segunda-feira, 14 de abril de 2014

A IMPORTÂNCIA DA BIOÉTICA CRISTÃ




CONCEITOS E SÍNTESE HISTÓRICA
"Bioética: uma disciplina que trata das implicações éticas e aplicações, especialmente em medicina." Webster's Ninth New Collegiate Dictionary.
Bio – Vida. A vida é real e a sua origem está na Vida do Criador. Somente a Vida pode produzir outra vida.
Ética - Estudo do juízo de apreciação que se refere à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).
Ética - A ciência da moral; moral (Caldas Aulete).
Ética - É a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade (Adolfo Sánchez Vázquez).
Tomando as diferentes definições de Ética, temos de partir para uma definição também Moral:
Moral - Conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada (Aurélio Buarque)
Moral - Parte da filosofia que trata dos costumes, deveres e modo de proceder dos homens para com os outros homens (Caldas Aulete)
Moral - É um sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e conscientemente, por uma convicção íntima e não de uma maneira mecânica, externa ou impessoal (Adolfo Sánchez Vázquez).
E completando a definição de termos relacionados ao tema, vejamos Deontologia.
Deontologia - O estudo dos princípios, fundamentos e sistemas de moral. Tratado de deveres (Aurélio Buarque).
Deontologia - Ciência dos deveres (Caldas Aulete).
Deontologia - Teoria da obrigação moral quando não se faz depender a obrigatoriedade de uma ação exclusivamente das conseqüências da própria ação ou da norma com a qual se conforma (Adolfo Sánchez Vázquez).
Tendo em vista tais definições, verificamos que, em linhas gerais, a Ética é a Norma, enquanto a Moral é a ação. Ou, em outras palavras, a Moral é o que acontece e a Ética é o que deveria ser.
A Deontologia é o conjunto codificado das obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área, no exercício de sua profissão. São normas estabelecidas pelos próprios profissionais, tendo em vista não exatamente a qualidade moral de suas ações, mas a “correção” das mesmas, tendo em vista a relação entre profissão e sociedade. O primeiro Código de Deontologia foi feito exatamente na área médica, nos Estados Unidos, em meados do século passado.
Já o termo BIOÉTICA surgiu em 1971, também naquele país, não objetivando repetir o que já existia na área médica, mas abrangendo todo o inter-relacionamento com as diferentes formas de vida que em última análise afeta profunda e decisivamente o Ser Humano.
Portanto, estudar a Ética é formar o embasamento para o comportamento moral que se faz imprescindível ao exercício profissional, mormente em profissões que lidam com a saúde, mais especificamente com o Ser Humano. Dentro de um manual prático de estudo da Ética profissional, portanto um estudo específico torna-se inadequada uma visão mais ampla de todo o embasamento filosófico e histórico deste difícil assunto. Vejamos, entretanto, algumas linhas gerais apenas para facilitar a compreensão de seu posicionamento em nosso “aqui e agora”.
Nas palavras de Vázquez, as doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em diferentes épocas e sociedades como respostas aos problemas básicos apresentados pelas relações entre os homens, e, em particular, pelo seu comportamento moral efetivo. Existe assim uma estreita vinculação entre os conceitos morais e a realidade humana, social, sujeita historicamente à mudança. Dentro desta conceituação, as doutrinas éticas não são consideradas de modo isolado, mas dentro de um processo de mudança e de sucessão que constitui propriamente a sua história.
Uma moral primitiva surgiu com o próprio homem, onde a sobrevivência básica se constituía na norma ética fundamental. A “Moral Tribal” se resumia em trabalhar para comer, matar para não morrer.
O homem da caverna lutava para se alimentar e para preservar o seu abrigo natural. Naquelas circunstâncias, atitudes de alta agressividade - na nossa conceituação atual - poderiam e eram consideradas eticamente válidas. Mas o homem primitivo foi evoluindo e suas novas realidades sociais criaram por sua vez novas realidades éticas que modificaram e até mesmo anularam as regras anteriores.
Nesta nova evolução histórica, chegamos à civilização grega que influiu de modo avassalador em nosso mundo ocidental.
Surgiu então a chamada Ética Grega. Ao naturalismo dos filósofos pré-socráticos sucedeu uma preocupação com os problemas do homem, seus problemas políticos e morais, em decorrência da democratização da vida política da Antiga Grécia. Aparecem então os filósofos e grupos que introduzem novas formas de posicionamento que marcaram a história.
No século V a.C., surgiram os Sofistas que consideravam estéril o saber a respeito do mundo, sendo atraídos especialmente pelo saber a respeito do homem, particularmente político e jurídico. Tornaram-se os mestres que ensinavam a arte de convencer pela argumentação, pela discussão. Para eles não existiam nem verdade nem erro e as normas, por serem humanas, eram transitórias.
Surgiu em seguida Sócrates, que, apesar de também desprezar o conhecimento da natureza e a tradição, rejeitava o relativismo e o subjetivismo dos sofistas. Sócrates considerava como saber fundamental o saber a respeito do homem. Daí seu ensinamento básico: “Homem, conhece-te a ti mesmo”. E acrescentava: “Só sei que nada sei!” Concluindo: “Deve-se melhorar o conhecimento e aperfeiçoar a conduta”.
A ética socrática é racionalista e pode ser resumida na seguinte colocação: “O homem age retamente quando conhece o bem, e, conhecendo-o, não pode deixar de praticá-lo; por outro lado, aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz”.
À ética socrática segue-se a de Platão, seu discípulo, a qual dependia intimamente da sua concepção metafísica (dualismo do mundo sensível e do mundo das idéias permanentes, eternas, perfeitas e imutáveis que constituíam a verdadeira realidade) e da sua doutrina da alma (princípio que animava ou movia o homem, constando de três partes: razão, vontade e apetite).
PLATÃO privilegiava a relação Homem-Estado, enquanto afirmava a dualidade Corpo-Alma, onde essa será superior àquela e como conseqüência estabelecia um total desinteresse pelas coisas materiais, em favor quase que exclusivista das coisas do espírito. Na época platônica notava-se um desprezo pelo trabalho físico e a exaltação das classes dedicadas às atividades consideradas superiores: contemplação, política e a guerra. Na sua ética, os escravos não tinham lugar no Estado ideal, pois seriam desprovidos de virtudes morais e direitos cívicos. Assim, na ética platônica existia uma estreita unidade da moral e da política, pois para ele o homem se formava espiritualmente somente no Estado e mediante a subordinação do indivíduo à comunidade.
