
metafísica é ao certo. Avancemos, então, com as questões; e comecemos com o
conjunto de questões a que se tem chamado o problema dos universais.
A FILOSOFIA METAFÍSICA PLATÔNICA
Platão de Atenas (428/27–347
a.C.) foi um filósofo grego. Platão, cujo verdadeiro nome era Aristócles,
nasceu em Atenas, em 428/427 a.C., e lá morreu em 347 a.C. Platão é um nome
que, segundo alguns, derivou de seu vigor físico e da largueza de seus ombros
(platos significa largueza). Ele era filho de uma abastada família, aparentada
com famosos políticos importantes, por isso não espanta que a primeira paixão
de Platão tenha sido a política. Inicialmente, Platão parece ter sido discípulo
de Crátilo, seguidor de Heráclito, um dos grandes filósofos pré-Socráticos.
Posteriormente, Platão entra em contato com Sócrates, tornando-se seu
discípulo, com aproximadamente vinte anos de idade e com o objetivo de se
preparar melhor para a vida política. Mas os acontecimentos acabariam por
orientar sua vida para a filosofia como a finalidade de sua vida. Platão tinha
cerca de vinte e nove anos quando Sócrates foi condenado à beber o cálice de
cicuta (veneno fortíssimo). Ele havia acompanhado de perto o processo de seu
mestre, e o relata na Apologia de Sócrates. O fato de Atenas, a mais iluminada
das cidades-estados gregas, ter condenado à morte "o mais sábio e o mais
justo dos homens", como falara mediunicamente o oráculo de Apolo, em
Delfos - lhe deixou marcas profundas que determinariam as linhas mestras de
toda a sua atividade de filósofo. Acredia-se que todas, ou uma boa parte da
obra de Platão nos chegou inteira. Além de cartas e da Apologia de Sócrates,
Platão escreveu cerca de trinta Diálogos que têm sempre invariavelmente
Sócrates como protagonista. Nestas obras excepcionais, Platão tenta reproduzir
a magia do diálogo socrático, imitando o jogo de perguntas e respostas, com
todos os meandros da dúvida, com as fugazes e imprevistas revelações que
impulsionam para a verdade, sem, contudo, revela-la de modo direto. O motivo
pelo qual sua obra nos chegou praticamente intacta reside no fato de Platão ter
fundado uma escola que se tornou famosa, e que era dedicada ao herói Academos.
Daí o nome Academia. Platão foi o responsável pela formulação de uma nova
ciência, ou, para ser mais exato, de uma nova maneira de pensar e perceber o
mundo. Este ponto fundamental consiste na descoberta de uma realidade causal
suprassensível, não material, antes apenas esboçada e não muito bem delineada
por alguns filósofos, embora tenha sido um pouco mais burilada por Sócrates.
Antes de Sócrates, era comum tentar-se explicar os fenômenos naturais a partir
de causas físicas e mecânicas. Platão observa que Anaxágoras, um dos
pré-socráticos, tinha atinado para a necessidade de introduzir uma Inteligência
universal para conseguir explicar o porquê das coisas, mas não soube levar
muito adiante esta sua intuição, continuando a atribuir peso preponderante às
causas físicas. Entretanto, se perguntava Platão, será que as causas de caráter
físico e mecânico representam as "verdadeiras causas" ou, ao
contrário, representam simples "concausas", ou seja, causas a serviço
de causas mais elevadas? Não seria o visível fruto de algo mais sutil? Para
encontrar a resposta às suas dúvidas, Platão empreendeu aquilo que chamou
simbolicamente de "a segunda navegação". A primeira navegação seria o
percurso da filosofia naturalista. A segunda navegação seria a orientação
metafísica de uma filosofia espiritualista, do inteligível. O sentido do que
seja essa segunda navegação fica claro nos exemplos dados pelo próprio Platão. Se
se deseja explicar por que uma coisa é bela, um materialista diria que os
elementos físicos como o volume, a cor e o recorte são bem proporcionais e
causam sensações prazerosas e agradáveis aos sentidos. Já Platão diria que tudo
isso seria apenas qualidades que evocariam uma lembrança de algo ainda mais
belo, vista pela alma no plano espiritual, mas que não está acessível ao plano
físico. O objeto seria apenas uma cópia imperfeita, por ser material, de uma
"Ideia" ou forma pura do belo em si.
A IDEIA
No começo, podemos definir a
teoria das Ideias dizendo que o mundo sensível é apenas uma cópia do mundo
ideal, e que o objeto da ciência é o mundo real das Ideias. O mundo inteligível
é estudado na dialética, e o mundo sensível é o domínio da opinião (DOXA).
A existência do mundo Ideal é
baseada em duas provas, segundo Thonnard: uma de ordem lógica, e outra de ordem
ontológica.
A prova lógica: Platão em nenhum
momento põe em dúvida a existência da ciência, que para ele é um fato
indiscutível; então, é necessário um objeto estável e permanente, que possa
permanecer no espírito. Ora, para Platão, esse objeto não se encontra no mundo
sensível, pois ele acredita, como Heráclito, que o mundo é “um infinito e
perpétuo tecido de movimentos”, onde “tudo passa como as águas das torrentes”,
sendo que nada permanece estável. Surge, então, a necessidade da ciência
encontrar seu objeto: o mundo inteligível das Ideias.
Prova Ontológica: Thonnard diz
que o mundo sensível prova a existência do mundo ideal como sombra da
realidade. Sabemos disso, pois os objetos desse mundo são mais ou menos
perfeitos, e estas participações supõem a existência de uma fonte que possui a
perfeição em estado pleno. Esse é o mundo inteligível, que é o objeto da
ciência.
A pluralidade das Ideias podem
ser provadas de duas maneiras: uma prova direta e outra indireta.
Thonnard assim define essas
provas: a prova direta é resultado da experiência racional, e o objetivo é
libertar do mundo sensível as perfeições estáveis. O mundo sensível não pode
apresentar um objeto real que possa ser fonte de um conhecimento científico,
por isso é necessário pedir auxílio ao mundo das Ideias.
Prova indireta: Sabemos que negar
a pluralidade das Ideias destruiria toda a ciência, pois ela é um sistema
coordenado de juízos. Para a ciência existir são necessários objetos estáveis
para um ser inteligível, e também uma pluralidade de Ideias para construir um
conjunto de juízos. Sendo assim, Thonnard conclui que se deve conceder a
Heráclito que os objetos sensíveis estão em perpétua variação e misturados com
seus contrários; que devemos rejeitar Parmênides, pois o Ser que tem
estabilidade desejada, mas destrói todo o juízo pela sua absoluta unidade; por
último, Sócrates liberta do sensível perfeições múltiplas, mas estáveis, que
podem definir-se. O objeto da ciência não é o mundo sensível, mas os gêneros
que Sócrates definiu, tantos os substanciais, como as qualidades, pois esse é o
mundo das Ideias.
A NATUREZA DAS IDEIAS
Platão definiu quatro
propriedades:
A espiritualidade, que são de
ordem inteligível, portanto, invisíveis aos olhos humanos e apreendidas pela inteligência.
A realidade, pois para Platão as
Ideias não são conceitos abstratos do espírito, nem pensamentos do Espírito
divino, mas são realidades subsistentes e individuais, sendo objeto da contemplação
científica e fonte das realidades da terra. Da realidade, derivam-se duas
propriedades:
A imutabilidade, que exclui toda
a mudança, pois são eternas;
A pureza, pois realiza a essência
plenamente e sem mistura, e cada uma na sua ordem é perfeita.
O MÉTODO DE PLATÃO
No filósofo grego, o método
principal é o dialético, com um aspecto lógico, um psicológico e a doutrina
metafísica da participação das Ideias.
O aspecto lógico é a continuação
do método Socrático, em que Platão insiste no papel da purificação; propõe que
a razão incite à investigação das essências graças à Dialética do amor, e
conduz o espírito por degraus sucessivos até à intuição do mundo ideal.
O método da purificação é àquele
que procura liberar a alma intelectual do peso da matéria através do domínio do
eu. Controlando às paixões desordenadas, submetendo as tendências inferiores à
razão, o homem está a caminho das realidades eternas, porque as coisas do mundo
sensível não são mais do que a sombra. Libertando à alma do corpo, ela eleva-se
até o mundo das Ideias, pois o objetivo do filósofo, segundo Platão, é aprender
a morrer (Fedon).
O MUNDO SENSÍVEL E O DOMÍNIO DA
OPINIÃO
Platão diz no Timeu: ”O que é
fixo e imutável supõe razões fixas e imutáveis. Quanto à imitação do que é
imutável, convém falar dela em forma verossímil e analógica… Posto que as
minhas palavras não tenham mais inverossimilhança que as dos outros, há que nos
contentarmos com elas…convém em semelhante matéria limitarmo-nos a discursos
verossímeis.” Thonnard explica que isso sugere explicações de ordem mítica.
O mundo sensível possui em
primeiro grau as percepções efêmeras das coisas sensíveis. Thonnard explica que
a atenção para ouvir ou recordar-se de belas músicas, procurando a mais
harmoniosa, só dá origem à conjectura.
No segundo grau temos o esforço
de estabilização em que se esboçam as definições científicas; porém, fica
incompleto e provisório porque se baseia em opiniões aceitas pelo povo ou
transmitidas por poetas e tradições religiosas( mitos como o narrado em Fedro,
em que o cavalo branco representa o coração, e o cavalo negro a
concupiscência).
A EXISTÊNCIA DE DEUS
Platão recorre ao mito para
provar a existência de Deus. Temos duas provas:
Prova baseada na existência do
mundo: Deus é o Demiurgo. Platão reconheceu que para uma obra ter origem, é
necessário que haja um artífice, e expõe o seu Demiurgo em linguagem mítica.
Ele, depois de ter contemplado o mundo Ideal, decidiu fazer o universo à sua
imagem.
Prova baseada no movimento: Deus
é a alma real. Platão verifica que o mundo está sujeito a um movimento
ordenado, como o movimento circular das esferas celestes, que é pela sua
estabilidade, a própria imagem da inteligência. Para que exista o movimento, é
necessário um motor. Platão sugere dois motores: um corpóreo e a alma. O corpo
é inerte e é sempre movido por um outro antes de se mover, e a alma é o motor
que tem em si o princípio de seu movimento, e pode comunicá-lo sem receber
antes (As Leis). a alma domina o corpo que morre.
A PSICOLOGIA
Para Platão, a alma está
acidentalmente unida ao corpo, e é uma substância espiritual completa. Existem
três teorias para estabelecer essa doutrina:
A preexistência da alma que é
definida pela teoria da reminiscência, porque Platão desconhecia a criação ex
nihilo do judaísmo e cristianismo, de forma que explicar a existência de ideias
presentes em nós desde o nascimento ficava impossível a não ser por uma vida
anterior. Platão explica essa vida anterior por um mito em que as almas cometem
certas faltas e são punidas com a união com o corpo humano.
A união acidental da alma com o
corpo difere a teoria de Aristóteles, porque Platão acreditava que o corpo
impedia a alma de alcançar à sabedoria por imposição de necessidades tirânicas,
e que a alma prejudicava o corpo porque investigações filosóficas profundas
levavam à exaustão corporal.
A imortalidade da alma que pode
ser demonstrada pela participação no mundo ideal, na Ideia da vida e na necessidade
moral.
A MORAL
Platão quer que a Ideia do bem
seja derramada na natureza humana. A felicidade para ele não está identificada
com o prazer, pois era isso que os sofistas pregavam. Falta ao prazer
estabilidade e plenitude, pois novos desejos levam a novos sofrimentos em um
movimento que parece não ter fim. Ele identifica a sabedoria com a felicidade,
mas acredita na desigualdade das inclinações dos homens para a prática da
virtude; uns se contentariam com a coragem, outros com a temperança; poucos, no
entanto, buscariam à virtude perfeita. Esses possuiriam o germe divino da
sabedoria.
O ESTADO PARA PLATÃO
A existência do Estado é
necessária para a prática da virtude, mas Platão o concebia como pequenas
cidades autônomas. Dividia o povo em classes sociais como os trabalhadores, os
guerreiros, os arcontes e os escravos. Nesse ponto, Platão tem uma vantagem
monumental sobre Aristóteles, que Thonnard, fiel ao seu aristotelismo
dogmático, não menciona: ele considera a escravidão um mal e que deveria ser evitado.
