"Bioética: uma disciplina
que trata das implicações éticas e aplicações, especialmente em medicina."
Webster's Ninth New Collegiate Dictionary.
Bio – Vida. A vida é real e a sua
origem está na Vida do Criador. Somente a Vida pode produzir outra vida.
Ética - Estudo do juízo de
apreciação que se refere à conduta humana suscetível de qualificação do ponto
de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de
modo absoluto (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).
Ética - A ciência da moral; moral
(Caldas Aulete).
Ética - É a teoria ou ciência do
comportamento moral dos homens em sociedade (Adolfo Sánchez Vázquez).
Tomando as diferentes definições
de Ética, temos de partir para uma definição também Moral:
Moral - Conjunto de regras de
conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou
lugar, quer para grupo ou pessoa determinada (Aurélio Buarque)
Moral - Parte da filosofia que
trata dos costumes, deveres e modo de proceder dos homens para com os outros
homens (Caldas Aulete)
Moral - É um sistema de normas,
princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas
entre os indivíduos ou entre estes e a comunidade, de tal maneira que estas
normas, dotadas de um caráter histórico e social, sejam acatadas livre e
conscientemente, por uma convicção íntima e não de uma maneira mecânica,
externa ou impessoal (Adolfo Sánchez Vázquez).
E completando a definição de
termos relacionados ao tema, vejamos Deontologia.
Deontologia - O estudo dos
princípios, fundamentos e sistemas de moral. Tratado de deveres (Aurélio
Buarque).
Deontologia - Ciência dos deveres
(Caldas Aulete).
Deontologia - Teoria da obrigação
moral quando não se faz depender a obrigatoriedade de uma ação exclusivamente
das conseqüências da própria ação ou da norma com a qual se conforma (Adolfo
Sánchez Vázquez).
Tendo em vista tais definições,
verificamos que, em linhas gerais, a Ética é a Norma, enquanto a Moral é a
ação. Ou, em outras palavras, a Moral é o que acontece e a Ética é o que
deveria ser.
A Deontologia é o conjunto
codificado das obrigações impostas aos profissionais de uma determinada área,
no exercício de sua profissão. São normas estabelecidas pelos próprios
profissionais, tendo em vista não exatamente a qualidade moral de suas ações,
mas a “correção” das mesmas, tendo em vista a relação entre profissão e
sociedade. O primeiro Código de Deontologia foi feito exatamente na área
médica, nos Estados Unidos, em meados do século passado.
Já o termo BIOÉTICA surgiu em
1971, também naquele país, não objetivando repetir o que já existia na área
médica, mas abrangendo todo o inter-relacionamento com as diferentes formas de
vida que em última análise afeta profunda e decisivamente o Ser Humano.
Portanto, estudar a Ética é
formar o embasamento para o comportamento moral que se faz imprescindível ao
exercício profissional, mormente em profissões que lidam com a saúde, mais
especificamente com o Ser Humano. Dentro de um manual prático de estudo da
Ética profissional, portanto um estudo específico torna-se inadequada uma visão
mais ampla de todo o embasamento filosófico e histórico deste difícil assunto.
Vejamos, entretanto, algumas linhas gerais apenas para facilitar a compreensão
de seu posicionamento em nosso “aqui e agora”.
Nas palavras de Vázquez, as
doutrinas éticas fundamentais nascem e se desenvolvem em diferentes épocas e
sociedades como respostas aos problemas básicos apresentados pelas relações
entre os homens, e, em particular, pelo seu comportamento moral efetivo. Existe
assim uma estreita vinculação entre os conceitos morais e a realidade humana,
social, sujeita historicamente à mudança. Dentro desta conceituação, as doutrinas
éticas não são consideradas de modo isolado, mas dentro de um processo de
mudança e de sucessão que constitui propriamente a sua história.
Uma moral primitiva surgiu com o
próprio homem, onde a sobrevivência básica se constituía na norma ética fundamental.
A “Moral Tribal” se resumia em trabalhar para comer, matar para não morrer.
O homem da caverna lutava para se
alimentar e para preservar o seu abrigo natural. Naquelas circunstâncias,
atitudes de alta agressividade - na nossa conceituação atual - poderiam e eram
consideradas eticamente válidas. Mas o homem primitivo foi evoluindo e suas
novas realidades sociais criaram por sua vez novas realidades éticas que
modificaram e até mesmo anularam as regras anteriores.
Nesta nova evolução histórica,
chegamos à civilização grega que influiu de modo avassalador em nosso mundo
ocidental.