Veio a seguir Aristóteles, que foi discípulo de Platão. Mas Aristóteles se opunha a seu mestre no que dizia respeito ao dualismo ontológico. Para ele a idéia não existia separada dos indivíduos concretos. A idéia existia somente nos seres individuais. E Aristóteles procurava responder à pergunta fundamental: qual é o fim último para o qual tende o Homem? Para a felicidade, dizia ele. E esta felicidade não era o prazer ou a riqueza, mas a vida teórica ou contemplação, guiada pelo que o homem tinha de mais característico e elevado: a razão.
Para se realizar esta vida, dizia ele, eram fundamentais as virtudes não inatas, mas que se adquiriam ou conquistavam pelo exercício. Estas virtudes ele as considerava em duas classes: as intelectuais e as práticas ou éticas. Finalmente considerava Aristóteles que a felicidade se alcançava mediante a virtude, porém com algumas condições necessárias: maturidade, bens materiais, Liberdade pessoal e saúde, embora estas condições isoladas não bastassem para fazer alguém feliz.
Aristóteles considerava que o homem enquanto tal só poderia viver na cidade, pois era por natureza um animal político, ou seja, social. Somente os deuses e os animais não tinham necessidade da comunidade política para viver. Mas ele afirmava que esta vida teórica só era possível a uma minoria ou elite, da qual a maior parte - os escravos - estava excluída. Dentro deste quadro, o homem - o sábio - devia ser, ao mesmo tempo, um bom cidadão.
Com a decadência do mundo antigo greco-romano, surgiram os Estóicos e os Epicuristas. 
Para ambos, a moral não mais se definia em relação à cidade, mas ao universo (cosmos). O problema moral era colocado sobre o fundo da necessidade física, natural, do mundo. Por isso, a física se tornava a premissa da ética.

Para os estóicos o mundo passava a ser o centro de tudo, onde só acontecia o que Deus quisesse. Passava a dominar assim uma fatalidade absoluta. Não existia a liberdade nem o acaso. Como conseqüência, o homem que vivia no mundo tinha seu destino rígido e só lhe restava aceitar este destino e agir consciente dele. Deixava de ter necessidade da comunidade, pois passava a viver moralmente como cidadão do mundo, do cosmo. Já não era limitado a uma “polis”, a uma comunidade menor. Para os epicuristas tudo o que existia, incluindo a alma, era formado de átomos materiais, não havendo nenhuma intervenção divina nos fenômenos físicos nem na vida humana.
Livre assim de temores religiosos, o homem passava a buscar seu bem neste mundo, o qual era representado pelo prazer, ainda que considerassem alguns prazeres como inadequados, somente devendo buscar aqueles que contribuíssem para a paz da alma. O homem procurava em si mesmo, ou num pequeno círculo de amigos, a tranqüilidade da alma e a auto-suficiência.
Com esta ética se desfaziam a unidade moral e da política. Sobre as ruínas desta sociedade surgiu a Ética Cristã, sobretudo após o século IV quando o cristianismo se tornou a religião de Roma.
A ética cristã, essencialmente Teocêntrica, partia das revelações de Deus, das relações do homem com o seu criador e do modo de vida prático que este homem devia seguir para alcançar a sua salvação. Nesta ética, a relação do homem, mais do que uma inter-relação com a comunidade ou com o mundo – cosmos -, estava ligada a Deus, seu criador.
Também no que dizia respeito às virtudes havia uma superioridade do divino. Ainda que assimilando as virtudes fundamentais já enunciadas por Platão: prudência, fortaleza, temperança e justiça, acentuava virtudes supremas ou teologais: fé, esperança e caridade. Enquanto as fundamentais regulavam as relações entre os homens, as teologais relacionavam o homem com Deus.
Na ética cristã, já não existiam as diferenças entre os homens: todos eram iguais diante de Deus, independentemente de serem livres ou escravos, cultos ou incultos. Mas esta ética de igualdade foi lançada numa época de enormes desigualdades e assim muita incompreensão histórica surgiu dos fatos então acontecidos. Muitas vezes a desigualdade material e social não foi condenada pela ética cristã, gerando com isso críticas violentas no mundo moderno. Para melhor compreender esta situação é preciso situar-se no momento histórico-social do tempo em que tal aconteceu. Na verdade o cristianismo veio dar aos homens, pela primeira vez em sua história, a consciência de sua igualdade - onde incluía os oprimidos e explorados - mas numa época onde não havia condições reais e sociais para esta igualdade efetiva.
Na Idade Média, a igualdade só podia ser um nível espiritual ou visualizada num mundo do amanhã, também espiritual. Portanto o cristianismo tinha uma profunda marca da Idade Média, quando era totalmente fantasioso pensar-se numa igualdade real de todos os homens. Esta mensagem certamente terá sido a semente da modificação radical que se processou no decorrer da história e que, apesar de estarmos longe ainda de sua plena realização, vem se processando às vezes rápida, às vezes lentamente, mas sempre em caminhada.
No século XV surge a Moral Burguesa, caracterizada pela exploração do Homem pelo Homem, dando como corolário o início e a expansão do Capitalismo, no século seguinte.
A ética dominante a partir do século XVI até o século XIX denomina-se Ética Moderna, Racionalista, embasando a Revolução Industrial do século XVIII. Esta ética, contrapondo-se à ética teocêntrica da Idade Média, tornou-se antropocêntrica e teve sua maior expressão em Kant.
Houve mudanças na economia, incrementando-se as forças produtivas e a ciência. Na ordem social surgiu uma nova classe: a burguesia, seguindo-se a extinção da sociedade feudal, de pequenos Estados, dando origem à formação dos grandes Estados.
Na religião, surgiram os movimentos reformistas, separando-se a razão da fé, a natureza de Deus, o Estado da Igreja e até mesmo o homem de Deus. Com isto, a ética moderna tornou-se essencialmente antropocêntrica, isto é, tornou o homem como o centro de sua atenção. E Kant deu então o seu mandamento fundamental: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal”.