Nas penas da vida após à morte do Hades platônico está a de ter possuído
escravos. Platão também sugeriu a igualdade de homens e mulheres, concedendo
uma grande dignidade a essas últimas. A educação deveria ser igual para ambos
os sexos. A forma de governo mais adequada para os cidadãos é a aristocracia ou
a monarquia, de preferência governada por um rei-filósofo. A democracia é
condenada.
Agora Platão nos narra o seu mito
da caverna. Voegelin diz que o mito prepara o conhecimento da PAIDEIA. A educação
de um homem é incompleta se ele não experimentou a verdade da alma, a
PERIAGOGE. Depois de o homem ser solto da caverna e ter experimentado a
contemplação divina, ele quer ficar lá para sempre (517). Esse homem (filósofo)
que experimentou a eudaimonia irá sentir-se inclinado a permanecer na
contemplação e não irá querer voltar para os seus companheiros prisioneiros.
Haveria então a tentação de esse filósofo tornar-se apolítico. Mas ele deve
descer e sacrificar-se à polis.
Ele então desce (KATABATEON). Sócrates
desceu para ajudar os prisioneiros da caverna e consegue discernir as sombras (EIDOLA)
das coisas reais. Como o filósofo viu o AGATHON, a polis sob seu comando será
governada com uma mente desperta (HYPAR) em vez de ser conduzida como as outras
Pólis como num sonho (ONAR)
A filosofia platônica foi adotada
pela igreja católica até o século XIII, herdada pelos padres da igreja,
especialmente Santo Agostinho. A partir de São Tomás de Aquino, e pelas
influências de Aristóteles, a posição da igreja em relação à mulher muda: a
igreja que antes concedia grande liberdade para as mulheres no cristianismo,
permitindo até o divórcio, torna-se hostil a essas liberdades, pregando a
clausura para as freiras e impedindo algo completamente natural e humano que é o
divórcio. A mesma filosofia aristotélica que criou dificuldades para São Tomás
de Aquino em relação à escravidão impediu a igreja católica de oferecer
respostas ao gigantesco tráfico de seres humanos vindos da África para as
Américas. Os protestantes ingleses, hostis a Aristóteles, e mais abertos a
Platão, foram aqueles que iniciaram o movimento abolicionista mundial.
SÍNTESE DAS PRINCIPAIS OBRAS DE
PLATÃO
FILEBO
Filebo é um diálogo que trata do
prazer. Sou da opinião que antes de ler esse diálogo o leitor já deve ter lido
o Parmênides e o Político para uma melhor compreensão. Participam do diálogo
três personagens: Sócrates, Protarco e Filebo. No início, Filebo faz a
afirmação de que a vida de prazeres é mais desejável do que a vida do saber.
Sócrates então sugere que se for demonstrado que o prazer é superior e não
precisa de nenhum outro bem, então o prazer será o vencedor; caso seja o saber,
o mesmo acontecerá. Uma pequena discussão entre Sócrates e Protarco acontece
pelo fato desse último não fazer uma diferenciação entre os graus dos prazeres.
Depois de algumas perguntas e respostas, Sócrates vence o debate.
Começa então um debate sobre as
relações do Uno e do Múltiplo. Nesse ponto, Giovanni Reale (Para uma nova
interpretação de Platão) afirma que “depois de ter destacado que a conexão do
Uno e dos Múltiplos estabelecida pelo raciocínio encontra-se em toda parte e
sempre, em todas as coisas de que se fala, Platão explica que, para superar as
dificuldades que isso comporta, é necessário proceder pela via pela qual foram
feitas todas as descobertas no âmbito das artes”. Platão fala sobre o mito do
deus Thoth e como ele criou a arte da gramática, pois o homem com as vogais e
consoantes isoladas não podia, por si só, compreendê-las. A voz, diz Reale,” é
uma espécie de Ideia e também é uma multiplicidade ilimitada em cada um e em
todos”. Com isso “obtém-se uma trama lógico-ontológica traduzível em número,
que permite passar, depois, aos sons sensíveis individuais.” (Reale)
O diálogo fala sobre questões
metafísicas na sequência. Sócrates que definir o que é ilimitado, o limitado e
a mistura para saber a natureza do Uno e do bem, pois uma vida apenas de saber
ou de prazer é impossível. Ora, lendo o diálogo entendemos que Sócrates fala sobre
o que é ilimitado, como o são o frio e o quente, e o limitado, que são o dobro
e a classe dos números que tudo torna harmonioso, com isso o que é lento e
rápido formam a harmonia da música, e o quente e o frio geram as estações.
Sócrates então afirma: “Essa deusa, belo Filebo, observando como o excesso e a
perversidade universal conquistavam a predominância, devido à ausência de
limite para os prazeres e o seu gozo, instaurou a lei e a ordem, que impõem
limite. Dirias que ela, com isso, causou dano; eu, ao contrário, diria que ela
promoveu a salvação.”
Com isso temos quatro categorias:
o limitado, o ilimitado, a mescla entre esses dois e a quarta que é a causa
dessa mescla e geração que é o Demiurgo. Com isso estabelecido, Sócrates
reafirma que a inteligência (Nous) é o
nosso rei no céu e na Terra e define o homem como uma mistura de prazer e
saber. O livro é um pouco parecido com a Ética a Nicômaco de Aristóteles. O
meio-termo é buscado durante o diálogo, e o Uno é considerado a causa da
mistura, a coisa de supremo valor, e que por ser o bem, o Uno transforma a
mistura em algo bom também ( Reale).
Max Pohlenz define de maneira
admirável o que Platão entendia como Medida: “Para Platão, a eudaimonia
consiste em um prazer puro: a alegria refere-se ao belo sensível, no qual
entram em primeiro lugar as formas geométricas e o gozo que traz a atividade
espiritual (…) Pode nos parecer estranha a importância atribuída à medida,
posta no vértice da escala de valores: mas na realidade Platão entende por
medida o absoluto, e escolhe essa denominação porque o absoluto inclui em si
não só o bem entendido em sentido finalístico, mas também o belo e um princípio
de ordem e de proporção e constitui a causa primeira do seu existir concreto e
a norma da sua exata mistura.” ( citado em Reale)
POLÍTICO
Político é um diálogo desafiador
de Platão pois envolve mitos e diversas metáforas. Trata-se da continuação de O
Sofista, mas é possível compreender essa obra ( Político) mesmo sem ter lido O
Sofista. Participam desse diálogo Sócrates, Teodoro, o estrangeiro e o jovem
Sócrates. Esses dois últimos dominam o diálogo. Podemos dizer que o tema
principal é determinar como seria o governante ideal da Pólis. O Estrangeiro
determina que o Rei será mais teórico (gnostikes) do que prático, e que durante
o diálogo serão unificados o conhecimento político e o homem político, ou seja,
o conhecimento régio e o Rei. Farei uma exposição do mito dos ciclos cósmicos
com a ajuda do filósofo Eric Voegelin, que escreveu sobre o Político em seu
livro Ordem e História-Platão e Aristóteles.
O mito apresentado pelo
Estrangeiro fala de Cronos e seu reinado. Durante um período, diz Platão, o
próprio Deus acompanha o universo, e depois de certo período em que os círculos
completam a medida do tempo, o deus deixa o universo por iniciativa própria.
Isso faz com que o movimento seja feito no sentido contrário. Platão faz uma
observação que a imutabilidade absoluta faz parte das coisas divinas, por isso
o corpo não faz parte dessa classe de coisas. Em um determinado momento o
universo é movido circularmente pelo deus. Em uma parte a causa divina é
extrínseca, quando lhe é retransmitida a vida e a imortalidade a partir do
Demiurgo. Em outro momento o universo é deixado por conta de si mesmo. Diz Eric
Voegelin:” a alternância de movimento afeta não só o domínio da natureza, mas
também o domínio do homem na sociedade. No primeiro ciclo, o próprio deus
supervisiona o Cosmos, enquanto as várias partes do Cosmos eram colocadas sob a
supervisão de divindades exteriores.” Nesse período, diz ainda Voegelin, “o
próprio Deus era o pastor dos homens; nessa época não havia governo (
poiliteia).” Os homens tudo possuíam nessa era de Cronos.
O Estrangeiro fala sobre as
mudanças que ocorrem no universo. Em algumas épocas grandes destruições ocorrem
aos seres vivos e apenas uma parte dos homens sobrevive. Isso foi causado,
segundo Voegelin, pela introdução do elemento corporal na ordem cósmica.
Isso produziu uma mudança na natureza pois os homens pararam de
envelhecer e inverteram o processo, ficando cada vez mais jovens com o passar
do tempo. Os homens nessa época não se reproduziam pelo sexo, mas nasciam da
terra. O Estrangeiro lamenta que o relato dos velhos não sejam mais levados a
sério. Os mortos voltam à vida, pois o processo de nascimento é invertido da mesma
forma que o movimento circular do universo. Só haveria uma exceção que o deus
reservou para outro destino: essa exceção seriam os filósofos. Nesse período do
reinado de Cronos, o governo foi dividido entre os deuses e os seres vivos eram
governados pelos daimons, de maneira que não eram selvagens e nem se devoravam
uns aos outros.
O Estrangeiro pergunta ao jovem
Sócrates qual era a melhor época para se viver: a de Cronos ou a atual de Zeus?
O jovem Sócrates pede uma explicação, pois não sabe responder. O Estrangeiro
diz que supostamente os homens nesse tempo aproveitavam todas as oportunidades
para se ocuparem da filosofia e aprenderem com os animais, uma vez que nessa
época essa conversação era possível. Ora, chegou o momento em que o ciclo de
renascimentos chegou ao fim e que o Timoneiro largou o timão e se retirou para
o posto de vigia. A era dos homens nascidos da terra chegou ao fim. O universo
passou a se mover inversamente. Houve então uma grande colisão no universo que
produziu um aniquilamento dos seres vivos. Depois de certo tempo o universo se
estabilizou e pôde recordar os ensinamentos do artífice e pai, no começo de
maneira mais exata, mas depois de uma maneira negligente pela introdução do
elemento corpóreo em sua composição.
Então nesse momento, o homem foi
abandonado à própria sorte, e ficou exposto às feras selvagens e teve que
aprender a cuidar de si. Como escreve Voegelin, Platão rejeita como mito as
fábulas dos deuses como Prometeu que teriam ajudado os homens em invenções que
fariam avançar a civilização.Enquanto o timoneiro governava, ele produziu
poucos males e grandes bens, diz o Estrangeiro. Nesse momento o mito é
encerrado pelo fato do Estrangeiro dizer que é suficiente a apresentação do
governante régio. O mito da Idade do Ouro é rejeitado porque implica uma
renúncia à consciência filosófica, diz Voegelin.
Platão sugere que a ordem será
restaurada pelo restaurador Régio, o que se assemelha muito com a concepção de
Joaquim de Fiore do dux. No entanto, como observou Voegelin, “o dux surge de
uma tensão entre uma civilização em crescimento e uma ideia de declínio,
enquanto o governante platônico surge da tensão entre um declínio político real
e uma nova substância espiritual.” A ideia de Joaquim de Fiore de uma realização
plena com representantes do orgulho civilizacional foi realizada pelos
progressistas do século XVIII, por Comte, Marx, Mill, Lenin e Hitler, escreve
Voegelin, enquanto a realização platônica é feita com uma crescente ordenação
espiritual de um mundo em desordem por meio da figura de Alexandre, da ordem
imperial romana e de Cristo (Eric Voegelin, Ordem e História, Volume III).