Surgiu então a chamada Ética
Grega. Ao naturalismo dos filósofos pré-socráticos sucedeu uma preocupação com
os problemas do homem, seus problemas políticos e morais, em decorrência da
democratização da vida política da Antiga Grécia. Aparecem então os filósofos e
grupos que introduzem novas formas de posicionamento que marcaram a história.
No século V a.C., surgiram os
Sofistas que consideravam estéril o saber a respeito do mundo, sendo atraídos
especialmente pelo saber a respeito do homem, particularmente político e
jurídico. Tornaram-se os mestres que ensinavam a arte de convencer pela
argumentação, pela discussão. Para eles não existiam nem verdade nem erro e as
normas, por serem humanas, eram transitórias.
Surgiu em seguida Sócrates, que,
apesar de também desprezar o conhecimento da natureza e a tradição, rejeitava o
relativismo e o subjetivismo dos sofistas. Sócrates considerava como saber
fundamental o saber a respeito do homem. Daí seu ensinamento básico: “Homem,
conhece-te a ti mesmo”. E acrescentava: “Só sei que nada sei!” Concluindo:
“Deve-se melhorar o conhecimento e aperfeiçoar a conduta”.
A ética socrática é racionalista
e pode ser resumida na seguinte colocação: “O homem age retamente quando
conhece o bem, e, conhecendo-o, não pode deixar de praticá-lo; por outro lado,
aspirando ao bem, sente-se dono de si mesmo e, por conseguinte, é feliz”.
À ética socrática segue-se a de
Platão, seu discípulo, a qual dependia intimamente da sua concepção metafísica
(dualismo do mundo sensível e do mundo das idéias permanentes, eternas,
perfeitas e imutáveis que constituíam a verdadeira realidade) e da sua doutrina
da alma (princípio que animava ou movia o homem, constando de três partes:
razão, vontade e apetite).
PLATÃO privilegiava a relação
Homem-Estado, enquanto afirmava a dualidade Corpo-Alma, onde essa será superior
àquela e como conseqüência estabelecia um total desinteresse pelas coisas
materiais, em favor quase que exclusivista das coisas do espírito. Na época
platônica notava-se um desprezo pelo trabalho físico e a exaltação das classes
dedicadas às atividades consideradas superiores: contemplação, política e a
guerra. Na sua ética, os escravos não tinham lugar no Estado ideal, pois seriam
desprovidos de virtudes morais e direitos cívicos. Assim, na ética platônica
existia uma estreita unidade da moral e da política, pois para ele o homem se
formava espiritualmente somente no Estado e mediante a subordinação do
indivíduo à comunidade.
Veio a seguir Aristóteles, que
foi discípulo de Platão. Mas Aristóteles se opunha a seu mestre no que dizia
respeito ao dualismo ontológico. Para ele a idéia não existia separada dos
indivíduos concretos. A idéia existia somente nos seres individuais. E
Aristóteles procurava responder à pergunta fundamental: qual é o fim último
para o qual tende o Homem? Para a felicidade, dizia ele. E esta felicidade não
era o prazer ou a riqueza, mas a vida teórica ou contemplação, guiada pelo que
o homem tinha de mais característico e elevado: a razão.
Para se realizar esta vida, dizia
ele, eram fundamentais as virtudes não inatas, mas que se adquiriam ou
conquistavam pelo exercício. Estas virtudes ele as considerava em duas classes:
as intelectuais e as práticas ou éticas. Finalmente considerava Aristóteles que
a felicidade se alcançava mediante a virtude, porém com algumas condições
necessárias: maturidade, bens materiais, Liberdade pessoal e saúde, embora
estas condições isoladas não bastassem para fazer alguém feliz.
Aristóteles considerava que o
homem enquanto tal só poderia viver na cidade, pois era por natureza um animal
político, ou seja, social. Somente os deuses e os animais não tinham
necessidade da comunidade política para viver. Mas ele afirmava que esta vida
teórica só era possível a uma minoria ou elite, da qual a maior parte - os
escravos - estava excluída. Dentro deste quadro, o homem - o sábio - devia ser,
ao mesmo tempo, um bom cidadão.
Com a decadência do mundo antigo
greco-romano, surgiram os Estóicos e os Epicuristas.
Para ambos, a moral não mais se definia em relação à cidade, mas ao universo
(cosmos). O problema moral era colocado sobre o fundo da necessidade física,
natural, do mundo. Por isso, a física se tornava a premissa da ética.
Para os estóicos o mundo passava
a ser o centro de tudo, onde só acontecia o que Deus quisesse. Passava a
dominar assim uma fatalidade absoluta. Não existia a liberdade nem o acaso.
Como conseqüência, o homem que vivia no mundo tinha seu destino rígido e só lhe
restava aceitar este destino e agir consciente dele. Deixava de ter necessidade
da comunidade, pois passava a viver moralmente como cidadão do mundo, do cosmo.