Finalmente chegamos na Ética Contemporânea, que tem o seu início em meados do século XIX, provocada pelas violentas mudanças ocorridas em toda a humanidade, com o desenvolvimento das ciências que chegaram ao paradoxo de criar condições cada vez mais eficientes de destruição, até mesmo da própria humanidade. Ocorreu então uma reação:
a) Contra o formalismo e o universalismo abstrato e em favor do homem concreto.
b) Contra o racionalismo absoluto e em favor do reconhecimento do irracional no comportamento humano.
c) Contra a fundamentação transcendente da ética e em favor da procura da sua origem no próprio homem.
As principais correntes desta Ética Contemporânea são: o Existencialismo, o Pragmatismo, a Psicanálise, o Marxismo, o Neopositivismo e a Filosofia Analítica.
No Existencialismo, Kierkegaard e Sartre representam seus principais teóricos. Para ambos, o que vale é o homem concreto, o indivíduo como tal. Ao racionalismo é contraposto um irracionalismo absoluto e um individualismo radical. O que diferencia Sartre de Kierkegaard é a crença em Deus, pois para Sartre Deus não existe, e o homem é plenamente livre sem qualquer vinculação com um criador.
O pragmatismo nasce e se difunde essencialmente nos Estados Unidos, estreitamente ligado ao desenvolvimento técnico e científico e do espírito de empresa. O pragmatismo se caracteriza pela sua identificação da verdade com o útil, no sentido daquilo que melhor ajuda a viver e a conviver. Para esta corrente, eticamente quando se diz que algo é bom, significa que leva eficazmente à obtenção de um fim, que leva ao êxito. Deste modo torna-se essencialmente egoísta.
A Psicanálise deu sua contribuição ética por afirmar que existe uma zona da personalidade da qual o sujeito não tem consciência (inconsciência). Isto faria com que certos comportamentos e atitudes recebessem uma outra explicação e, portanto, uma nova conceituação ética.
No Marxismo, a visão do Homem é de ser produtor, transformador, criador, social e histórico. Dentro desta visão, são estabelecidas as premissas de uma ética marxista, dando especial valor às classes e destas, especialmente ao proletariado cujo destino histórico é abolir a si próprio dando origem a uma sociedade verdadeiramente humana.
Finalmente no Neopositivismo e nas Filosofias Analíticas parte-se da necessidade de libertar a ética do domínio da metafísica, acabando por concentrar a sua atenção na análise da linguagem moral. Há uma insurreição contra toda ética que pretenda definir o bom como uma propriedade natural, quando se trata de algo que não pode ser definido. E que, portanto, só pode ser captado por meio da intuição. A esta condição são conduzidos também os conceitos de dever, justeza, obrigação. No mundo da Ética contemporânea, Mary Warnock afirma: “Todas as analogias e modelos destinados a esclarecer a linguagem ética têm o aspecto de tentativas preparatórias para limpar a mesa do jogo. E é natural que nos sintamos logrados quando comprovamos que, uma vez limpa a mesa, parece estar terminado o próprio jogo”.
Em nosso século, o Capitalismo Financeiro substitui o Capitalismo Industrial, dando origem aos trustes e aos cartéis. Somando-se à exploração do Homem pelo Homem, vem a exploração dos Países pobres pelos Países ricos. Daqueles são retirados, por esses, as matérias-primas e até os alimentos, sem haver, contudo, qualquer contrapartida sócio-econômica.
A política, a arte e a ciência vão adquirindo uma autonomia cada vez maior, e a ética, tanto quanto a religião, perde a hegemonia que exercia sobre a sociedade tradicional. E, num segundo tempo, a economia assume o papel dominante ficando até mesmo a ética a ela subordinada. A Consciência passa a ser considerada como uma forma de censura e de cerceamento da liberdade, enquanto essa adquire foros de plenitude sem limites. Tudo se justifica em nome da liberdade! A regra predominante se torna a procura do “melhor produto”, então considerado como o que dá mais lucro e não o que é melhor para o Ser Humano. A tecnologia supera tudo e se transforma na verdadeira deusa dos tempos modernos. Com ela, nasce e atinge sua plenitude a Ética da Manipulação, regida pelos grupos dominantes que afirmam: “assim é que deve ser”. A filosofia de vida assume uma nova conotação: “os outros que se danem!”
Essa Ética da Manipulação se caracteriza pelos seguintes pontos:
1) Todo processo educativo será orientado para construir cidadãos submissos e manipuláveis. Pensar, refletir e tomar consciência deverão ser reduzidos aos níveis mínimos. O cidadão ideal será algo como “uma ameba em coma alcoólica...”  A educação visará prioritariamente o processo de produção e consumo e o HOMO SAPIENS será substituído pelo HOMO FABER.
2) Os meios de comunicação se tornarão instrumentos ideais da manipulação. E o maior deles será a Televisão, onde o diálogo é totalmente inexistente. A psicologia será posta a serviço desse sistema de mass-media, manipulando cientificamente a opinião pública, criando necessidades mesmo onde elas inexistam ou até mesmo sejam indesejáveis. Os anúncios, mais que vender produtos, deverão estimular o consumismo exacerbado, pela criação de necessidades fictícias. O cidadão passará a comprar coisas, não porque delas realmente necessite, mas porque lhe foi incutido cientificamente acreditar nessa falsa necessidade.
Exemplo disso é a indústria farmacêutica inglesa que em 1973 gastou 33 milhões de libras em publicidade contra 30 milhões em pesquisas...
3) O imediatismo será estimulado, bem como a fixação na condição de descartabilidade das coisas. Com isso, se criará uma falta de esperança num futuro melhor e as pessoas buscarão resultados rápidos, mesmo em detrimento da qualidade. Cada conquista será rapidamente descartada para que novos valores sejam buscados. Até o Ser Humano se tornará descartável, seja nas relações afetivas - separações, divórcios, amizades passageiras - seja nas comerciais, onde as demissões individuais ou em massa se farão sem qualquer constrangimento, criando uma legião de infelizes desempregados.
4) O próprio exercício da pesquisa científica será manipulado, ficando essa restrita a um campo sofisticado e exclusivo, onde o objetivo será sempre e tão-somente o resultado, com uma absoluta redução ou até anulação do valor da vida, que perderá sua sacralidade. O poder será a meta fundamental e o homem terá estimulado o seu desejo de dominação e exploração do seu semelhante sem qualquer escrúpulo. Diante desse quadro, de certo modo assustador, faz-se mister que o homem de hoje, do aqui e agora, busque encontrar a ética dentro dos valores imutáveis tanto quanto dos transitórios, formando seu conceito de vida em função de sua própria dignidade de homem, centro indiscutível de toda a criação.