Político pretende explicar qual
será a personalidade e as qualidades que o governante régio deverá possuir. No
final do capítulo que trata do Político, Voegelin escreveu essas palavras:” O
governante régio é o mediador enter a realidade divina da Ideia e as pessoas;
ele é o Zeus que rejuvenesce a ordem que envelheceu; é o médico que cura as
almas fazendo-as renascer no meio celestial (en daimonio genei); e, ao promover
esse renascimento das almas, ele proporciona à pólis uma nova substância
comunitária (homonoia) espiritual. É supérfluo destacar de forma detalhada o
paralelo entre essa evocação platônica e a concepção paulina da comunidade
cristã, unida num só corpo místico por meio do renascimento no Espírito de
Cristo, que deriva a sua coerência da harmonia (homonoia) de seus membros e
supera a diferença de talentos e caracteres pelo agape. Em vez disso, é
necessário enfatizar a diferença fundamental de que o renascimento platônico da
comunidade não é a salvação da humanidade, mas um retorno à juventude do cosmos
que será seguido, de acordo com a lei inescrutável de Heimarmene, por um novo
declínio”.(Eric Voegelin, Ordem e História, Volume III)
PARMÊNIDES
Não há filósofo na história que
escreva melhor do que Platão; pode-se dizer que desde então a qualidade
literária dos filósofos vem em uma longa decadência. Como foi possível que um
tema tão complexo e que poucas pessoas realmente demonstraram interesse em ler
e aprender o que Platão queria ensinar pudesse ser colocado em palavras e
diálogos tão belos e profundos? Nesse caso, poucos são aqueles que podem dizer
que entenderam esse que é o mais desafiador dos diálogos de Platão. Se eu
dissesse que entendi em profundidade estaria mentindo, por isso, pretendo mais
fazer um resumo do que expor a minha opinião.
Participam do diálogo três
personagens principais: Parmênides, filósofo que viveu no século V antes de
Cristo; Zenão de Eleia, que era contemporâneo de Sócrates, e o próprio
Sócrates, aqui em sua juventude. Em um encontro imaginário entre esses três
filósofos, uma questão se impõe: existe uma forma de semelhança por ela mesma e
que exista outra que seja oposta à primeira forma que todos nós classificamos
como múltiplas e participamos dessas duas? Essa é a pergunta de Sócrates. O
jovem filósofo questiona a Zenão se as coisas não são unas na sua unidade e
múltiplas na sua multiplicidade. O exemplo de Sócrates é o seguinte: não podemos
dizer que somos múltiplos pelo fato de termos um lado esquerdo e outro direito,
da mesma forma que temos nossa frente e nossa traseira? da mesma forma podemos
afirmar que somos unos pois no meio de um grupo de pessoas podemos dizer que
representamos uma unidade nesse grupo.
AS OPINIÕES DE PARMÊNIDES E DE
ZENÃO EM TERMOS HISTÓRICOS
Parmênides acreditava na unidade
e imobilidade do Ser, e que esse Ser é uno, eterno e imutável.
Zenão definia Deus como eterno e
tendo também como atributo a Unidade. Ele não teria atributos da multiplicidade
como ser limitado e móvel, nem imóvel e ilimitado, pois essas são
características do não-ser.
Voltando ao diálogo, Parmênides
questiona Sócrates sobre a doutrina desse último sobre as formas. Sócrates
responde que não está certo de que exista uma forma ideal do ser humano, assim
como do fogo e da água; ele não crê que existam formas ideais de coisas
ridículas. Parmênides pergunta a respeito se essas formas seriam unas, e
Sócrates responde que sim, pois elas manteriam sua unidade mesmo estando em
lugares diferentes. Parmênides dá o exemplo de uma vela que ilumina várias
pessoas ao mesmo tempo e assim mesmo mantém sua unidade. Sócrates concorda. Mas
Parmênides questiona sobre a teoria das formas de Sócrates a respeito de como outras
coisas participariam dessas Formas se delas não podem participar enquanto
partes ou enquanto todos. Sócrates reconhece que isso não é fácil de ser
resolvido.
Parmênides acredita que Sócrates
confunda o Uno com o que é grande, com isso o jovem filósofo estaria
multiplicando as Formas ao infinito. Sócrates responde que cada uma dessas
formas seria apenas um pensamento. Elas seriam uma coisa singular pensadas por
esse pensamento como sendo algo pertinente a tudo, e como sendo uma forma, diz
Parmênides. Sócrates afirma que essas Formas existem na natureza como modelo (paradeigmata),
e as outras coisas se assemelham a elas e nada mais.
O diálogo segue com Parmênides
fazendo algumas objeções à teoria das Formas de Sócrates e, por fim, diz a ele
que os conceitos que ele possui sobre essas Formas e o que é belo são ainda
precipitados pelo fato dele ser jovem. Parmênides, Sócrates, Zenão e um jovem
chamado Aristóteles (que não é o famoso estagirita) iniciam um novo diálogo com
esse último respondendo perguntas desafiadoras de Parmênides. Ele pergunta o seguinte,
entre uma multidão de outras questões: se o uno existe, não é possível que seja
múltiplos, não é mesmo? E o que se segue é um resumo da doutrina de Parmênides
sobre o uno em forma de perguntas e respostas.
Em determinado momento desse jogo
entre Parmênides e Aristóteles, o primeiro define alguns dos atributos do uno
que o último é obrigado a reconhecer. Parmênides afirma que o uno participa da
existência e do ser. Como comenta Mário Ferreira dos Santos a respeito desse
diálogo, o Um não está no tempo, pois tudo o que está no tempo é sempre da
mesma idade; mais velho que si mesmo; mais jovem que si mesmo; por causa disso,
o Um é atemporal. Explica o filósofo brasileiro: “quando ele( Parmênides) diz:
Então o Um não participa do ser de nenhuma maneira (Oudamos ara to en ousias
metexei) refere-se à Ousia, que corresponde à substantiados Latinos, o que
constitui o ser ôntico da coisa e também a sua essência, como substância
segunda, como forma. O Um não tem realidade fáctica (de factum, feito), não é
um ser feito, pois tais seres participam do ser (ousia). Mas tanto em Platão
como em Aristóteles, a ousia é o que se opõe, to me enai, ao não-ser. Se o ser
não é a substância (ousia) seria um não-ser.”
É um livro fascinante e muito
desafiador. Conhecer um pouco da filosofia de Parmênides é essencial antes de
começar a ler esse diálogo. Nele o jovem Sócrates desempenha o papel de
aprendiz diante de um imponente Parmênides.
FEDRO
Fedro é a continuação do tema
discutido em O Banquete, ou seja, o tema é o amor. O diálogo inicia-se com
Fedro se encontrando pelo caminho com Sócrates. Fedro voltava da casa de
Lísias, que era um mestre da retórica e redigia para ambos os lados nos
tribunais. Fedro conversa com Sócrates sobre a bela impressão que um discurso
que Lísias proferiu em sua casa causou em sua mente. Sócrates fica curioso e
pede que Fedro o reproduza para que ele possa analisá-lo.
O discurso de Lísias versa sobre
o amor entre homens como era comum naquele tempo da Grécia clássica. Lísias
acredita que a paixão entre dois amantes é prejudicial porque nunca é
satisfeita, e está sujeita a muitas aflições, como o medo da separação e o
favorecimento após a separação ao novo amado, em prejuízo do antigo amante. Ele
acredita que quem está apaixonado não consegue manter os seus negócios e nem
está em seu juízo normal. Pela conversa entre os amantes, diz Lísias, podemos
até saber se já se uniram ou vão se unir sexualmente. O homem que vive pela
paixão não só por outras pessoas, mas também pelo dinheiro e pelo conhecimento,
vivem em constante angústia pela existência de outros homens que os suplantem
em termos financeiros e de conhecimento. Lísias acredita que é melhor viver sem
se apaixonar, e preferir à amizade do que a paixão.” Liberto do amor, sou capaz
de me dominar”, proclama Lísias. Então começa uma série de recomendações de
Lísias sobre a vantagem da amizade que não espera o amor em troca, do que a
paixão. Dar comida aos mendigos e preferir os amigos que vão estar ao seu lado
na velhice e não apenas na juventude, são alguns dos conselhos dados pelo
orador.
Sócrates ouve tudo isso e,
ironicamente, diz a Fedro que adorou o discurso. Este último então pede que ele
faça um de seus famosos discursos para que possa compará-lo com o de Lísias.
Sócrates aceita o desafio. Ele então explica que o que Lísias definiu não é o
amor verdadeiro, guiado pela temperança, mas sim a paixão, que é uma forma de
amor dominada pela intemperança. Esta última é dominada pela busca do prazer; o
primeiro pela busca do que é melhor. Sócrates define o homem apaixonado como sendo
aquele que deseja que o seu amado seja inferior a ele, pois quem é movido pela
paixão não suporta a ideia da existência de um homem que lhe seja superior.
Mais grave, diz Sócrates: o homem apaixonado acaba por fazer o pior ato em
relação ao amado, que é afastá-lo da filosofia. Outro ato que o apaixonado
pratica é não desejar ou permitir que o amado se case e tenha filhos (lembremos
que o diálogo é sobre o amor entre homens). Sócrates interrompe seu discurso e
Fedro fica decepcionado por esse ter sido tão curto.
É aí que o diálogo muda de tom,
pois Sócrates é possuído nesse momento por um daimonion, o qual faz o filósofo
grego se arrepender pelo seu discurso anterior. A partir desse momento,
Sócrates pretende fazer um elogio a Eros e apresentar sua definição da natureza
da alma e o seu destino. Sócrates define a alma como imortal porque tudo aquilo
que move a si mesmo e não é movido por outro é imortal. Nesse ponto Sócrates
conta o mito do cocheiro ( ou carro alado): a alma pode ser comparada a um
carro puxado por uma parelha conduzida na sua frente por cavalos e atrás por um
cocheiro. A alma divina é conduzida por cocheiros e cavalos de boa raça; a dos
outros é conduzida por cavalos mestiços. O que Sócrates quer dizer com esse
mito? Ele explica o destino das almas e como elas perdem suas asas. A alma quer
contemplar o que é belo e eterno, pois isso as faz crescer; do mesmo modo tudo
aquilo que é mau e feio faz com que as asas diminuam. Lá no céu, os deuses
preparam um banquete. Os carros alados então começam a subir por um caminho
tortuoso. Nesse momento o carro puxado pelos cavalos de boa raça segue seu
caminho sem dificuldade, enquanto a de raça mestiça puxa para a Terra. Aqueles
conduzidos pelos cavalos de boa raça então chegam e contemplam o universo. Esses
serão aqueles que contemplam a realidade da Ideia, que é a ciência perfeita,
após terem passado pela vida e contemplado a ciência e a justiça, dessa forma
quando seus carros chegam ao céu, o condutor dos cavalos dá-lhes néctar como
recompensa. Isso é o que Sócrates define como a vida dos deuses.
Quanto ao destino das almas
conduzidas por cavalos mestiços, o seu destino é no momento da subida, quando
os cavalos começam a tropeçar, elas passam a olhar somente para baixo, ou seja,
para a realidade, perdem parte das penas de suas asas e não contemplam o Ser
Absoluto, de modo que elas caem e ficam presas a simples opinião (DOXA). Mais
adiante, Sócrates fala sobre o conceito da reminiscência (ANAMNESE). A única
alma que recebe asas é a do filósofo, pois esta com a evolução da alma sempre
relembra das verdades eternas que contemplou. É pelo fato desse homem praticar
essas recordações que sua vida se assemelha à de um deus. Sócrates considera o
filósofo que ama o que é belo como o verdadeiro amante, pois este quer sempre
voar para o alto ainda aqui na Terra, sendo tomado nesse instante por uma
espécie de loucura. Esse homem que foi iniciado nos mistérios não mais se
entregará aos vicíos como a pederastia e nem à realidade desse mundo. Todo
aquele que não foi iniciado ou se corrompeu entregar-se-á aos prazeres da
carne.
Depois de terminar o seu
discurso, Sócrates volta à realidade, e diz para Fedro que o discurso que fez
quando estava sob a influência do daimonion corrigiu o primeiro, quando ele
concordou com o caráter negativo do amor da mesma forma que Lísias. O Sócrates
do segundo discurso fala sobre o amor divino e aos bens espirituais, que são
aqueles que ele crê que os homens devam buscar; o primeiro discurso reflete sua
certeza de que o amor ao prazer carnal ( pederastia) e às opiniões desse mundo
são nocivos.
Fedro é um livro muito belo e
poético, que define de maneira breve algumas das concepções da psicologia de
Platão. A teoria da reminiscência (ANAMNESE) será discutida novamente no seu
diálogo A República. Platão acredita que o verdadeiro amante da sabedoria e
amigo dos deuses é aquele que relembra o que viu no mundo das Ideias, quando
contemplou a verdade e a justiça. Quando está nesse mundo, esse homem que vive
a vida de filósofo e que pensa e ensina tudo aquilo que um dia viu e aprendeu,
tem a obrigação de ensinar aos que ainda estão presos na caverna e só observam
as sombras na caverna a respeito das verdades eternas, para que possa libertar
àqueles que ainda vivem a vida da DOXA e do amor intemperante, fazendo dessa
forma que o verdadeiro amor possa ser dirigido às questões do espírito,
liberando o homem da prisão da carne.