Já não era limitado a uma “polis”, a uma comunidade menor. Para os epicuristas
tudo o que existia, incluindo a alma, era formado de átomos materiais, não
havendo nenhuma intervenção divina nos fenômenos físicos nem na vida humana.
Livre assim de temores
religiosos, o homem passava a buscar seu bem neste mundo, o qual era
representado pelo prazer, ainda que considerassem alguns prazeres como
inadequados, somente devendo buscar aqueles que contribuíssem para a paz da
alma. O homem procurava em si mesmo, ou num pequeno círculo de amigos, a
tranqüilidade da alma e a auto-suficiência.
Com esta ética se desfaziam a
unidade moral e da política. Sobre as ruínas desta sociedade surgiu a Ética
Cristã, sobretudo após o século IV quando o cristianismo se tornou a religião
de Roma.
A ética cristã, essencialmente
Teocêntrica, partia das revelações de Deus, das relações do homem com o seu
criador e do modo de vida prático que este homem devia seguir para alcançar a
sua salvação. Nesta ética, a relação do homem, mais do que uma inter-relação
com a comunidade ou com o mundo – cosmos -, estava ligada a Deus, seu criador.
Também no que dizia respeito às
virtudes havia uma superioridade do divino. Ainda que assimilando as virtudes
fundamentais já enunciadas por Platão: prudência, fortaleza, temperança e
justiça, acentuava virtudes supremas ou teologais: fé, esperança e caridade.
Enquanto as fundamentais regulavam as relações entre os homens, as teologais
relacionavam o homem com Deus.
Na ética cristã, já não existiam
as diferenças entre os homens: todos eram iguais diante de Deus,
independentemente de serem livres ou escravos, cultos ou incultos. Mas esta
ética de igualdade foi lançada numa época de enormes desigualdades e assim
muita incompreensão histórica surgiu dos fatos então acontecidos. Muitas vezes
a desigualdade material e social não foi condenada pela ética cristã, gerando
com isso críticas violentas no mundo moderno. Para melhor compreender esta
situação é preciso situar-se no momento histórico-social do tempo em que tal
aconteceu. Na verdade o cristianismo veio dar aos homens, pela primeira vez em
sua história, a consciência de sua igualdade - onde incluía os oprimidos e
explorados - mas numa época onde não havia condições reais e sociais para esta
igualdade efetiva.
Na Idade Média, a igualdade só
podia ser um nível espiritual ou visualizada num mundo do amanhã, também
espiritual. Portanto o cristianismo tinha uma profunda marca da Idade Média,
quando era totalmente fantasioso pensar-se numa igualdade real de todos os
homens. Esta mensagem certamente terá sido a semente da modificação radical que
se processou no decorrer da história e que, apesar de estarmos longe ainda de
sua plena realização, vem se processando às vezes rápida, às vezes lentamente,
mas sempre em caminhada.
No século XV surge a Moral
Burguesa, caracterizada pela exploração do Homem pelo Homem, dando como
corolário o início e a expansão do Capitalismo, no século seguinte.
A ética dominante a partir do
século XVI até o século XIX denomina-se Ética Moderna, Racionalista, embasando
a Revolução Industrial do século XVIII. Esta ética, contrapondo-se à ética
teocêntrica da Idade Média, tornou-se antropocêntrica e teve sua maior
expressão em Kant.
Houve mudanças na economia,
incrementando-se as forças produtivas e a ciência. Na ordem social surgiu uma
nova classe: a burguesia, seguindo-se a extinção da sociedade feudal, de
pequenos Estados, dando origem à formação dos grandes Estados.
Na religião, surgiram os
movimentos reformistas, separando-se a razão da fé, a natureza de Deus, o
Estado da Igreja e até mesmo o homem de Deus. Com isto, a ética moderna
tornou-se essencialmente antropocêntrica, isto é, tornou o homem como o centro
de sua atenção. E Kant deu então o seu mandamento fundamental: “Age de maneira
que possas querer que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal”.
Finalmente chegamos na Ética
Contemporânea, que tem o seu início em meados do século XIX, provocada pelas
violentas mudanças ocorridas em toda a humanidade, com o desenvolvimento das
ciências que chegaram ao paradoxo de criar condições cada vez mais eficientes de
destruição, até mesmo da própria humanidade. Ocorreu então uma reação:
a) Contra o formalismo e o
universalismo abstrato e em favor do homem concreto.
b) Contra o racionalismo absoluto
e em favor do reconhecimento do irracional no comportamento humano.
c) Contra a fundamentação
transcendente da ética e em favor da procura da sua origem no próprio homem.