Como pistas iniciais para uma reflexão mais profunda, colocamos os seguintes pontos:
1) Como norma básica, pode-se afirmar que “nem tudo o que é cientificamente possível, é eticamente permitido”. Dentro desse princípio, não se deve cair no rigorismo fundamentalista, nem escorregar para o laxismo modernista. Sem desprezar as tradições como conservadoras, deve-se olhar para frente, porém com os pés cravados nas experiências vividas. A História, preventiva da repetição dos mesmos erros, será cultivada e respeitada.
2) A vida humana deverá ser inteiramente respeitada, desde a fecundação até a morte. O Ser Humano nunca será considerado um meio, mas sempre o fim. Exemplo se faz no uso de placebos na experimentação terapêutica. Não se pode colocar em risco a vida ou a saúde do Ser Humano, pela omissão deliberada da terapêutica adequada, com o único objetivo de se testar uma nova medicação experimental.
A esse propósito, deve-se ressaltar que as experiências dos fatos ocorridos durante a II Guerra Mundial gerou o chamado “Código de Nuremberg”, de 1946, destinado a limitar possíveis experimentações médicas em Seres Humanos. Em 1962, com modificações em 1964, foi efetivada a “DECLARAÇÃO SOBRE AS PESQUISAS BIOMÉDICAS”, em Helsinki, com nova revisão em Tóquio, no ano de 1975. E, para mantê-la sempre atualizada à luz de novas conquistas científicas, ficou deliberado que outras modificações poderiam vir a ser feitas, sempre que necessário.
Dentro desses princípios, define-se essencialmente que a pesquisa biomédica somente será aceita como tal, se for verdadeiramente “Pesquisa”, ao invés de experimentações irrelevantes apenas para aumento curricular de seus autores. Será exigida uma correta avaliação da relação danos/benefícios e o consentimento prévio dos pacientes será indispensável para o início e continuidade de trabalhos experimentais. Ainda que esse seja um ponto bastante controverso em determinados casos, onde uma interferência psicológica por parte do paciente poderá alterar substancialmente os resultados de uma pesquisa. Assim, caberá aos pesquisadores buscarem alternativas que atendam as necessidades técnicas da pesquisa, sem, contudo, violentar os direitos básicos do Ser Humano.
De qualquer forma, toda a relação entre pesquisadores e pacientes deverá necessariamente ter um caráter de “cumplicidade”, ao invés de furtividade oportunista. Para isso, os profissionais deverão estabelecer uma comunicação inteiramente compreensível ao paciente, ao invés da costumeira utilização de um linguajar técnico, manipuladoramente hermético aos não iniciados, tais como os dos Médicos, Economistas, Psicólogos, etc., somente acessíveis à casta privilegiada da Comunidade técnica específica.
3) Mas, não só o Ser Humano deverá ser protegido pelas normas da Bioética, mas todas as formas de vida existentes na natureza. Afinal, o Homem depende vitalmente de todas elas. Entre os temas mais polêmicos está a chamada “Vivissecção”, que é o estudo em animais, ditos irracionais, vivos. Em 1978 a UNESCO firmou a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, que entre outras coisas termina dizendo: “Todo ato que acarrete a morte de um animal, sem necessidade, é biocídio, isto é, delito contra a vida”. E prossegue: “Todo ato que acarrete a morte de grande número de animais selvagens é genocídio, isto é, delito contra a espécie.
A partir daí, podemos concluir duas regras básicas e obvias:
a) Faça ao próximo, o que gostarias que ele te fizesse.
b) A caridade (isto é, o amor na prática) respeita o próximo e sua a consciência.
Podemos, então fornecer subsídios para um desenvolvimento da Consciência Crítica que irá proporcionar à pessoa uma melhor possibilidade de avaliação de seus atos e dos acontecimentos que ocorrerem em seu redor. Com esta avaliação ele será capaz de orientar e reorientar o seu próprio comportamento, tornando-o ético diante de si mesmo, diante da comunidade em que vive e diante do Criador Supremo. Ética começa no berço. Compete aos pais, os primeiros educadores, forjar o caráter de cada novo ser dentro de corretas normas éticas, não só pelas palavras, mas sobretudo pelos exemplos. Quem traz de sua infância estes conceitos certamente irá aprimorá-los na sua vida adulta e conseqüentemente viveremos num mundo melhor. Numa sociedade onde o egoísmo, o pragmatismo frio, a ambição e o apego têm a sua morada, o homem se torna cada vez menos homem, cada vez mais máquina e nesta distorção vem a infelicidade, a angústia, o sofrimento estéril. Acompanhando a história do homem, sua evolução social, cultural e ética, poderemos tirar lições importantíssimas para o futuro da humanidade. Uma casa se constrói sobre os alicerces assim como o futuro do homem se constrói sobre o seu passado. Mas assim como a casa somente é habitada depois de construída, o homem deve habitar o seu mundo no “aqui e agora”, utilizando os alicerces do passado, mas sem se prender a ele. Pensando no futuro, mas construindo-o já, no momento em que vive, pois esta é a única realidade que possui. Lamentar o passado ou viver sonhando com o futuro é desperdiçar totalmente a sua vida, que é realidade hoje.
Este é o sentido de se estudar ética, começando pela sua história e vivendo-a na sua realidade de hoje.
Os tempos mudaram. O que mudou? Primeiro, as questões urgentes de bioética. Questões centrais para o que significa ser humano se recusam desaparecer. Com efeito, as questões têm-se multiplicado. Segundo, um número crescente de cristãos tem aceito a responsabilidade de entrar no debate bioético.
Consequentemente, as perguntas são mais pertinentes do que nunca. Podemos nós desenvolver uma abordagem distintamente cristã em questões de bioética? Pode essa abordagem ser honestamente fundamentada na Bíblia? Tais questões exigem séria atenção pelos cristãos, com seu compromisso com a fé bíblica e o cuidado da saúde.
DILEMAS EM BIOÉTICA
Desenvolvimentos em bioética ilustram a espécie de perguntas que cristãos precisam adereçar.