TIMEU
Timeu é o diálogo mais difícil de
Platão pelo fato de ser uma espécie de Gênesis dos gregos. O livro apresenta em
uma forma resumida pelas palavras do pitagórico Timeu, os conhecimentos de
medicina, matemática, cosmologia e psicologia do tempo de Platão. De fato há
uma semelhança com a narrativa bíblica porque o Demiurgo platônico cria o mundo
e vê que ele é bom. No Timeu o mundo criado, o homem e os animais são obra de
uma inteligência que tudo criou com bondade e racionalidade. No começo tudo
estava em desordem e ao acaso na natureza, até que ela se deixou persuadir pela
Inteligência. Então Deus criou tudo de maneira boa e eliminou toda forma de
imperfeição. Tudo o que o Demiurgo cria é sempre o mais belo segundo o mito da
criação platônico.
Em sua cosmologia não existem uma
multiplicidade de universos que teriam servido de modelo para a criação Divina.
Existe na verdade apenas um céu que foi o modelo do qual Deus fez do nosso uma
cópia. Deus criou também a alma antes do corpo e a tornou imortal. O céu e o
tempo também foram criados em semelhança com a eternidade. Antes do nascimento
do céu, o tempo e os dias não existiam. O céu, segundo Platão, foi, é e será,
seguindo sempre a lei dos números. Os planetas foram criados em forma de esfera
e são a divindade visível.
O Demiurgo cria a alma do ser
humano de uma mistura e as dividiu em um número igual ao dos astros,
ensinando-lhes a natureza do Todo. Nessa parte é importante já ter lido o
Fedro. Criando as almas, Deus deu a todas o mesmo nascimento e as mesmas
paixões, de maneira que se os homens dominassem essas paixões viveriam na
justiça; se deixassem elas o dominarem, viveriam na injustiça. Se vivessem bem,
voltariam para o céu onde teriam a vida de um deus; se vivessem na injustiça,
reencarnariam com forma feminina, e se persistissem, assumiriam um corpo de
animal.
Mais adiante, Platão diferencia
os homens que vivem da opinião e dos que vivem pelo intelecto. A intelecção
ocorre em nós pela ação do pensamento científico e da opinião somos
persuadidos. A intelecção vem acompanhada de uma demonstração verossímil; a
opinião não aceita demonstração. Todos os homens participam da opinião; da
intelecção participam os deuses e apenas uma parte dos homens. Daí nasce a
realidade que tem forma imutável e não é perceptível pela vista e que só é dado
ao intelecto contemplar. A outra realidade está submetida aos sentidos e é
acessível à opinião unida à sensação.
A harmonia necessária entre a
alma e o corpo também é enfatizada no discurso de Timeu. De nada vale se ocupar
somente com questões intelectuais se o corpo é esquecido; ocupar-se também
somente do corpo produz uma revolução nos elementos e produz o que é pior em um
homem: a ignorância. Platão fala sobre isso no diálogo Filebo, ou seja, que o
homem são é uma mistura de saber e prazer. Para tratar da alma, a filosofia é
recomendada.
AS LEIS
No livro III de As Leis, o
personagem O Ateniense (Platão) pergunta a Clínias qual é a origem das
constituições. Esse pede ao Ateniense a explicação e esse lhe conta um mito: no
princípio, já existiam cidades e constituições, mas o grande dilúvio que
destruiu o mundo ( que é narrado em seu diálogo Crítias) fez desaparecerem as
cidades e as constituições. O Ateniense diz que é fácil de presumir que apenas
aqueles que viviam nas montanhas, isso é, os pastores conseguiram sobreviver.
Depois de algum tempo, a
humanidade foi se reunindo novamente, e com a ajuda dos deuses conseguiu
recuperar algumas das antigas invenções do homem. Esses homens passaram a se
organizar através da autoridade do pai, que é o primeiro governo que se
estabelece com a autoridade pessoal; o segundo é a reunião de clãs de famílias
que se organizaram, e esses formam a aristocracia; o terceiro é o Estado misto,
que Platão classifica como democracia, e por fim, o quarto que é a confederação
desses três Estados associados que formam a nação.
Platão faz algumas observações
sobre os Estados que existiam em sua época. Aos persas ela reprova o fato de
que a educação dos reis desde o reinado de Ciro ter sido confiada a mulheres e
eunucos. Com isso o filósofo acredita que os persas desde então foram dominados
pela escravidão e pelo despotismo.
O legislador, segundo o discurso
do Ateniense, deve procurar a liberdade, a unidade e a racionalidade para o
Estado que governa. A liberdade no império persa foi perdida pela escravidão.
Mas e quanto a Atenas? Será que Platão considerava essa cidade-estado como
aquela que alcançou as leis mais justas? Não, porque Atenas caiu no erro oposto
ao do império persa e introduziu a liberdade sem limites, isto é, a democracia.
Mais uma vez, assim como em A República, Platão conclui que uma excessiva
liberdade e revolução na música seja a característica de um Estado em que a
liberdade destrói os costumes e as leis.
Existem nesse diálogo As Leis
toda uma série de recomendações que o legislador deve impor aos cidadãos do
Estado socialista imaginado por Platão. É claro que algumas dessas leis são
claramente impraticáveis, como a comunhão de mulheres e filhos. Isso vai ser
descartado por Aristóteles em sua Política. Platão, no entanto estava muito
preocupado com a harmonia e a beleza dos pais, dos filhos e da sociedade como
um todo. É por isso que ele vai escrever longamente sobre a educação.
Repetindo algumas das ideias já
expostas em A República, Platão concede à música e ao movimento um grande
destaque em sua Paidéia; inclusive é de se espantar que ele considerasse a
educação da criança pela forma que sua mãe agisse durante a gravidez. É durante
a gravidez e quando o bebê ainda está no colo que começa o processo de
educação. A criança nesse estágio seria educada pelo movimento da mãe ao
embalá-la e com canções de ninar apropriadas para que já nesse estágio
adquirisse uma personalidade estável e corajosa, visto que Platão queria evitar
ao máximo que o medo penetrasse na alma de uma criança.
A educação seria igual para
meninos e meninas, com ambos aprendendo ginástica, equitação e arco e flecha.
Depois de exibir uma misoginia que estava quase que ausente em suas outras
obras, Platão se retrata e defende a igualdade de homens e mulheres, pelo menos
nesse ponto. As mulheres devem aprender ginástica e a arte da guerra para que
quando a cidade fosse atacada elas pudessem se defender e à cidade. A educação
dessas crianças também deveria incluir a matemática, a poesia e a astronomia.
Platão quer que o homem se prepare para a guerra para poder viver em paz. Ele
acredita que o homem deva se ocupar de coisas sérias, e nada existe de mais
sério do que a divindade (Demiurgo). Ora, o homem foi criado como um brinquedo
da divindade, e isso é a melhor parte; portanto o ser humano deve se preocupar
com a melhor parte e divertir-se com os jogos mais excelentes. Devemos, segundo
o filósofo, viver sacrificando, cantando e dançando, vivendo assim em paz e
contemplando alguns lampejos da verdade.
O Estado proposto por Platão em
As Leis é socialista como em A República, mas em As Leis a religião possui uma
importância muito maior do que na República, e ao contrário da sociedade
imaginada por Sócrates nesse diálogo anterior, em As Leis a escravidão é
introduzida e seu funcionamento é descrito em detalhes.
As Leis não é um livro agradável
de se ler, o que pode parecer estranho para quem está acostumado a ler os
diálogos de Platão como o Banquete, Fedro e Político. Platão discute o problema
da educação. Nesse momento o diálogo ganha força.
A POLÍTICA E O MITO EM PLATÃO
O filósofo Eric Voegelin analisou
a obra a República, de Platão, na sua obra Ordem e História. Primeiramente
Sócrates busca definir o que é um filósofo de verdade. Para ele, o verdadeiro (ALETHINOS)
filósofo é o homem que ama olhar com admiração (PHILO THEAMONES) para a
verdade. Aqueles que conseguem ver o “um” nas “muitas” coisas são os
verdadeiros filósofos. Voegelin prossegue: apenas o conhecimento do “ser em si
mesmo” pode realmente pretender o título de conhecimento (EPISTEME); o
conhecimento do ser na multiplicidade das coisas é opinião (DOXA).
A humanidade requer uma teoria
verdadeira, pois um homem com uma teologia falsa é um homem não verdadeiro.
Estar enganado na alma sobre o ser (PERI TA ONTA) verdadeiro significa que a
própria mentira (HOS ALETHOS PSEUDOS) tomou posse da parte mais elevada da
pessoa (382). Para a teologia ser verdadeira, Platão destaca duas regras:
1-Deus não é o autor de todas as
coisas, mas apenas das coisas boas.
2- Os deuses não enganam os
homens em palavras ou atos.
A filosofia para Platão é acima
de tudo um ato de salvação para si mesmo e para os outros, e também um ato de
julgamento. Para Voegelin, a filosofia de Platão não é uma filosofia, mas a forma
simbólica que uma alma Dionisíaca expressa sua ascensão para Deus.
Em seus primeiros anos, Platão
ainda estava próximo da concepção Socrática de virtude que é o conhecimento.
Agora encontramos uma Sophia que é nutrida pela parte racional da alma, o LOGISTIKON,
presente em todos os homens, que só é despertado quando a sabedoria prevalece
sobre as paixões.
Ao todo são quatro as faculdades
do conhecimento: EIKASIA, PISTIS, DIANOIA e NOESIS ou EPISTEME. A constituição
transcendental da alma pode ser alcançada quando um homem percorre as formas de
conhecimento, quando ele ascende do domínio das sombras (EIKASIA) para o
domínio das ideias(EPISTEME), e por fim, para a visão do próprio AGATHON(
aquilo que dá aos objetos do conhecimento a sua verdade a ao conhecedor o poder
de conhecer).
A oposição do filósofo aos poetas
deve-se ao caráter mimético da sua obras. A mimesis é repreensível por duas
razões, segundo Platão: a imitação não é o original e o filósofo está em busca
do original, da ideia; em segundo lugar o imitador e sua obra é o terceiro grau
de afastamento. A Paideia do filósofo luta contra a Paideia do mito. Em
Sócrates, a alma do homem encontrou a si mesma. Depois de Sócrates, nenhum mito
é possível.
Agora Platão nos narra o seu mito
da caverna. Voegelin diz que o mito prepara o conhecimento da PAIDEIA. A
educação de um homem é incompleta se ele não experimentou a verdade da alma, a
PERIAGOGE. Depois do homem ser solto da caverna e ter experimentado a
contemplação divina, ele quer ficar lá para sempre. Esse homem (filósofo) que
experimentou a eudaimonia irá sentir-se inclinado a permanecer na contemplação
e não irá querer voltar para os seus companheiros prisioneiros. Haveria então a
tentação de esse filósofo tornar-se apolítico. Mas ele deve descer e sacrificar-se
à polis.
Ele então desce (KATABATEON).
Sócrates desceu para ajudar os prisioneiros da caverna e consegue discernir as
sombras (EIDOLA) das coisas reais. Como o filósofo viu o AGATHON, a polis sob
seu comando será governada com uma mente desperta (HYPAR) em vez de ser
conduzida como as outras Pólis como num sonho (ONAR).
A Pólis é boa quando o LOGISTIKON
predomina na alma. Ela é uma timocracia quando o PHILOMIKON predomina; e é uma
oligarquia quando as paixões do EPITHIMETIKON e do PHILOCHREMATON predominam.
Platão analisa também a transformação da alma democrática para a despótica. Em sonhos,
a parte ruim da personalidade lança-se em assassinatos, incesto e perversões. O
homem sábio conhece essa possibilidade, e então não dormirá antes de ter despertado
o LOGISTIKON em sua alma. Ele não permitirá a oscilação de seus desejos para
que a contemplação não seja perturbada. O seu sono não será perturbado por
sonhos ruins. Já o homem despótico irá deixar-se dominar pelos seus apetites e
a volúpia de seus sonhos irá dominá-lo em sua vida desperta.
Por fim, há o destino da alma.