As principais correntes desta
Ética Contemporânea são: o Existencialismo, o Pragmatismo, a Psicanálise, o
Marxismo, o Neopositivismo e a Filosofia Analítica.
No Existencialismo, Kierkegaard e
Sartre representam seus principais teóricos. Para ambos, o que vale é o homem
concreto, o indivíduo como tal. Ao racionalismo é contraposto um irracionalismo
absoluto e um individualismo radical. O que diferencia Sartre de Kierkegaard é
a crença em Deus, pois para Sartre Deus não existe, e o homem é plenamente
livre sem qualquer vinculação com um criador.
O pragmatismo nasce e se difunde
essencialmente nos Estados Unidos, estreitamente ligado ao desenvolvimento técnico
e científico e do espírito de empresa. O pragmatismo se caracteriza pela sua
identificação da verdade com o útil, no sentido daquilo que melhor ajuda a
viver e a conviver. Para esta corrente, eticamente quando se diz que algo é
bom, significa que leva eficazmente à obtenção de um fim, que leva ao êxito.
Deste modo torna-se essencialmente egoísta.
A Psicanálise deu sua
contribuição ética por afirmar que existe uma zona da personalidade da qual o
sujeito não tem consciência (inconsciência). Isto faria com que certos
comportamentos e atitudes recebessem uma outra explicação e, portanto, uma nova
conceituação ética.
No Marxismo, a visão do Homem é
de ser produtor, transformador, criador, social e histórico. Dentro desta
visão, são estabelecidas as premissas de uma ética marxista, dando especial
valor às classes e destas, especialmente ao proletariado cujo destino histórico
é abolir a si próprio dando origem a uma sociedade verdadeiramente humana.
Finalmente no Neopositivismo e
nas Filosofias Analíticas parte-se da necessidade de libertar a ética do
domínio da metafísica, acabando por concentrar a sua atenção na análise da
linguagem moral. Há uma insurreição contra toda ética que pretenda definir o
bom como uma propriedade natural, quando se trata de algo que não pode ser
definido. E que, portanto, só pode ser captado por meio da intuição. A esta
condição são conduzidos também os conceitos de dever, justeza, obrigação. No
mundo da Ética contemporânea, Mary Warnock afirma: “Todas as analogias e
modelos destinados a esclarecer a linguagem ética têm o aspecto de tentativas
preparatórias para limpar a mesa do jogo. E é natural que nos sintamos logrados
quando comprovamos que, uma vez limpa a mesa, parece estar terminado o próprio
jogo”.
Em nosso século, o Capitalismo
Financeiro substitui o Capitalismo Industrial, dando origem aos trustes e aos
cartéis. Somando-se à exploração do Homem pelo Homem, vem a exploração dos
Países pobres pelos Países ricos. Daqueles são retirados, por esses, as
matérias-primas e até os alimentos, sem haver, contudo, qualquer contrapartida
sócio-econômica.
A política, a arte e a ciência
vão adquirindo uma autonomia cada vez maior, e a ética, tanto quanto a
religião, perde a hegemonia que exercia sobre a sociedade tradicional. E, num
segundo tempo, a economia assume o papel dominante ficando até mesmo a ética a
ela subordinada. A Consciência passa a ser considerada como uma forma de
censura e de cerceamento da liberdade, enquanto essa adquire foros de plenitude
sem limites. Tudo se justifica em nome da liberdade! A regra predominante se
torna a procura do “melhor produto”, então considerado como o que dá mais lucro
e não o que é melhor para o Ser Humano. A tecnologia supera tudo e se
transforma na verdadeira deusa dos tempos modernos. Com ela, nasce e atinge sua
plenitude a Ética da Manipulação, regida pelos grupos dominantes que afirmam:
“assim é que deve ser”. A filosofia de vida assume uma nova conotação: “os
outros que se danem!”
Essa Ética da Manipulação se
caracteriza pelos seguintes pontos:
1) Todo processo educativo será
orientado para construir cidadãos submissos e manipuláveis. Pensar, refletir e
tomar consciência deverão ser reduzidos aos níveis mínimos. O cidadão ideal
será algo como “uma ameba em coma alcoólica...” A educação visará
prioritariamente o processo de produção e consumo e o HOMO SAPIENS será
substituído pelo HOMO FABER.
2) Os meios de comunicação se
tornarão instrumentos ideais da manipulação. E o maior deles será a Televisão,
onde o diálogo é totalmente inexistente. A psicologia será posta a serviço
desse sistema de mass-media, manipulando cientificamente a opinião pública,
criando necessidades mesmo onde elas inexistam ou até mesmo sejam indesejáveis.