Aborto. Tendo lido inúmeras monografias de estudantes sobre o assunto, às vezes penso que todas as facetas têm sido enfocadas. Mas a questão não dá sinal de que vá desaparecer. Com efeito, o conflito sobre aborto parece se tornar cada vez pior. E novos desenvolvimentos biomédicos prometem intensificar as questões morais.
Por exemplo, RU486, a droga abortante aperfeiçoada na França, com o correr do tempo provavelmente se tornará acessível em todo o mundo. Seu uso tornará o aborto mais barato, mais seguro e mais privado, aumentando assim a necessidade de indivíduos moralmente responsáveis a fim de pensarem claramente sobre as opções. Cristãos, especialmente os que se envolvem com problemas de saúde, não podem evitar de encarar as questões morais da vida humana pré-natal. Aqueles cristãos que crêem, como eu, que Deus quer que protejamos a vida pré-natal e que o aborto, mesmo quando necessário, é uma questão moral séria, precisam perguntar o que significa tornar nossa fé prática. Que podem os cristãos fazer para reduzir a tragédia do aborto?
Eutanásia. No passado, a maior parte dos países tinham leis proibindo a eutanásia. A eutanásia era associada com a corrupção da medicina na Alemanha nazista. Mais recentemente, porém, novas técnicas médicas para prolongar a vida humana têm feito com que muitas pessoas perguntem sobre a qualidade da vida prolongada. Estamos realmente salvando vidas ou simplesmente prolongando o processo de morrer?
A questão se levanta com freqüência crescente naqueles países bastante ricos para se dar o luxo de tecnologias excessivas. Começando na Holanda e vinda para os Estados Unidos e outros países, estamos vendo a disposição do público de "ajudar" aqueles que estão morrendo a encurtar suas vidas deliberadamente. É negar cuidado médico, que parece apenas aumentar o sofrimento do moribundo, o mesmo moralmente que pôr termo ativamente à vida do paciente? Importa se as medidas são tomadas por profissionais (isto é, eutanásia) ou pelos pacientes mesmos (isto é, suicídio com assistência)? Terá o Cristianismo, que tradicionalmente se opôs ao suicídio, respostas para os dilemas atuais introduzidos pela capacidade da tecnologia controlar o termo da vida?
Reprodução. Entre as questões mais recentes de bioética, nenhuma é mais intrigante do que as que se relacionam com reprodução humana com assistência. Além da inseminação artificial, mães substitutas e fertilização in vitro, podemos agora clonar embriões humanos por divisão celular. Pode-se até colher e armazenar oócitos (isto é, óvulos em desenvolvimento) retirados de ovários de fetos abortados.
Novas possibilidades para a vida humana parecem ser limitadas apenas pela imaginação dos novos tecnocratas. Tudo isso suscita questões profundas sobre paternidade, família e o cuidado dos "próprios" filhos. Além disto, a comercialização desses novos processos tem aumentado a complexidade moral. Em face destes dilemas, qual é o ponto de vista cristão da procriação e família? Que princípios cristãos deviam guiar nas decisões sobre oferecer ou aceitar novas técnicas para assistir na reprodução humana?2
Genética humana. Novos avanços em genética parecem prover maiores possibilidades para definir o que seja ser humano. O mapeamento do genoma humano progride mais rapidamente do que se previa há poucos anos. Logo poderemos identificar milhares de características que se desenvolverão numa pessoa estudando no estado pré-natal o código genético do indivíduo. Esse novo conhecimento encerra promessas fantásticas para o cuidado da saúde.
A habilidade de predizer doenças genéticas e preveni-las é excitante a qualquer que se preocupa em diminuir o sofrimento humano. É fácil imaginar como esta informação pode levar a abusos tais como aborto seletivo por razões triviais e discriminação contra os portadores de certos defeitos genéticos. De que modo os cristãos decidirão como fazer o melhor uso das oportunidades providas pela nova informação em genética, ao mesmo tempo rejeitando os abusos potenciais?
Além de compreender o genoma humano, temos agora o poder de mudá-lo. Durante os últimos 20 anos, biologistas têm descoberto como manipular os genes de muitas diferentes formas de vida, incluindo humanas. Material genético pode ser transferido de uma vida para outra, mesmo através de barreiras entre espécies. Ademais, o potencial para ajudar aqueles que têm doenças graves é espantoso. A pessoa cuja enfermidade resulta de um gene ausente ou defeituoso pode ser "infectada" com o material genético apropriado. Embora esses tratamentos ainda estejam na fase experimental, muito prometem. Mas há também a ameaça de abuso, quando pessoas são tentadas a usar a possibilidade não só para aliviar o sofrimento humano, mas também para produzir uma "qualidade superior" de seres humanos. Um exemplo comum é a demanda crescente de um fator de crescimento produzido por engenharia genética para fazer com que crianças cresçam mais altas. Quais são os limites morais da engenharia genética? Será que a crença na criação divina nos ajuda a responder tais questões?

LIMITES DA CIÊNCIA MÉDICA
Todos esses "avanços" podiam levar a ciência médica a novas alturas de confiança. Mas outros desenvolvimentos recentes nos lembram dos limites do sucesso científico. Durante a maior parte deste século, críamos que estávamos gradualmente eliminando as doenças mais terríveis. Mas a epidemia da AIDS renovou nosso sentimento de vulnerabilidade. Mesmo doenças como a tuberculose, que se julgava estar sob controle nos países industrializados, começam a reaparecer com freqüência assustadora. E novas variedades de bactérias resistentes a antibióticos ameaçam a vida e a segurança humanas. Que significa o sacrifício cristão em tempo de epidemia, especialmente quando algumas das doenças, tais como AIDS, estão também associadas com estigma social? Será que fé bíblica oferece qualquer diretriz sobre se deveríamos assumir os riscos necessários para cuidar dos necessitados?
Outra lembrança dos limites é o fato de que nenhuma sociedade é bastante rica para prover todos os cidadãos com a mais recente e mais dispendiosa tecnologia médica. À medida que novos tratamentos dispendiosos, como a transplantação de órgãos, passam da categoria de cuidado experimental para a de normal, mesmo sociedades ricas têm de encarar a realidade de limites econômicos. Ouvem-se mais e mais debates sobre o racionamento do cuidado médico, incluindo o de tratamentos capazes de salvar vidas.