Ela não pode ser destruída por seus próprios males, sendo duradoura e imortal (609),
e como é imortal sua natureza é semelhante ao divino.
A NOVA PAIDÉIA DE PLATÃO EM A
REPÚBLICA
O debate sobre as artes
imitativas aparece no livro III da República. Platão acredita que os poetas
desvirtuam o povo por sua imitação daquilo que o filósofo considera censurável,
como, por exemplo, a imitação dos gemidos, os lamentos, os risos e os sons dos
animais e do tempo. Do ponto de vista de Sócrates, as narrativas dos poetas só
deveriam mostrar a coragem, a firmeza, ao invés de mostrar a ambição e a
ganância. A poesia também deveria se preocupar com os atributos dos justos em
oposição aos dos injustos. Para Platão, as narrativas de poetas como Homero são
verdadeiramente poéticas, e, por causa disso, menos deveriam ser escutadas pela
população que pretende ser livre e não escrava (387 a-e). Certas palavras
usadas pelos poetas são uma influência negativa para a educação dos guardiões.
Platão considera lamentável que os poetas façam homens respeitáveis e deuses
serem atacados por acessos de risos (388 a-e). O mal que essas poesias podem
causar nos jovens e nos governantes é o de fazer crer que os heróis não são em
nada melhores que os homens. O mal nunca vem dos deuses, lembra-nos Platão. Por
causa do costume do jovem ou governante ouvir relatos de maldade dos deuses e
heróis como os descrevem os poetas, eles (jovens ou governantes) acreditarão em
desculpas por suas maldades, pois os deuses os precederam (391 a-e). O
governante jamais deve ser imitador de algo que os poetas propõe, mas sim, da
coragem, sensatez, pureza, liberdade e todas as qualidades dessa espécie, que
aprenderiam desde a infância. A humanidade (e a Pólis) precisam de uma teologia
verdadeira, pois um homem com uma teologia falsa é um homem não verdadeiro.
Estar enganado na alma sobre o ser verdadeiro (PERI TA ONTA) significa que a
própria mentira (HOS ALETHOS PSEUDOS) tomou posse da parte mais elevada da
pessoa (382 a-e). Para a teologia ser verdadeira, Platão destaca duas regras:
Primeira: Deus não é o autor de
todas as coisas, mas apenas das coisas boas.
Segunda: os deuses não enganam os
homens em palavras ou atos.
A nova Paideia que Platão propõe-
além da imitação das virtudes citadas acima-, possui alguns elementos que
constituem a sua concepção de educação e de que modo ela deve ser procedida. Na
República, a sua Paideia se divide entre classes: agricultores, que devem ser
educados para o serviço prático; soldados, que devem ser educados pela
ginástica e pela música, para que tenham agilidade e sensibilidade para a
defesa da polis; por fim, tem-se a classe dos governantes, que devem ser
educados pela filosofia, pois é esta classe que vai determinar os rumos da
cidade.
Platão estabelece regras para as
letras que terão espaço em sua cidade, que terá, por exemplo, de ter a
obrigação de ser em primeira pessoa, pois esta forma não oculta o narrador.
Depois vem a questão da música, muito importante na República. A música deverá
inspirar sentimentos belos, e combater o vício, a licença, a baixeza e o
indecoro(401 a-e). Com isso, desde a infância a criança seria educada a amar o
belo e a odiar as coisas feias e que não possuem harmonia. A ginástica é outra
atividade recomendada por Platão, pois depois de haver tratado do espírito é
necessário tratar do corpo. Essa ginástica seria simples, e com dois aspectos
complementares: a alimentação, que deve ser sem exageros; a medicina, que só
deve ser ministrada aos homens sadios. A música e a ginástica devem ser
combinadas para estarem em harmonia, pois quem se dedica somente à ginástica
fica rude e grosseiro, assim como quem só se dedica à música fica mole e doce
em excesso. Por fim, existe a questão de quem governará a Pólis? Segundo o
livro didático, entre aqueles educados na proposta apresentada, serão os
melhores os mais velhos, com inteligência autoridade e sentimento patriótico.
Desde pequenos deverão ser postos às provações, e os que resistirem serão
guardiões. Existe também a polêmica questão da eugenia, com sua eliminação dos
mais fracos. Sócrates também propõe a questão da mentira necessária: o mito do
nascimento humano a partir da terra, que seria contada na infância do
governante. Essa foi minha apresentação da proposta de Platão de uma nova
Paideia.
A IDEIA DO BEM E DA PAIDEIA NO
PENSAMENTO DE PLATÃO
A filosofia de Platão é a mais
bela e completa que existe. O presente trabalho demonstrará que desde a criação
de um universo como cópia da Ideia, passando por um mundo material que foi
criado por um ato de bondade do Bem, até chegarmos ao filósofo que fará o papel
de intermediário na comunicação desta obra de perfeição do universo aos homens
que ainda estão presos na caverna, a filosofia platônica une a ideia do Bem à
educação. O Bem está no centro do ensinamento da Paideia de Platão. Sua
filosofia é uma inversão do princípio dos Sofistas para quem o homem era a
medida de todas as coisas. Platão fará sua filosofia criar uma teologia
verdadeira para o homem. Nela Deus é a medida de todas as coisas. O desejo de
criar um homem que contemple a ordem da criação e através da educação passe a
ter domínio de si mesmo representa todo o esforço e a beleza da filosofia
platônica.
A filosofia de Platão possui dois
temas que estão unidos: a noção de Bem e a Paideia. No pensamento platônico,
conforme narrado em A República no mito da caverna, o filósofo é como o
prisioneiro da caverna que conseguiu libertar-se e contemplou o mundo das
Ideias. O Bem contemplado pelo filósofo também é visível no universo criado
pelo deus-artífice- o Demiurgo-, que no diálogo Timeu fez um cosmos como cópia
da Ideia, tendo com intermediários os Entes matemáticos e, por último, a
realidade sensível. A criação é um Bem que o filósofo reconhece, só que esse
mundo é um reflexo sem a perfeição do mundo das Ideias. A bondade da criação e
a visão do noumenon é o que Platão pretende comunicar aos governantes e à
população. Como foi dito acima, o Bem deve ser transmitido aos homens através
de uma educação( Paideia) que tenha como objetivo formar uma alma bem ordenada.
O tema está contido em alguns dos principais diálogos de Platão, porque esse
filósofo sempre teve como missão estudar o mundo do phenomenon e do noumenon,
ainda que ele pretenda que tenhamos mais atenção ao último, ele também vê no
mundo físico uma ordenação criada por um ato de bondade do Demiurgo.
O filósofo é aquele vai ensinar
aos homens o Bem visto no mundo das Ideias, e irá fazer com aqueles que ainda
não contemplaram essa realidade passem a fixar, segundo Voegelin (Ordem e
História, 2009, pág. 172), “o olhar de sua alma no bem em si, e devem usá-lo
como um paradigma para a ordenação reta da Pólis, dos cidadãos e de si mesmos
para o resto de suas vidas.” A escolha deste tema é importante para um melhor
entendimento de como a filosofia platônica pretendia fazer a alma e o corpo do
homem serem bons como o universo é bom. O Bem e a Paideia precisam ser
estudados juntos para que a doutrina de Platão possa ser compreendida com maior
profundidade. Como esse é um tema rico em possibilidades, um trabalho desse
tipo pode ser de grande ajuda. “O pensar é para o Homem o passeio da alma”
O BEM
1. O Bem como o modelo do
Demiurgo: O Timeu
Platão criou uma narrativa da
criação que explica as causas da natureza, a alma e a forma material. O Bem é
anterior a todas as coisas do Universo. Depois vem o Paradigma Inteligível.
Junto a ele está o Artífice, chamado por Platão de Demiurgo. Segundo Proclo
(1997, pág13),
“Platão antes dessas coisas
investiga as causas principais, ou seja, a causa produtora, o paradigma e a
causa final. Ele também põe um intelecto demiúrgico sobre o universo, e uma
causa inteligível na qual o universo subsiste primariamente, e o Bem, que é
estabelecido de maneira anterior à causa produtora na ordem do desejável.”
No diálogo Timeu, Platão elabora
um mito a respeito da criação do Universo. Narrado pelo Pitagórico Timeu, o
diálogo descreve como o Demiurgo criou o cosmos como uma imagem da Ideia. Timeu
abre o seu discurso com estas palavras: “tudo o que se gera necessariamente é
gerado por algo: de fato, é impossível que algo se gere sem ter uma causa.” O
texto do Timeu diz assim mais adiante: Na minha opinião, em primeiro lugar é
preciso distinguir as seguintes coisas: o que é aquilo que é sempre e não devém
e o que é aquilo que devém, sem nunca ser? Um pode ser apreendido pelo
pensamento com o auxílio da razão, pois é imutável. Ao invés, o segundo é
objeto da opinião acompanhada da irracionalidade dos sentidos e, porque devém e
se corrompe, não pode ser nunca. Ora, tudo aquilo que devém é inevitável que
devenha por alguma causa, pois é impossível que alguma coisa devenha sem o
contributo duma causa. Deste modo, o Demiurgo põe os olhos no que é imutável e
que utiliza como arquétipo, quando dá a forma e as propriedades ao que cria. É
inevitável que tudo aquilo que perfaz deste modo seja belo. Se, pelo contrário,
pusesse os olhos naquilo que devém e tomasse como arquétipo algo deveniente, a
sua obra não seria bela.” É sobre esta estrutura de cópia que se funda a
possibilidade de saber algo realmente sobre esse mundo em devir. Proclo
(1997,pág 283) fala do Demiurgo como um paradigma com essas palavras:
“Platão, portanto, indicando
essas coisas, e através delas afirmando que a posição do paradigma do Universo
não está posicionado entre uma multiplicidade de naturezas eternas, mas é a
mais eterna de todas elas e primeiramente eterna, chama o mundo o mais belo de
fato, mas o Demiurgo o mais excelente.”
Mais adiante, Proclo (1997, pág
286) fala sobre o Paradigma:
“Platão, de fato, demonstrou que
o Demiurgo olhou para um Paradigma, e esse sendo o mais excelente, o fez olhar
para o mais divino deles, o qual ele disse que o Universo foi fabricado
conforme o Inteligível. Mas que o universo é também vencido pela forma e
verdadeiramente imita seu Paradigma é manifesto pelo que é dito agora. Porque
se o mundo é uma imagem, o universo é assimilado ao Inteligível. Pois o que não
é diferente, mas similar, é uma imagem. Você tem então o universo sensível, a mais
bela das imagens; o universo intelectual, a melhor das causas, e o universo
Inteligível, o mais divino dos paradigmas.”
A ordem cósmica que revela-se aos
sentidos, só pode ser reproduzida por uma História narrada. Um saber que vá
além dessa história estaria em contraste com a nossa natureza humana. Passar do
não-ser para o ser já é o primeiro ato de bondade de Deus. Esse mesmo Deus não
é de forma alguma invejoso, pois quis que todas as coisas se tornassem ao
máximo semelhantes a Ele. O universo é belo, desprovido de toda imperfeição e
semelhante ao Artífice. O Demiurgo então criou o corpo do Cosmos juntando
elementos como a água, o ar, a terra e o fogo, e unindo estes elementos em uma
proporção certa, tornou-o imune à velhice e às doenças. A figura que melhor se
adequou a esse corpo foi a esférica, com uma revolução em torno de si mesmo e
com rotação circular. Este mundo criado não tinha necessidade de nenhum outro
órgão. Na sequência do diálogo, o Demiurgo cria a alma antes do corpo, pois o
elemento mais velho não pode estar submetido ao mais novo. O Artífice viu que a
sua criação era boa, uma vez que a alma era eterna, tentou adaptá-la ao mundo,
porém, viu que era impossível. Fez, então, uma eternidade una e imóvel que é o
tempo que progride segundo a lei dos números. Criando os planetas e um Sol que
nos ilumina, Deus fez os seres humanos participarem do Número.