Os anúncios, mais que vender produtos, deverão estimular o consumismo
exacerbado, pela criação de necessidades fictícias. O cidadão passará a comprar
coisas, não porque delas realmente necessite, mas porque lhe foi incutido
cientificamente acreditar nessa falsa necessidade.
Exemplo disso é a indústria
farmacêutica inglesa que em 1973 gastou 33 milhões de libras em publicidade
contra 30 milhões em pesquisas...
3) O imediatismo será estimulado,
bem como a fixação na condição de descartabilidade das coisas. Com isso, se
criará uma falta de esperança num futuro melhor e as pessoas buscarão
resultados rápidos, mesmo em detrimento da qualidade. Cada conquista será
rapidamente descartada para que novos valores sejam buscados. Até o Ser Humano
se tornará descartável, seja nas relações afetivas - separações, divórcios,
amizades passageiras - seja nas comerciais, onde as demissões individuais ou em
massa se farão sem qualquer constrangimento, criando uma legião de infelizes
desempregados.
4) O próprio exercício da
pesquisa científica será manipulado, ficando essa restrita a um campo
sofisticado e exclusivo, onde o objetivo será sempre e tão-somente o resultado,
com uma absoluta redução ou até anulação do valor da vida, que perderá sua
sacralidade. O poder será a meta fundamental e o homem terá estimulado o seu
desejo de dominação e exploração do seu semelhante sem qualquer escrúpulo.
Diante desse quadro, de certo modo assustador, faz-se mister que o homem de
hoje, do aqui e agora, busque encontrar a ética dentro dos valores imutáveis
tanto quanto dos transitórios, formando seu conceito de vida em função de sua
própria dignidade de homem, centro indiscutível de toda a criação.
Como pistas iniciais para uma
reflexão mais profunda, colocamos os seguintes pontos:
1) Como norma básica, pode-se
afirmar que “nem tudo o que é cientificamente possível, é eticamente
permitido”. Dentro desse princípio, não se deve cair no rigorismo
fundamentalista, nem escorregar para o laxismo modernista. Sem desprezar as
tradições como conservadoras, deve-se olhar para frente, porém com os pés
cravados nas experiências vividas. A História, preventiva da repetição dos
mesmos erros, será cultivada e respeitada.
2) A vida humana deverá ser
inteiramente respeitada, desde a fecundação até a morte. O Ser Humano nunca
será considerado um meio, mas sempre o fim. Exemplo se faz no uso de placebos
na experimentação terapêutica. Não se pode colocar em risco a vida ou a saúde
do Ser Humano, pela omissão deliberada da terapêutica adequada, com o único
objetivo de se testar uma nova medicação experimental.
A esse propósito, deve-se
ressaltar que as experiências dos fatos ocorridos durante a II Guerra Mundial
gerou o chamado “Código de Nuremberg”, de 1946, destinado a limitar possíveis
experimentações médicas em Seres Humanos. Em 1962, com modificações em 1964,
foi efetivada a “DECLARAÇÃO SOBRE AS PESQUISAS BIOMÉDICAS”, em Helsinki, com
nova revisão em Tóquio, no ano de 1975. E, para mantê-la sempre atualizada à luz
de novas conquistas científicas, ficou deliberado que outras modificações
poderiam vir a ser feitas, sempre que necessário.
Dentro desses princípios,
define-se essencialmente que a pesquisa biomédica somente será aceita como tal,
se for verdadeiramente “Pesquisa”, ao invés de experimentações irrelevantes
apenas para aumento curricular de seus autores. Será exigida uma correta
avaliação da relação danos/benefícios e o consentimento prévio dos pacientes
será indispensável para o início e continuidade de trabalhos experimentais.
Ainda que esse seja um ponto bastante controverso em determinados casos, onde
uma interferência psicológica por parte do paciente poderá alterar
substancialmente os resultados de uma pesquisa. Assim, caberá aos pesquisadores
buscarem alternativas que atendam as necessidades técnicas da pesquisa, sem,
contudo, violentar os direitos básicos do Ser Humano.
De qualquer forma, toda a relação
entre pesquisadores e pacientes deverá necessariamente ter um caráter de
“cumplicidade”, ao invés de furtividade oportunista. Para isso, os
profissionais deverão estabelecer uma comunicação inteiramente compreensível ao
paciente, ao invés da costumeira utilização de um linguajar técnico,
manipuladoramente hermético aos não iniciados, tais como os dos Médicos,
Economistas, Psicólogos, etc., somente acessíveis à casta privilegiada da
Comunidade técnica específica.