Um fato básico garante que esse problema vai se tornar cada vez mais agudo. A capacidade humana de inventar coisas ultrapassa sua capacidade de pagar por elas. A idéia de omitir tecnologias médicas marginalmente úteis porque são muito custosas parece ofensiva a muitos. Mas, afinal, temos de aceitar esta realidade. Assim quem deveria obter recursos médicos escassos que potencialmente salvam vidas? Os que mais podem pagar? Aqueles que são mais úteis à sociedade? De outro lado, se tais técnicas médicas dispendiosas não podem ser dadas a todos que as necessitam, dever-se-ia favorecer alguns? Que diz a ética cristã sobre questões de justiça distributiva?

PRINCÍPIOS BÍBLICOS DA BIOÉTICA CRISTÃ
A ferramenta cristã básica, insubstituível, são as Sagradas Escrituras, com o cânon definido pela Reforma Protestante do século XVI. Auxiliares subsidiários, que com elas dialogam permanentemente, estão a Tradição, a experiência e a razão.
Nos debates bioéticos brasileiros atuais, a Vida tem sido colocada como o bem precioso, frequentemente aquele que deve balizar qualquer decisão. Muitas vezes parece faltar uma definição mais clara se ela é o princípio básico ou se é o principal derivado deste. Esta é a discussão deste trabalho.
Gênesis deixa claro que, não importa como, Deus criou, em um dado momento, chamado "no princípio" (Gn 1.1), "os céus e a terra", em um processo onde os mundos, inanimado e o animado passaram a existir. Não importa por qual processo, direta ou indiretamente, o inanimado original e o animado original passaram a existir por uma decisão direta ou indireta do Criador. A vida é, no princípio, um dom divino. A morte humana não é mencionada enquanto criada, mas como possibilidade frente à capacidade de decisão da criatura com a qual o Senhor Deus estabelece uma relação singular:
· apenas no versículo 26 o plural é empregado: "façamos o homem". Se fosse apenas um plural majestático, já implicaria em uma diferenciação significativa com tudo o antes criado, animado e não-animado;
· o homem, zoologicamente classificado como homo sapiens, é feito existência "a imagem e semelhança" do Criador;
· a ele, macho e fêmea, sem distinção, é dado poder ("domine" 1.26) e responsabilidade ("cuidar e cultivar" 2.15)
As Escrituras descrevem que, apesar do pecado haver causado um impacto revolucionário (em sentido negativo) em todos os aspectos da vida humana, Deus não se ausenta do mundo, mas continua sustentando-o, mantendo as condições necessárias à sobrevivência dos seres vivos. E, ao longo da história, conduzindo-a de modo a revelar-Se a Si mesmo a uma humanidade incapaz de reconhecê-lo sem esta revelação.
A observação dos ciclos históricos à luz das Escrituras permite entender a história como uma espiral, onde, diferente do círculo que não caminha a lugar algum conduzida por Ele desemboca em "um novo céu e uma nova terra, onde habita a justiça" (2 Pe 3.13), dados a uma humanidade redimida, e não construídos por ela. Ambas as criações, o Jardim do Éden, onde para a humanidade tudo começou, e a Nova Jerusalém, onde para ela tudo acaba, são presentes, dádivas, incapazes de serem produzidas pelo homem, mas a ele dadas do alto. A vida, no seu sentido amplo, é sempre dada; no seu sentido individual, sempre um dom, pois mecanismos de não-vida foram suplantados. Estes são aqueles que, por exemplo, impedem que toda fecundação resulte em um parto.
Contudo, há vida e vida. A doação do mundo inanimado vem junto com a doação do reino vegetal ao animal: aquele é alimento deste. A vida do vegetal é função da vida animal (Gn 1.30). Mas há uma dupla responsabilidade (Gn. 2.15) que limita o poder da humanidade, também dado (Gn 1.26):
-O cultivar: tratar a terra preparando-a para receber a semente; plantá-la com cuidados especiais, promovendo o seu desenvolvimento; empenhar-se para mantê-la por tempo indeterminado;
-O guardar: defender, proteger, preservar, zelar, manter em bom estado;
-A importância da vida pode ser deduzida a partir da não execução imediata da sentença de morte frente ao primeiro pecado. À humanidade é permitido continuar a viver em um mundo agora violado, não guardado como deveria ter sido. Um mundo onde cultivar deixa de ser puro prazer para ser também dor (Gn 3.17-18); um mundo onde Deus não "anda mais pelo jardim quando soprava a brisa do dia" (Gn 3.8), mas que tem de ser buscado "de todo o coração" e aí "Eu me deixarei ser encontrado" (Jr 29.13-14).
A vida é importante mesmo na distância física de Deus, mesmo em um mundo corrompido e mau.
Na aliança com o povo de Israel (que sucede as alianças anteriores com Adão, Noé e com os patriarcas), detalhado código legal é proposto como a parte humana do acordo. E ele se inicia com mandamentos objetivos, onde um dos primeiros é "não matarás" (Ex 20.13).
Ou,"preservarás a vida", tanto ela em si, como "preservarás a qualidade de vida do seu próximo", ao não violar a sua aliança conjugal; ao não retirar o seu meio de sustento, ou o seu resultado; ao não prejudicá-lo através da mentira; ao não cobiçar a sua propriedade.
O matar alguém de modo intencional e planejado, inclusive por ter pela vítima as piores emoções, é punido com pena de morte, não havendo local possível de refúgio, nem no altar (Ex 21.14), nem nas cidades de refúgio (Dt 19.11-13). Se, por um lado, este dispositivo mostra o valor da vida - tirá-la de alguém é imperdoável (e a lei não abre exceção para motivos específicos, mas aponta que, mesmo quando sob forte emoção como o ódio, permanece sem possibilidade de perdão), mostra que a vida não é um valor absoluto, pois ela pode ser tirada no interesse da justiça, através de mãos humanas: assassinato premeditado, sequestro, agressão (física?) aos pais, homicídio por imprudência, morte em defesa da propriedade durante o dia (Ex 21.12 a 22.2). Igualmente, a vida poderia ser retirada no interesse da santidade do povo que aceitava os termos da aliança: feitiçaria, relações sexuais com animais, adoração de outros deuses (Ex 22.18-20); trabalho no dia do sábado (Ex. 31.14); relações sexuais com parentes, homossexualismo, relação sexual com a esposa menstruada (Lv. 20).