.A CRIAÇÃO DO MUNDO SENSÍVEL
Platão diz que no início havia
elementos de água, ar, fogo e terra, porém sem qualquer equilíbrio. Elas se
encontravam sem razão e sem medida. Quando o Demiurgo começou a organizar o
universo, esses elementos já tinham forma própria, mas se achavam em uma
condição em que era natural que estivessem porque Deus estava ausente. A tarefa
do Demiurgo era, portanto, levar tal massa informe da desordem à ordem. Segundo
Reale “Deus os produz e os constitui, de modo belo e bom, operando por meio de
formas números.” O mundo corporal nasce de uma combinação entre necessidade e
de inteligência. De acordo com o texto de Reale, Platão criou as seguintes
analogias para descrever a matéria:
Necessidade, causa errante,
receptáculo que tudo gera, aquilo em que se gera o que se gera, potência que
não se esgota ao receber várias coisas que recebe; natureza sempre idêntica a
si mesma no seu fundamento; realidade amorfa; realidade participante de modo
complexo do inteligível; realidade difícil de compreender, obscura e
incompreensível; realidade em si invisível, mas visível nas suas várias
manifestações; realidade comparável a uma nutriz, a uma mãe, ao material de
impressão, ao ouro plasmável, ao material mole modelável de várias maneiras e a
líquido inodoro que recebe os vários odores.
Segundo Proclo (1997, pág 14), a
natureza corpórea é produzida com Formas, e dividida por números divinos; a alma
é também produzida pelo Demiurgo e é preenchida com raciocínios harmônicos, e
com símbolos divinos e demiúrgicos.”
O corpo também possui dignidade
por causa da iluminação da alma. De acordo com Proclo (1997, pág 617), “a alma
subsiste com proporções harmônicas e o Todo da natureza corporal formada está
em amizade com ela através da analogia, que é harmoniosamente composta. Nenhum
laço pode ser mais belo, divino e perpétuo, pois apesar da alma ter sido gerada
antes do corpo, Platão concedeu a este a essência, a harmonia, a figura, a
potência e o movimento. O Demiurgo quando colocou o Intelecto na alma e a alma
no corpo, criou o Universo.”.
A TERRA E SEUS ELEMENTOS
GEOMÉTRICOS
O Demiurgo criou o mundo
inspirado pelo modelo ideal eterno. Conforme foi estabelecido por Platão acima,
aos elementos que formam o universo, como a água, o fogo, o ar e a terra, ele
os associou a elementos geométricos como o tetraedro (fogo), o hexaedro (terra),
o octaedro (ar), o dodecaedro (modelo dos cosmos) e o icosaedro (água).
Na República, Platão vai fazer o
filósofo ensinar ao povo que deve-se estudar primeiro àquelas coisas que estão
no alto. A geometria fará parte da Paideia que será ensinada na Pólis. Esta
disciplina será ensinada junto com a astronomia e a estereometria. A ciência
deve começar estudando o que está no céu. Sócrates diz que a geometria nos faz
estudar as coisas celestes. Ela promove a contemplação e faz parte de um
programa de estudos que têm como objetivo fazer a alma mirar o Ser e o
invisível, sem o qual a educação não faz sentido.
O PODER DO DEMIURGO
Segundo esta passagem do Timeu,
“o Demiurgo produz o bem ao ordenar o caos dos elementos originais, quando
realiza o Bem e o melhor e produz o que é belíssimo.”
Platão define isso no diálogo que
querer fazer o bem é tornar as coisas ordenadas. Ainda no Timeu, o filósofo
grego diz que a ciência e a potência de Deus consiste em misturar os muitos em
um. O Deus-Artífice platônico construiu um universo a partir de uma desordem e
de sua ação produziu-se o Bem. Em uma passagem do mesmo diálogo, Platão diz que
“Deus possui de maneira adequada a ciência e, ao mesmo tempo, a potência para
misturar muitas coisas na unidade e de novo dissolvê-las da unidade em muitas
coisas. Mas não há nenhum dos homens que saiba fazer nem uma coisa nem outra,
nem haverá no futuro.” O homem pode contemplar a Criação e tentar, segundo
Reale (2009, pág 530), “imitar nesse mundo imagens da Ideia através da técnica e
da arte” . O homem que primeiro vai fazer essa contemplação do Mundo das Ideias
e transmiti-las aos outros homens é o filósofo. Isso se dará no diálogo A
República.
O FILÓSOFO CONTEMPLA O BEM: A
REPÚBLICA
Sócrates torna-se a figura
central que vai expor a doutrina platônica da contemplação do Bem e da Ideia.
Em um determinado momento do diálogo, Glauco, ansioso, pergunta a Sócrates
sobre como ele crê que o homem possa conhecer o Bem. Sócrates, então, esclarece
que existem coisas do mundo visível que são múltiplas, enquanto a cada uma
delas corresponde uma ideia que é única, que chamamos a sua essência. As
primeiras diremos que são visíveis, mas não inteligíveis, e de outra forma
diremos que as Ideias são inteligíveis, porém, não visíveis.
Sócrates então pergunta por que
meio vemos aquilo que é visível, e ouve como resposta que é por meio da visão.
Ora, o homem percebe os objetos pela visão por causa da luz, e essa luz tem
como causa o fato dela ser gerada por um deus do céu. Esse deus é o Sol. Ele é
o filho do Bem na ordem da criação platônica. O homem, segundo Damáscio ( apud
Proclo, pág 326), ao “aproximar-se do imenso princípio deve contemplá-lo em um
silêncio místico.”
O diálogo prossegue. Sócrates
explica que quando nossos olhos são iluminados pela luz do Sol, nossa alma
passa a ser iluminada pela verdade do Ser ela compreende e conhece. Entretanto,
se ela se fixa em objetos na qual se misturam as trevas da noite, ela passa a
ter meras opiniões sobre aquilo que nasce e morre. A visão e a luz não podem ser
igualadas ao Sol, da mesma forma que a ciência e a verdade ainda que se
assemelhem ao bem, elas não são o Bem em si mesmo. Segundo Eric Voegelin (2009,
pág 173), “essas são as proposições referentes ao sol que servem como analogon para
tornar inteligível o papel do Agathon no domínio noético (noetos
topos).”Prossegue Voegelin dizendo que “ o Agathon não é nem intelecto (nous),
nem seu objeto (nooumenon), mas aquilo que dá aos objetos do conhecimento a sua
verdade e ao conhecedor o poder de conhecer.”
No Timeu, Platão já havia falado
sobre a visão com essas palavras:
“em meu entender, a visão foi
gerada como causa de maior utilidade para nós, visto que nenhum dos discursos
que temos vindo a fazer sobre o universo poderia de algum modo ser proferido
sem termos visto os astros, o Sol e o céu. Foi o fato de vermos o dia e a
noite, os meses, os circuitos dos anos, os equinócios e os solstícios que deu
origem aos números que nos proporcionaram a noção de tempo e a investigação
sobre a natureza do universo. A partir deles foi-nos aberto o caminho da
filosofia, um bem maior do que qualquer outro que veio ou possa vir alguma vez
para a espécie mortal, oferecido pelos deuses. Por que razão havemos de
celebrar os outros que são inferiores a estes, pelos quais só um não-filósofo
choraria, se ficasse cego, com lamentos em vão?”
Começa agora o Mito da Caverna.
Sócrates quer que imaginemos um grupo de prisioneiros algemados pelas pernas e
pescoço. Eles só podem olhar para a parede da caverna e nunca para a sua
entrada. Na parede da caverna são refletidas imagens de homens e animais. Essas
não passam de sombras de objetos reais de fora da caverna, mas aqueles
prisioneiros não sabem disto. Imaginemos então que um dos prisioneiros
conseguisse sair da caverna. A primeira coisa que lhe aconteceria é que seus
olhos não estariam acostumados à luz do sol. O que ele teria que fazer seria
primeiro olhar para as sombras dos objetos, depois para os homens e animais e,
por último, para as estrelas e a lua no céu. Depois que ele conseguisse fazer
isto, a contemplação do Sol seria possível.
O FILÓSOFO DESCE À CAVERNA
Após ter contemplado o Mundo das
Ideias, o prisioneiro que se libertou (que é a imagem do filósofo), tem vontade
de ficar fora da caverna para sempre, já que a realidade da mesma não mais o
atrai. Porém, este homem deve descer novamente à caverna e ensinar aos que
ainda não contemplaram a verdade o que ele viu. Não é uma tarefa simples, pois
envolve o risco dele ser mal interpretado. Mas ele tem que começar a ensinar
aos seus companheiros o seu programa da Paideia. A caverna é uma imagem da
Pólis, e esta na concepção de Platão “tem o direito de exigir o sacrifício do
filósofo porque ela lhe proporcionou educação que deve habilitá-los a unir a
Pólis.” O filósofo viu o Agathon, e a “Pólis sob seu comando será governada com
uma mente desperta (hypar) em vez de ser conduzida, como a maioria das Pólis de
hoje, obscuramente como num sonho (onar).”.
O EROS COMO O AMOR PELO BEM: O
BANQUETE
Este divertido diálogo tem como o
tema principal uma discussão sobre o Eros. Vários são os participantes do
banquete, mas o que nos interessa é o discurso do Sócrates. Vamos a ele.
Sócrates define primeiramente Eros como o desejo indefinido daquilo que nos
falta. Sócrates faz o outro participante do diálogo, Agaton, lembrar-se do que
havia dito em seu discurso de que Eros é carente do belo. Questionado por
Sócrates, Agaton confirma que Eros é carente do belo e que o belo é o bem.
Neste momento do diálogo, Sócrates interrompe a conversa com Agaton para relembrar-se
de um diálogo que teve com a sacerdotisa Diotima. Essa lhe fez perguntas na
ocasião sobre Eros, e Sócrates a responde que Eros era belo e que pendia ao
bem. Diotima diz, contrariamente a Sócrates, que Eros não é belo nem bom. Ora,
o não-belo não quer dizer que Eros é feio, esclarece Diotima. Mais adiante,
Diotima faz Sócrates reconhecer que Eros deseja o bem e o belo, que são coisas
que lhe faltam. Eros está entre o mortal e o imortal. Ele é um daimon, que é um
intérprete e mensageiro. Ele leva aos deuses os assuntos humanos e aos humanos
ele traz mensagens divinas. Leva preces e sacrifícios e traz respostas aos
sacrifícios. Diotima diz que Deus e o homem não se misturam, mas que é através
de Eros que este contato é possível. Mais adiante, Diotima conta a mitologia de
Eros, que é filho de Penúria e Caminho. Ele é carente de beleza, mas herdou do
pai o pendor por coisas belas e boas. Ele ocupa o meio termo entre o saber e a
ignorância. Deus não filosofa, pois já sabe de tudo. Os ignorantes não filosofam
nem desejam ser sábios. Os ignorantes não filosofam uma vez que não sentem que
lhe falta alguma coisa. Sócrates então questiona Diotima sobre quem filosofa.
Ela o responde: quem se encontra no meio entre o saber e a ignorância. Eros é
um deles. Eros é a posse perpétua do bem. Segundo Jaeger (1995, pág 740), “o
Eros socrático é o anseio de quem se sabe imperfeito por se formar
espiritualmente a si próprio, com os olhos sempre fitos na Ideia. É, em rigor,
o que Platão entende por filosofia: a aspiração de conseguir modelar dentro do
homem o verdadeiro Homem.” Agora surge, por fim, o papel do educador. Para
terminar esse capítulo, uma citação de Voegelin faz-se necessária:
“Apontamos antes que permanece um
mistério o modo como o homem, na dimensão temporal do ser (thnetos de Platão),
pode experimentar o eterno. Há, então, a necessidade de um mediador que
interprete e diga aos deuses o que está acontecendo entre os homens, a aos
homens o que está acontecendo entre os deuses. O papel de mediador é atribuído
por Platão a um espírito muito poderoso, pois todo o reino do espiritual (pan
to daimonion) jaz entre (metaxo) Deus e o homem. Este espírito (daimon) deve
misturar, pela força de sua posição de intermediário, o que não se mistura, à
medida que está em confronto objetivo, e os dois polos ele há de fundir num
grande todo. O simbolismo discretamente aponta para o cerne da matéria: é o
homem que não é simplesmente thnetos, mas experimenta em si mesmo a tensão para
o ser divino e, então, está entre o humano e o divino. Quem quer que tenha esta
experiência se eleva acima do mortal e se torna um homem espiritual, o daimonios
aner.”