3) Mas, não só o Ser Humano
deverá ser protegido pelas normas da Bioética, mas todas as formas de vida
existentes na natureza. Afinal, o Homem depende vitalmente de todas elas. Entre
os temas mais polêmicos está a chamada “Vivissecção”, que é o estudo em
animais, ditos irracionais, vivos. Em 1978 a UNESCO firmou a Declaração
Universal dos Direitos dos Animais, que entre outras coisas termina dizendo:
“Todo ato que acarrete a morte de um animal, sem necessidade, é biocídio, isto
é, delito contra a vida”. E prossegue: “Todo ato que acarrete a morte de grande
número de animais selvagens é genocídio, isto é, delito contra a espécie.
A partir daí, podemos concluir
duas regras básicas e obvias:
a) Faça ao próximo, o que
gostarias que ele te fizesse.
b) A caridade (isto é, o amor na
prática) respeita o próximo e sua a consciência.
Podemos, então fornecer subsídios
para um desenvolvimento da Consciência Crítica que irá proporcionar à pessoa
uma melhor possibilidade de avaliação de seus atos e dos acontecimentos que
ocorrerem em seu redor. Com esta avaliação ele será capaz de orientar e
reorientar o seu próprio comportamento, tornando-o ético diante de si mesmo,
diante da comunidade em que vive e diante do Criador Supremo. Ética começa no
berço. Compete aos pais, os primeiros educadores, forjar o caráter de cada novo
ser dentro de corretas normas éticas, não só pelas palavras, mas sobretudo
pelos exemplos. Quem traz de sua infância estes conceitos certamente irá
aprimorá-los na sua vida adulta e conseqüentemente viveremos num mundo melhor.
Numa sociedade onde o egoísmo, o pragmatismo frio, a ambição e o apego têm a
sua morada, o homem se torna cada vez menos homem, cada vez mais máquina e
nesta distorção vem a infelicidade, a angústia, o sofrimento estéril.
Acompanhando a história do homem, sua evolução social, cultural e ética,
poderemos tirar lições importantíssimas para o futuro da humanidade. Uma casa se
constrói sobre os alicerces assim como o futuro do homem se constrói sobre o
seu passado. Mas assim como a casa somente é habitada depois de construída, o
homem deve habitar o seu mundo no “aqui e agora”, utilizando os alicerces do
passado, mas sem se prender a ele. Pensando no futuro, mas construindo-o já, no
momento em que vive, pois esta é a única realidade que possui. Lamentar o
passado ou viver sonhando com o futuro é desperdiçar totalmente a sua vida, que
é realidade hoje.
Este é o sentido de se estudar
ética, começando pela sua história e vivendo-a na sua realidade de hoje.
Os tempos mudaram. O que mudou?
Primeiro, as questões urgentes de bioética. Questões centrais para o que
significa ser humano se recusam desaparecer. Com efeito, as questões têm-se
multiplicado. Segundo, um número crescente de cristãos tem aceito a
responsabilidade de entrar no debate bioético.
Consequentemente, as perguntas
são mais pertinentes do que nunca. Podemos nós desenvolver uma abordagem
distintamente cristã em questões de bioética? Pode essa abordagem ser
honestamente fundamentada na Bíblia? Tais questões exigem séria atenção pelos
cristãos, com seu compromisso com a fé bíblica e o cuidado da saúde.
DILEMAS EM BIOÉTICA
Desenvolvimentos em bioética
ilustram a espécie de perguntas que cristãos precisam adereçar.
Aborto. Tendo lido inúmeras
monografias de estudantes sobre o assunto, às vezes penso que todas as facetas
têm sido enfocadas. Mas a questão não dá sinal de que vá desaparecer. Com
efeito, o conflito sobre aborto parece se tornar cada vez pior. E novos
desenvolvimentos biomédicos prometem intensificar as questões morais.
Por exemplo, RU486, a droga
abortante aperfeiçoada na França, com o correr do tempo provavelmente se
tornará acessível em todo o mundo. Seu uso tornará o aborto mais barato, mais
seguro e mais privado, aumentando assim a necessidade de indivíduos moralmente
responsáveis a fim de pensarem claramente sobre as opções. Cristãos,
especialmente os que se envolvem com problemas de saúde, não podem evitar de
encarar as questões morais da vida humana pré-natal. Aqueles cristãos que
crêem, como eu, que Deus quer que protejamos a vida pré-natal e que o aborto,
mesmo quando necessário, é uma questão moral séria, precisam perguntar o que
significa tornar nossa fé prática. Que podem os cristãos fazer para reduzir a
tragédia do aborto?
Eutanásia. No passado, a maior
parte dos países tinham leis proibindo a eutanásia. A eutanásia era associada
com a corrupção da medicina na Alemanha nazista. Mais recentemente, porém,
novas técnicas médicas para prolongar a vida humana têm feito com que muitas
pessoas perguntem sobre a qualidade da vida prolongada. Estamos realmente
salvando vidas ou simplesmente prolongando o processo de morrer?