A vida poderia ser, pelas mãos de Deus, retirada em caso de pecados sociais, como prejudicar os órfãos e as viúvas (Ex 22.22-24), ou seja, aqueles indefesos da sociedade.
Reversamente, os socialmente indefesos são objeto de cuidados especiais, e os prejudicar, enquanto comunidade (o mandamento supõe a coletividade como um todo), torna-se razão para o sofrimento e morte através da espada, de modo que os agora opressores deixariam também, órfãos e viúvas.
No exílio babilônico, a desobediência consciente da lei que obrigava à violação da aliança do Sinai, mesmo que resulte em morte, é implicitamente aprovada. Sadraque, Mesaque e Abde-Nego negam-se a adorar a estátua real e são legalmente denunciados ao rei. Não se defendem (Dn 3.16) e não têm a própria vida como algo "a que deviam apegar-se" (Ef 2.6).
Proclamam sua fé no milagre que, reconhecem, não ser obrigação divina e não fazem ou propõe acordo: "se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e Ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas se Ele não nos livrar, saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos teus deuses nem adoraremos a imagem de ouro que mandaste erguer". (Dn. 3.16-18) O dom da vida não vale a apostasia - é preferível a morte. Não é demais lembrar que àquele tempo o conceito de ressurreição não estava firmado - os três aceitaram literalmente cessar as suas existências (Ap. 6,9-11).
No contexto da Nova Aliança, a morte como conseqüência do não negar a fé também reforça a idéia de que a vida não vale qualquer preço, não é suprema. O autor de Hebreus chama os fiéis de "tão grande número de testemunhas" (Hb 12.1), e no Apocalipse os mártires estão na presença de Deus (Ap. 6,9-11), assim como são proclamados vitoriosos porque mesmo frente a morte não renegaram a fé (Ap. 12.11).
Parece legítimo propor que, dentro dos limites das Escrituras, o valor supremo é a obediência. Portanto, dentro do debate bioético, a posição cristã sempre será em resposta obediente à vontade de Deus apreendida por uma hermenêutica contextualizada. Para a comunidade de fé, não é necessário explicar este valor e suas motivações. Mas para aqueles estranhos a ela, provavelmente é impossível a aceitação deste valor.
Toda a discussão que passe pela vida enquanto valor tem este valor como derivado das normas escriturísticas, e a elas subordinado.
“Devemos avançar de uma ciência eticamente livre para outra eticamente responsável; de uma tecnocracia que domina o homem para uma tecnologia que esteja a serviço da humanidade do próprio homem” (Hans Kung)
A Bioética é o território a partir do qual ocorre o confronto de saberes entre os problemas surgidos do progresso das ciências biomédicas, das ciências da vida e, em geral, das ciências humanas(1). Alguns temas tem sido objeto de preocupação da Bioética entre os quais contracepção, aborto, eutanásia e dignidade da morte, distanásia, transplante e doação de órgãos, tecnologia de fecundação humana, esterilização, uso de psicofármacos, drogas, contaminação ou degradação da biosfera, problemas de justiça social na distribuição de recursos em saúde e responsabilidades para gerações futuras (1,10). A palavra Bioética surgiu em 1970, e resulta de um neologismo que une ética e a Biologia, estabelecendo valores éticos e fatos biológicos para sobrevivência do ecossistema (10). Bioética é o estudo sistemático do comportamento humano na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, quando se examina esse comportamento à luz dos valores e dos princípios morais, de acordo com a Enciclopédia de Bioética (1,10).
A discussão sobre ética vem sendo enfrentado por vários autores - em diferentes épocas históricas - muito embora somente conheçam as normas éticas dos últimos milênios.
Certamente deve haver um princípio ético supremo, que perpassa a pré-história e a história da humanidade (13).
Para quem trabalha na área da saúde, tais temas podem parecer até longínquos, mas o fato é que eles terão de ser enfrentados, cedo ou tarde. Não há espaço para omissão, é preciso lutar para unir os conhecimentos científico e humanista segundo Sgreccia (10).
Um aspecto muito próximo de quem trabalha na área da saúde é a pesquisa que envolve seres humanos
Segundo alguns autores, não se deve confundir Bioética com a ética profissional, cujo nome mais adequado seria Deontologia Profissional, muito embora no Código de Ética da Profissão Farmacêutica nos itens I,II,III,IV,V e VI do artigo 19 da Seção V , da Resolução CFF 290/96 ”Da Pesquisa Farmacêutica”, haja uma interseção entre a Deontologia e a Bioética (6).
O Código de Ética Médica se relaciona em alguns artigos e capítulos direta ou indiretamente com a pesquisa envolvendo seres humanos. Códigos de outras profissões da área da saúde, no que se refere a estas pesquisas, são menos completos do que o referido código, podendo algumas vezes remeter certas decisões para outras instâncias, como por exemplo, o Conselho Nacional de Saúde (7).
A discussão de temas sobre Bioética vai muito além da revisão de um protocolo de pesquisa envolvendo seres humanos. No Brasil um marco nas ações em Bioética foi a Resolução 196/96 que fornece um direcionamento para uma análise de pesquisa, fundamentada em entendimentos internacionais e nacionais, de forma a harmonizar critérios e exigências em pesquisas envolvendo seres humanos (11).
Tal Resolução regulamenta diretrizes e normas de pesquisa envolvendo seres humanos, preocupação esta de longa data dos pesquisadores e estudiosos e que faltava consolidar-se em forma de norma.
Esta Resolução fundamentou-se em documentos internacionais de onde emanaram declarações e diretrizes sobre estas pesquisas, além de consultas a vários segmentos da sociedade brasileira, tendo como base a Legislação Nacional.
Relação de documentos que fundamentaram a Resolução 196/96
1916 Lei 3.071 e legislação complementar. Código Civil-Congresso Nacional
1940 Decreto-lei 2.848 e legislação complementar.
Código Penal - Presidência da República do Brasil
1946 Código de Nuremberg. Tribunal de Guerra
1948 Declaração dos Direitos Humanos.
Organização das Nações Unidas-ONU
1962-2000
Declaração de Helsinque(1962).Modificada em 1964, Atualizada em Tóquio (1975), Veneza(1983), Hong Kong (1989), Sommerset West (Africa do Sul)(1996), Edimburgo (2000) Associação Médica Mundial-AMM
1966 Acordo Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Aprovado pelo Congresso Brasileiro em 1992-ONU
1968 Declaração de Sidney.
Atualizada em Veneza em 1983.