A PAIDEIA
A educação como um ato de
anamnese: o Menon e o Fédon
Menon pergunta a Sócrates: e de
que modo procurarás, Sócrates, aquilo que não sabes exatamente o que é? Pois
procurarás propondo-te que tipo de coisa, entre as coisas que não conheces? Ou
ainda que, no melhor dos casos, a encontres, como saberás que isso é aquilo que
não conhecias? Sócrates responde com o argumento de que a alma já renasceu
diversas vezes e que quando passou pelo Hades aprendeu muitas coisas, e que
quando a alma renasce é possível que ela se lembre daquilo que já viu. Procurar
e aprender, para Sócrates, são a mesma coisa, ou seja, uma
rememoração.Sócrates, então, propõe demonstrar a sua tese com o auxílio de um
escravo de Menon. Com o auxílio da matemática, que faz parte do programa da
Paideia, Sócrates faz o escravo traçar desenhos geométricos no chão, e como no
papel de professor, ele vai aos poucos trazendo à mente do escravo conceitos
que esse último parecia ignorar. Com a sequência do ensinamento, Sócrates leva
o escravo à aporia. O Filósofo lembra a Menon sobre a ironia que este fez a ele
dizendo que ele parecia com um peixe-elétrico que entorpecia quem se aproximava.
O fato do escravo estar entorpecido por experimentar a aporia como faria o
peixe-elétrico não quer dizer que tenhamos causado algum dano a ele. Logo após
este aparente impasse, o escravo “rememora” a solução do problema matemático
que Sócrates o propôs. Possuir ciência, para Sócrates, é relembrar-se do que já
sabíamos de vidas passadas.
No Fédon, Sócrates ensina que o
saber é uma reminiscência. Ele dá um exemplo: a lira traz à mente das pessoas a
imagem do amor, dessa maneira quando o apaixonado vê um destes instrumentos,
ele se lembra da pessoa amada. E isso é uma forma de anamnese. A alma cada vez
que renasce esquece temporariamente o que sabia, e é por isso que a Paideia vai
fazer o homem instruir-se pelo método da recordação.
PAIDEIA SOFÍSTICA OU PAIDEIA
SOCRÁTICA?
PROTÁGORAS
Sócrates é surpreendido um dia
com o chamado de seu amigo Hipócrates. Esse o avisa que na cidade encontra-se o
famoso sofista Protágoras. Sócrates percebe a excitação de seu amigo com o
fato, mas tenta fazê-lo se acalmar com algumas perguntas. Entre elas é saber no
quê o ensinamento de Protágoras melhora ou transforma a pessoa? Hipócrates o
responde dizendo que Protágoras transforma seus alunos em sofistas. Isso não
agrada a Sócrates. Hipócrates acrescenta que os sofistas ensinam a seus alunos
como tornarem-se excelentes oradores, mas Sócrates o faz ver que tornar-se
orador para defender algo indefinido não será de muita utilidade, e o adverte
que a aula de Protágoras pode colocar sua alma em risco. Os sofistas não são
pessoas em que se possa confiar.
É a vez de Protágoras
apresentar-se e expor sua doutrina. Ele vê os sofistas como pessoas que vestem
a roupagem da poesia, da música e do atletismo. Estas atividades faziam parte
da Paideia dos sofistas e isso lhes causava grande orgulho. O objetivo do
sofista é tornar a pessoa melhor, diz Protágoras. Enquanto outros sofistas
ensinam aos seus alunos a arte do quadrivium, Protágoras se preocupa mais com
aulas sobre política e assuntos do Estado.
Sócrates por sua vez acha
impossível que Protágoras possa ensinar a arte da política a alguém porque os
assuntos de Estado podem ser dominados por pessoas de qualquer profissão, e ele
prossegue dizendo que é muito difícil que o talento político do pai possa ser
transmitido ao filho, e dá como exemplos os filhos de Péricles presentes no
diálogo. Protágoras responde à observação de Sócrates com um mito. No início,
quando os deuses criaram a raça humana, dois Titãs, Prometeu e Epimeteu ficaram
responsáveis por distribuírem habilidades aos humanos. Epimeteu ficou com esta
responsabilidade e dotou humanos e animais com algumas características. Porém,
o estado do ser humano foi considerado lamentável por parte de Prometeu. Em um
gesto desesperado, ele roubou o fogo divino aos deuses e o deu aos seres
humanos. No entanto a arte política era desconhecida do homem. Prometeu, então,
roubou o fogo de Hefaístos e a arte de Atena e novamente deu aos humanos.
Nasceu, assim, a religião. O homem, mesmo assim, continuou a viver em grupos
espalhados sendo destruídos por animais selvagens. Faltava-lhes a arte da
política. Zeus então enviou Hermes para distribuir justiça a todos sem exceção.
Todo o ser humano compartilha deste quinhão da Justiça, caso contrário não
seriam humanos.
Protágoras insiste no valor da
educação e na possibilidade do ensino da virtude dando como exemplo o fato dos
pais preocuparem-se tanto com a educação dos filhos, inclusive pagando a
professores para essa tarefa. Ele questiona o porquê de Sócrates se espantar
com tudo isto. Sócrates, por sua vez, apenas direciona o diálogo para o
problema do saber e do conhecimento. Ele se preocupa com o fato de muitos
possuírem o saber, mas acabarem sendo arrastados e vencidos pelo prazer. A
Paideia socrática acredita que um homem com um conhecimento verdadeiro sobre o
mal jamais agirá injustamente. Protágoras concorda com a opinião de Sócrates de
que a sabedoria e o conhecimento são as coisas mais poderosas. Sócrates o faz
ver que mesmo que isso seja algo que a maioria concorda isso não faz
necessariamente com que vivam desta maneira. A pessoa que recusa o bem é aquela
que escolhe o mal maior em detrimento do bem menor. Ser vencido pelo prazer é
uma ignorância, e só age dessa forma quem não tem o conhecimento. Ninguém busca
voluntariamente o mal. A Paideia socrática pretende fazer do conhecimento do
verdadeiro e do Bem uma maneira de evitar a ignorância de uma vida vivida pela
busca de prazeres.
A PAIDEIA COMO FORMAÇÃO DO
VERDADEIRO POLÍTICO: GÓRGIAS
No Górgias uma batalha é travada
entre dois políticos com formações diferentes: Sócrates e Cálicles. O começo do
diálogo é um confronto dialético entre Sócrates e dois sofistas, Górgias e
Polo. Sócrates consegue vencer os dois com relativa facilidade. Presente na
cena está o experiente político Cálicles, que logo pergunta a Querofonte se
Sócrates não está brincando. Ele percebe que o que Sócrates ensina pode virar o
mundo de cabeça para baixo. Sócrates o responde dizendo que ele e Cálicles
estão apaixonados por duas coisas diferentes: ele pela filosofia, e Cálicles
pelo povo. A fúria de Cálicles deve-se ao fato de Sócrates ter dito
anteriormente que cometer injustiça é pior do que sofrê-la. Para Cálicles,
nenhum homem desejaria sofrer injustiça a não ser um escravo. Como uma espécie
de Nietzsche avant la lettre, ele julga que este tipo de convenção foi feita
pelos fracos para dominarem os mais fortes. A lei da natureza é implacável e
supõe o domínio dos mais fortes sobre os mais fracos. O homem forte rompe com
os grilhões da lei e da moral. Cálicles julga que Sócrates está com o espírito
amolecido por causa da filosofia, pois essa é tida por ele como sendo adequada
apenas à juventude, e nunca ao homem amadurecido.
Segundo Jaeger (1995, pág 668), “este
esboço de uma doutrina da sociedade baseada na teoria da luta pela
sobrevivência deixa à educação um papel inferior. Sócrates opunha a filosofia
da educação à filosofia da força. Era a Paideia que era para ele o critério da
felicidade humana, contida na kalokagathia do justo”
Cálicles possui uma alma tirânica
e faz uma espécie de advertência a Sócrates. Se Sócrates fosse acusado
injustamente por causa de seus ensinamentos filosóficos, mesmo que o acusador
fosse um patife, Sócrates só conseguiria balbuciar palavras desconexas em sua
defesa, e se fosse condenado à morte, teria necessariamente que morrer. Cálicles
crê que Sócrates seria um daqueles que poderia levar uma bofetada impunemente.
Sócrates mantém a calma e faz uma
pergunta ao político Cálicles: é a mesma pessoa que ele chama de melhor e
superior? É o múltiplo superior ao Uno? Cálicles responde que sim. Ele acredita
que o superior deve ter a cota maior, mas não de coisas como alimentos, bebidas
e sapatos como Sócrates ironicamente disse, mas sim do poder político. Mas e o
problema do governo de si mesmo, questiona Sócrates. Os melhores teriam mais do
que si mesmos. Cálicles explode. Nas palavras de Voegelin (Ordem e História,
2009,pág 96),”um homem não deve governar a si próprio. Ao contrário, o bem e a
justiça consistem na satisfação dos desejos. Luxo, licenciosidade e liberdade (
tryphe, akolasia, eleutheria), se tiverem meios para se manter, são virtude e
felicidade.”
Desta Paideia distorcida pelo
político Cálicles, Sócrates irá propor a sua antítese, que é a Paideia que tem
junto a ela a noção de Bem. A satisfação de nossos desejos só é permitida
quando algo nos falta quando estamos com saúde. Quando estamos doentes nunca
podemos satisfazer nossos desejos das coisas. A mesma regra, diz Sócrates,
aplica-se à alma. Quando ela não possui inteligência, é indisciplinada, injusta
e ímpia, torna-se necessário que refreemos seus instintos para que ela melhore.
Porque o mal que está na ação procede do falso que está no conhecimento, como
diz Proclo (1997, pág 926).Cálicles não quer ser disciplinado pela Paideia.O
prazeroso e o Bem não andam juntos, conforme Sócrates explica, e Cálicles vê-se
obrigado a concordar. O verdadeiro político educado pela Paideia respeitará a
Deus e aos homens. Essa educação que o político ensinará ao povo produzirá
homens melhores.
O PROGRAMA DA PAIDEIA: A
REPÚBLICA E AS LEIS
Em A República, Platão através de
Sócrates vai definir a Paideia de seu Estado ideal. Sabemos que a poesia era
muito valorizada pelos Sofistas, principalmente Homero. É a partir de uma noção
de uma verdadeira teologia que Platão fará sua crítica da poesia de seu tempo.
Homero será criticado por suas descrições “caluniosas” do Hades. Palavras como
as que os poetas usam para descrever este local podem ser bonitas, mas não
devem ser ouvidas por homens livres. Nomes terríveis que designam o
além-túmulo, além de reproduções de gemidos e lamentos devem ser eliminados. Da
mesma forma, o riso de homens e deuses não podem ser reproduzidos. Platão, cujo
pensamento coincide com os dramaturgos Ésquilo e Sófocles, quer que seja
ensinada através da poesia a bondade dos deuses. Ele reprova Homero por
atribuir diversos vícios aos deuses. É impossível que o mal venha deles. Uma
crítica também será feita à imitação. No Estado ideal de Platão, aqueles que
forem os guardiões devem se ocupar de garantir a liberdade do Estado, portanto
não devem imitar outra coisa a não ser a coragem, a pureza, a liberdade e etc.
Tudo aquilo que é baixo não pode ser imitado. Isto inclui a imitação de
escravos, de gemidos, das dores da maternidade, profissões como ferreiros, o
relinchar dos cavalos, o murmúrio dos rios, etc.
As profissões devem ser
especializadas, evitando que um profissional exerça mais de uma atividade. Platão
ensina que a música tem uma importância fundamental na sua Pólis. Todo tipo de
música sem harmonia ou que produza uma cidade efeminada são proibidas. A música
deve ser harmoniosa para que a criança cresça com uma alma sadia e amando o
Bem. O mal seria odiado desde cedo por causa da sua fealdade. A música na Pólis
platônica deve reproduzir o som da música das esferas celestes. A harmonia do
céu criado pelo Demiurgo é a inspiração para a criação de sons que unam a
música à astronomia. Este é o programa pitagórico. Depois da música, o jovem
deve aplicar-se à ginástica, mas a educação musical não deve ser excluída.
Alguém que só escutasse música e não exercitasse o corpo ficaria frouxo; aquele
que só praticasse exercícios físicos, mas não desse atenção à alma ficaria
embrutecido. Segundo Jaeger (1995, pág 810) “a sinfonia da alma é o resultado
de uma combinação acertada de dois elementos: a música e a ginástica. Esta
cultura coloca o espírito em tensão e o alimenta de belos pensamentos e
conhecimentos afrouxando as rédeas da parte corajosa por meio de exortações
contínuas e educando-a pela harmonia e o ritmo.”