A questão se levanta com
freqüência crescente naqueles países bastante ricos para se dar o luxo de
tecnologias excessivas. Começando na Holanda e vinda para os Estados Unidos e
outros países, estamos vendo a disposição do público de "ajudar"
aqueles que estão morrendo a encurtar suas vidas deliberadamente. É negar
cuidado médico, que parece apenas aumentar o sofrimento do moribundo, o mesmo
moralmente que pôr termo ativamente à vida do paciente? Importa se as medidas
são tomadas por profissionais (isto é, eutanásia) ou pelos pacientes mesmos (isto
é, suicídio com assistência)? Terá o Cristianismo, que tradicionalmente se opôs
ao suicídio, respostas para os dilemas atuais introduzidos pela capacidade da
tecnologia controlar o termo da vida?
Reprodução. Entre as questões
mais recentes de bioética, nenhuma é mais intrigante do que as que se
relacionam com reprodução humana com assistência. Além da inseminação
artificial, mães substitutas e fertilização in vitro, podemos agora clonar
embriões humanos por divisão celular. Pode-se até colher e armazenar oócitos
(isto é, óvulos em desenvolvimento) retirados de ovários de fetos abortados.
Novas possibilidades para a vida
humana parecem ser limitadas apenas pela imaginação dos novos tecnocratas. Tudo
isso suscita questões profundas sobre paternidade, família e o cuidado dos
"próprios" filhos. Além disto, a comercialização desses novos
processos tem aumentado a complexidade moral. Em face destes dilemas, qual é o
ponto de vista cristão da procriação e família? Que princípios cristãos deviam guiar
nas decisões sobre oferecer ou aceitar novas técnicas para assistir na
reprodução humana?2
Genética humana. Novos avanços em
genética parecem prover maiores possibilidades para definir o que seja ser
humano. O mapeamento do genoma humano progride mais rapidamente do que se
previa há poucos anos. Logo poderemos identificar milhares de características
que se desenvolverão numa pessoa estudando no estado pré-natal o código
genético do indivíduo. Esse novo conhecimento encerra promessas fantásticas
para o cuidado da saúde.
A habilidade de predizer doenças
genéticas e preveni-las é excitante a qualquer que se preocupa em diminuir o
sofrimento humano. É fácil imaginar como esta informação pode levar a abusos
tais como aborto seletivo por razões triviais e discriminação contra os
portadores de certos defeitos genéticos. De que modo os cristãos decidirão como
fazer o melhor uso das oportunidades providas pela nova informação em genética,
ao mesmo tempo rejeitando os abusos potenciais?
Além de compreender o genoma
humano, temos agora o poder de mudá-lo. Durante os últimos 20 anos, biologistas
têm descoberto como manipular os genes de muitas diferentes formas de vida,
incluindo humanas. Material genético pode ser transferido de uma vida para
outra, mesmo através de barreiras entre espécies. Ademais, o potencial para
ajudar aqueles que têm doenças graves é espantoso. A pessoa cuja enfermidade
resulta de um gene ausente ou defeituoso pode ser "infectada" com o
material genético apropriado. Embora esses tratamentos ainda estejam na fase
experimental, muito prometem. Mas há também a ameaça de abuso, quando pessoas
são tentadas a usar a possibilidade não só para aliviar o sofrimento humano,
mas também para produzir uma "qualidade superior" de seres humanos.
Um exemplo comum é a demanda crescente de um fator de crescimento produzido por
engenharia genética para fazer com que crianças cresçam mais altas. Quais são
os limites morais da engenharia genética? Será que a crença na criação divina
nos ajuda a responder tais questões?
LIMITES DA CIÊNCIA MÉDICA
Todos esses "avanços"
podiam levar a ciência médica a novas alturas de confiança. Mas outros
desenvolvimentos recentes nos lembram dos limites do sucesso científico.
Durante a maior parte deste século, críamos que estávamos gradualmente eliminando
as doenças mais terríveis. Mas a epidemia da AIDS renovou nosso sentimento de
vulnerabilidade. Mesmo doenças como a tuberculose, que se julgava estar sob
controle nos países industrializados, começam a reaparecer com freqüência
assustadora. E novas variedades de bactérias resistentes a antibióticos ameaçam
a vida e a segurança humanas. Que significa o sacrifício cristão em tempo de
epidemia, especialmente quando algumas das doenças, tais como AIDS, estão
também associadas com estigma social? Será que fé bíblica oferece qualquer
diretriz sobre se deveríamos assumir os riscos necessários para cuidar dos
necessitados?