Determinação do momento da morte e dos tratamentos da fase final da doença – AMM
1982 e 1993
Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas. Organização
Mundial da Saúde-OMS
1987    Princípios de Ética Médica.Comunidade Econômica  Européia
1988 Constituição da República Federativa do Brasil
Assembléia Nacional Constituinte
1988 Resolução nº 01/88.
Norma de Pesquisa Médica no Brasil.
Conselho Nacional de Saúde-CNS
1990 Lei 8.078. Código de Defesa do Consumidor -Congresso Nacional1990 Lei 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente-Congresso Nacional
1990 Lei 8080. Lei Orgânica da Saúde-Congresso Nacional
1990 Lei 8.142. Participação da comunidade na gestão do SUS-Congresso
Nacional
1990 Decreto 99.438 Organização e atribuições do CNS -Presidência da República do Brasil.
1990 Decreto 98.830, por Estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil –
Presidência da República do Brasil.
1991 Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos –
CIOMS/OMS
1992/93
Lei 8.489/92 e Decreto 879/93 Retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins terapêuticos, científicos e humanitários
Congresso Nacional e Presidência da República do Brasil 1992 Lei 8.501
Utilização de cadáver não reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científicas Congresso Nacional
1995 Lei 8.974. Normas para uso das técnicas de Engenharia Genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados e criação da
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança -Congresso Nacional
1995 Diretrizes sobre Boas Práticas para Ensaios de Produtos Farmacêuticos. OMS

1996 Lei 9.279. Regula direitos e obrigações relativos a propriedade industrial-

Congresso Nacional
1996 Resolução nº 196/96. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos – CNS
CIOMS: Council for International Organization of Medical Sciences
A Igreja Católica Romana vem enfrentando questionamentos sobre Bioética em diversos momentos, por meio do Concílio Vaticano II, Encíclica Humanae vitae, Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Os temas referem-se a conceitos de homem e de família, aborto provocado, questões da moral sexual, esterilização nos hospitais católicos, eutanásia, respeito a vida humana nascente e a dignidade da procriação, dentre outros10.
Outras igrejas cristãs e outras confissões religiosas também formularam propostas, haja vista as orientações do Conselho Ecumênico da Igrejas das Genebra relativas ao aborto e ao diagnóstico pré-natal (“manipulating life: ethical issues in genetic engineering” -1982)10.
O mundo Islâmico também tem tratado de questões sobre o assunto, no código Islâmico de Ética Médica -198110.
A discussão de temas em Bioética deve se estender além dos limites das instituições de ensino e pesquisa, passando a ser estimulada em diversos locais, como indústrias farmacêuticas, áreas de produção de imunobiológicos e hemoderivados, em seus diversos staffs.
No Brasil já há centros que se preocupam com o conhecimento mais aprofundado e robusto em Bioética. Ocorre por meio de disciplinas de graduação e pós-graduação, criação de núcleos e sociedades científicas, assim como promoção de seminários, simpósios e congressos, intercâmbio com outras instituições no exterior, elevando a produção e divulgação de temas no nosso meio. Já existem experiências de Comitês de Ética em Pesquisa, CEP, no Brasil que estão se consolidando com sucesso, como o que ocorre no Instituto Adolfo Lutz desde 1997. A tendência é o fortalecimento dos CEPs, e a multiplicação das publicações que tratam de suas experiências, que auxiliam a formação e evolução de novos comitês. Alem disso é “ um forte impulso à reflexão Bioética” conforme Sgreccia 9,10,12. O CEP deve ter caráter multi e transdisciplinar, não devendo haver mais do que a metade de seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando pessoas dos dois sexos, constituído por um número não inferior a sete membros e pelo menos um deles da sociedade representando os usuários da instituição. Poderá ainda contar com consultores ad hoc, pessoas pertencentes ou não a instituição, com a finalidade de fornecer subsídios técnicos2. Esta composição permite que a pesquisa, desde a sua proposta, seja avaliada sob vários pontos de vista, de maneira ampla, instrumentalizada por princípios religiosos, filosóficos, culturais, políticos, econômicos, sociais, metodológicos, científicos e éticos levando-se em conta os hábitos e costumes presentes em determinada época14. Deve-se mencionar também a ética em experimentação animal, que tem preocupado tanto a comunidade científica quanto a sociedade civil organizada. Em vista disso têm sido introduzidos novos conceitos de princípios humanitários nas técnicas experimentais como os princípios do 3Rs (replacement, reduction, refinement), substituição, redução e refinamento; estes conceitos têm sido apresentados e discutidos em eventos técnico-científicos na área da saúde. Na área de desenvolvimento de fármacos e produtos farmacêuticos a Resolução 251/97 CNS/MS incorpora todas as disposições contidas na Resolução 196/96 complementando com disposições da área temática específica de pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos3. Esta norma trata da verificação de boas práticas de pesquisa clínica, avaliação de projeto de pesquisa de Farmacologia Clínica (Fases I,II,III,IV) de produtos não registrados no país e estudos de Biodisponibilidade e Bioequivalência 3.
A Indústria Farmacêutica, ao desenvolver um novo tratamento, poderá realizar experimentos clínicos planejados, juntamente com universidades, hospitais públicos e privados, institutos de pesquisa e centros credenciados, submetendo o protocolo de pesquisa à apreciação do CEP institucional e, em muitos casos, com encaminhamento à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, CONEP, quando pertinente, ou seja, quando se tratar da competência dessa instância. Para conhecer as Instituições que têm seu CEP aprovado pela CONEP até 01/2/2001, pode-se consultar os Cadernos de Ética em Pesquisa, publicação da CONEP, ou buscar informação junto a própria comissão por meio do site do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, CNS/MS4,5. À guisa de conclusão, a Bioética é a lente de aumento, que podemos utilizar como instrumento para ampliar nossas reflexões sobre o objeto de pesquisa, tendo a vida como principal valor, e sua conservação e de gerações futuras com melhor qualidade. Este é o desafio que temos o dever de enfrentar

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Pesquisa realizada pelo Dr. Josué Campos Macedo