A educação das mulheres
assemelha-se à dos homens. As mulheres devem estudar música, ginástica e a arte
da guerra. Platão reconhece que homens e mulheres têm naturezas distintas. A
solução que ele oferece para a divisão do trabalho é que cada profissão será
destinada a determinado sexo de acordo com as aptidões de cada um dos dois;
porém, se ambos os sexos forem competentes naquele ofício, o fato da mulher dar
à luz e do homem procriar será indiferente.
Nas Leis, Platão propõe a sua
pedagogia para a infância. As mães devem desde quando estiverem com seus filhos
recém-nascidos, começarem a balançá-los para que se acalmem e adormeçam. Esse
balanço produziria na alma da criança um frenesi semelhante ao de Baco. Platão
preocupa-se com isto porque ele quer eliminar da alma da criança qualquer noção
de medo. Mais tarde, a criança, tanto meninos quanto meninas receberão um
treinamento sobre o manejo de armas.
A FILOSOFIA SUPERA A POESIA COMO
MODELO DE EDUCAÇÃO
No livro X da República, Platão
faz um ataque ao modelo de Paideia feita pela poesia, modelo esse que era muito
utilizado pela sofística. A principal crítica é feita à arte da mimese dos
poetas. Na mente de Platão, o Artífice é aquele que cria as coisas que estão no
céu e na terra; aquele que criou os deuses e o Hades e o que existe embaixo da
terra. Os objetos criados pelo Artífice foram criados à imagem da Ideia. Ora, o
marceneiro em sua profissão também é um Artífice, porque também cria um objeto.
Porém, um pintor jamais pode ser chamado de Artífice, porquanto é apenas um imitador
da obra do Artífice. O mesmo se dá com o poeta para Platão, que também não
passa de um produtor de imitações. Criar é ser paradigmático como o Demiurgo.
Imitar é apenas “energizar”. Não é a mesma coisa criar pela existência, e
“energizar” pelo conhecimento, diz Proclo (1997, pág 287). Segundo o filósofo
de Constantinopla, “a alma produz vida pela existência, mas produz vida
artificialmente pelo conhecimento. Criar é obra do Demiurgo, porque a geração é
a primavera do Ser.”
Platão pela boca de Sócrates
questiona: qual cidade tornou-se melhor pela poesia de Homero? Era ele um
educador de Homens? Não, segundo Platão. Jaeger (1995, pág 982) nos ensina
sobre este ponto: “o repúdio da poesia não significa tanto o seu afastamento
violento da vida do homem, como uma delimitação nítida da sua influência
espiritual para quantos aderirem às conclusões de Platão. A poesia estraga o
espírito dos que a ouvem, se eles não possuírem o remédio do conhecimento da
verdade. Isto quer dizer que se deve fazer descer a poesia para um degrau mais
baixo. Continuará a ser matéria de gozo artístico, mas não lhe será acessível a
dignidade suprema: a de se converter em educadora do homem. O problema de seu
valor aborda-se no ponto que necessariamente tinha de ser o decisivo para Platão,
o da relação entre a poesia e a realidade, entre a poesia e o verdadeiro Ser.”
A filosofia tornar-se-á a base da
educação. O filósofo é aquele que saber tornar os homens melhores e conhece o
tema sobre o qual está falando.
DEUS COMO A MEDIDA DE TODAS AS
COISAS: AS LEIS
Fazendo um contraponto a
Protágoras para quem “o homem era a medida de todas as coisas”, Platão faz de
Deus o centro de sua Paideia. Jaeger escreve: (1995, pág 876) “ na República, a
ideia do Bem é a norma absoluta que serve de base à noção da filosofia como
suprema arte da medida, a qual aparece muito cedo no pensamento platônico e
nele se mantém até o final.”
No final do diálogo As Leis,
Platão conclui que a astronomia, que é a ciência abençoada, é um meio de
contemplação da divindade. Segundo suas palavras: “supondo que todas essas
coisas são como dissemos, qual a finalidade de aprendê-las? Para dar conta
desta questão é preciso nos referirmos ao elemento divino presente no mundo
gerado, que consiste da espécie mais excelente e mais divina de coisas visíveis
que a Divindade permitiu aos seres humanos observar”. Ele prossegue:“precisamos
inclusive, deter um conhecimento apurado da exatidão do tempo, captar como ele
cumpre com precisão todos os fenômenos celestes. Se o fizermos, então todos os
que creem na verdade de nosso raciocínio segundo o qual a alma é a uma vez mais
velha e mais divina que o corpo deverão reconhecer que o adágio tudo está
repleto de deuses é cabalmente correto e suficiente e, ademais que nunca somos
negligenciados devido ao esquecimento ou incúria dos seres que nos são
superiores”.
A FILOSOFIA PLATÔNICA E O ENSINO
DA BELEZA DO UNIVERSO
ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO
Platão nos ensina que o universo
foi criado pelo Bem, que também criou o princípio material. O Demiurgo é um
deus que molda a matéria. No cosmos platônico, o mundo é bom, pois foi moldado
pelo Demiurgo com base no Paradigma Inteligível. Na criação do homem, a beleza
também está presente. Isso foi muito enfatizado por Proclo, que não deixa de
nos recordar isto, mas sempre mantendo-se fiel à concepção do seu mestre Platão
de que o corpo não tem a mesma dignidade da alma, o que não quer dizer que haja
nele algum elemento de maldade como os gnósticos da era cristã pregavam. O
platonismo não é um sistema pessimista como o gnosticismo. É curioso como a
filosofia de Platão foi acusada por alguns filósofos cristãos de criar uma
noção errônea da matéria. O que vimos foi que a união da alma e do corpo é algo
desejada na ordem de sua filosofia, semelhante ao hilemorfismo aristotélico. A
coleção de citações sobre como o bem está presente na matéria citadas por Reale
acima demonstram como Platão a tinha em grande estima. “A realidade da matéria
é invisível ao mesmo tempo em que a vemos em suas várias manifestações”, diz o
filósofo grego. Platão é muito científico, porque mesmo a ciência moderna ainda
busca a essência da matéria. A concepção da matéria em Platão é muito
importante de se ter em mente contra aqueles que quiserem fazer da filosofia de
Platão uma antecipação do gnosticismo da era cristã. Depois de haver descrito
essa ordem de maneira tão bela, Platão enfatiza que o noumenon deve ser a base
do conhecimento para o homem. Platão queria uma ciência não do mundo físico,
mas sim do mundo eterno das Ideias. O que primeiro deve ser feito é a
libertação do mundo das aparências do mundo físico. O homem sem a contemplação
da Ideia é semelhante a um prisioneiro da caverna que só enxerga as sombras.
Quem fará a descoberta do mundo das Ideias e as comunicará aos homens que ainda
estão presos às aparências é o filósofo. No mito de Eric Voegelin, o filósofo é
como o daimonios aner, ou seja, o homem espiritual. É esta a função do filósofo
em A República, pois ele é quem faz a
intermediação do mundo divino com o mundo dos homens. Este homem espiritual,
entretanto, segundo Voegelin, não poderá ser apolítico e viver preso à
contemplação da Ideia, pois a cidade precisa dele.
A polis platônica necessita de
cidadãos educados, principalmente para o surgimento de governantes com a alma
ordenada. Platão, portanto, criou um método de educação que visa a ensinar aos
homens o Bem contemplado antes dessa vida, pois seu pensamento exige uma
preexistência da alma. Caindo no mundo físico, a alma esquece-se do que já
havia aprendido. Com a Paideia, a alma pode recordar-se do que já sabia através
do método da anmenese. Este método é ensinado no diálogo Menon. O método de
relembrar-se leva o estudante à aporia, que é um impasse. Cabe ao professor
ensinar ao aluno como sair desta situação, e através da resposta, este último
encontrará uma solução de que nada mais é do que uma recordação de algo que ele
já sabe desde uma vida passada no mito platônico.
A filosofia e a Paideia de Platão
são majestosas, pois conseguem unir o espiritual ao mundo físico sem cair nos
problemas que Aristóteles enfrentou, pois este tinha muita dificuldade de
imaginar uma sobrevivência da alma sem o corpo. Platão quer que os homens
através da educação tenham uma alma sadia da mesma forma que o corpo, pois
ambos nos recordam da bondade de Deus. O universo é bom, a alma unida ao corpo
é algo desejável e a harmonia da ordem divina está presente em tudo o que
vemos.
CONCLUSÃO DO PENSAMENTO PLATÔNICO
METAFÍSICO
A criação do universo como cópia
da Ideia foi algo bom e belo. Platão apresentou-nos uma teologia em que os
deuses são bons. No Timeu, Deus é considerado bom (agathos), livre de inveja (Peri
oudenos oudepote phthonos), melhor das causas (o d`aristos tôn aitiôn) e produz
o mais belo (to kalliston). O homem foi definido como o mais belo dos
Inteligíveis.
Sua Paideia cria um homem que
desde criança aprende a experimentar o Bem. O trabalho concluiu que o papel do
filósofo como educador é o de transmitir a beleza da Ideia e do Cosmos àqueles
que ainda são prisioneiros do mundo dos sentidos. A Paideia começa pela
contemplação através do sentido da visão da Ideia eterna. O papel do educador é
o de ensinar aos alunos os objetos do intelecto (nooumena) e começar o ensino através
do processo da anamnese. O trabalho atingiu o seu objetivo de explicar esta
ligação entre o Bem e a Paideia. O filósofo, tal como lemos no diálogo O
Banquete, é aquele que está sempre apaixonado e com os olhos sempre mirando na
Ideia. Ele deseja que os membros da Pólis tenham em mente o Bem do mundo
eterno. A Paideia atinge seu objetivo quando faz do homem, que é imperfeito, um
ser que deseja aprimorar-se espiritualmente. Este trabalho representou uma
grande realização intelectual para mim. A filosofia de Platão é a mais perfeita
que existe e ele é a grande inspiração para que eu possa exercer o papel de
filósofo.
Aqui finalmente se encontram os
neoplatônicos, Tomás de Aquino, Heidegger, Schelling e Hegel; cada um com seus
recursos e suas habilidades, com suas insuficiências e suas debilidades no que
tange à concepção do Ser mesmo no sentido do Ser enquanto Ser para além de toda
representação e de toda informação imediata pura e simples. Concepção que nos
quadros da novíssima episteme se apresenta não só como possível, mas também se
mostra como plenamente praticável; o que, no entanto exige uma restabelecimento
da Metafísica como ciência rigorosa fundada pura e simplesmente na liberdade,
essa que enquanto Ser é e tem que ser também conceber, i.é, seu próprio
conceber enquanto Ser. Caso em que, por fim, agora nos quadros da episteme
pós-moderna, fundada na Teoria da Comunicação, a Metafísica mais uma vez se
legitima enquanto ciência, enquanto ciência rigorosa, apresentando assim uma
definição real que abarca conscientemente sua essência para além do Niilismo e
da representação. Por conseguinte, se mostrando como a Ciência do Metafísico ou
do Ser enquanto Ser que, como unidade originária do conceber e do Ser, não é
senão liberdade; não liberdade metafísica, mas liberdade do Metafísico. Assim,
como unidade de sua definição nominal (Ciência do Metafísico) e de sua
definição real (Ciência da Liberdade), um conceito provisório da Metafísica se
mesma apresenta-la como Ciência da unidade comum ou da comunidade do conceber e
do Ser. Essa a ciência do fundamento do fundamento, i.é, do próprio Metafísico
enquanto Metafísico; a qual, porém, ainda exige ser desenvolvida.
A perspectiva assim aberta de a
Metafísica ser entendida a um tempo como Ciência do Metafísico e como Ciência
da Liberdade (do Metafísico) torna possível uma dupla retomada e
desenvolvimento da Metafísica como ciência rigorosa nos dias atuais, de um lado
como uma Normativa do Ser e de outro como uma Ontologia do Agir (para se
utilizar aqui duas expressões. Retomar, em novo estilo teórico, o exercício de
uma memória metafísica que reencontre o ser através da densa rede dos objetos
científico-técnicos que nos envolve sempre mais, essa a tarefa maior que se
apresentará à filosofia se ela, como acreditamos, sobreviver na nova
civilização que se anuncia.
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Pesquisa realizada pelo Dr. Josué Campos
Macedo