Outra lembrança dos limites é o
fato de que nenhuma sociedade é bastante rica para prover todos os cidadãos com
a mais recente e mais dispendiosa tecnologia médica. À medida que novos
tratamentos dispendiosos, como a transplantação de órgãos, passam da categoria
de cuidado experimental para a de normal, mesmo sociedades ricas têm de encarar
a realidade de limites econômicos. Ouvem-se mais e mais debates sobre o
racionamento do cuidado médico, incluindo o de tratamentos capazes de salvar
vidas.
Um fato básico garante que esse
problema vai se tornar cada vez mais agudo. A capacidade humana de inventar
coisas ultrapassa sua capacidade de pagar por elas. A idéia de omitir
tecnologias médicas marginalmente úteis porque são muito custosas parece
ofensiva a muitos. Mas, afinal, temos de aceitar esta realidade. Assim quem
deveria obter recursos médicos escassos que potencialmente salvam vidas? Os que
mais podem pagar? Aqueles que são mais úteis à sociedade? De outro lado, se
tais técnicas médicas dispendiosas não podem ser dadas a todos que as
necessitam, dever-se-ia favorecer alguns? Que diz a ética cristã sobre questões
de justiça distributiva?
PRINCÍPIOS BÍBLICOS DA BIOÉTICA CRISTÃ
A ferramenta cristã básica,
insubstituível, são as Sagradas Escrituras, com o cânon definido pela Reforma
Protestante do século XVI. Auxiliares subsidiários, que com elas dialogam
permanentemente, estão a Tradição, a experiência e a razão.
Nos debates bioéticos brasileiros
atuais, a Vida tem sido colocada como o bem precioso, frequentemente aquele que
deve balizar qualquer decisão. Muitas vezes parece faltar uma definição mais
clara se ela é o princípio básico ou se é o principal derivado deste. Esta é a
discussão deste trabalho.
Gênesis deixa claro que, não
importa como, Deus criou, em um dado momento, chamado "no princípio"
(Gn 1.1), "os céus e a terra", em um processo onde os mundos,
inanimado e o animado passaram a existir. Não importa por qual processo, direta
ou indiretamente, o inanimado original e o animado original passaram a existir
por uma decisão direta ou indireta do Criador. A vida é, no princípio, um dom
divino. A morte humana não é mencionada enquanto criada, mas como possibilidade
frente à capacidade de decisão da criatura com a qual o Senhor Deus estabelece
uma relação singular:
· apenas no versículo 26 o plural
é empregado: "façamos o homem". Se fosse apenas um plural
majestático, já implicaria em uma diferenciação significativa com tudo o antes
criado, animado e não-animado;
· o homem, zoologicamente
classificado como homo sapiens, é feito existência "a imagem e
semelhança" do Criador;
· a ele, macho e fêmea, sem
distinção, é dado poder ("domine" 1.26) e responsabilidade
("cuidar e cultivar" 2.15)
As Escrituras descrevem que,
apesar do pecado haver causado um impacto revolucionário (em sentido negativo)
em todos os aspectos da vida humana, Deus não se ausenta do mundo, mas continua
sustentando-o, mantendo as condições necessárias à sobrevivência dos seres
vivos. E, ao longo da história, conduzindo-a de modo a revelar-Se a Si mesmo a
uma humanidade incapaz de reconhecê-lo sem esta revelação.
A observação dos ciclos
históricos à luz das Escrituras permite entender a história como uma espiral,
onde, diferente do círculo que não caminha a lugar algum conduzida por Ele
desemboca em "um novo céu e uma nova terra, onde habita a justiça" (2
Pe 3.13), dados a uma humanidade redimida, e não construídos por ela. Ambas as
criações, o Jardim do Éden, onde para a humanidade tudo começou, e a Nova
Jerusalém, onde para ela tudo acaba, são presentes, dádivas, incapazes de serem
produzidas pelo homem, mas a ele dadas do alto. A vida, no seu sentido amplo, é
sempre dada; no seu sentido individual, sempre um dom, pois mecanismos de
não-vida foram suplantados. Estes são aqueles que, por exemplo, impedem que
toda fecundação resulte em um parto.
Contudo, há vida e vida. A doação
do mundo inanimado vem junto com a doação do reino vegetal ao animal: aquele é
alimento deste. A vida do vegetal é função da vida animal (Gn 1.30). Mas há uma
dupla responsabilidade (Gn. 2.15) que limita o poder da humanidade, também dado
(Gn 1.26):
-O cultivar: tratar a terra
preparando-a para receber a semente; plantá-la com cuidados especiais,
promovendo o seu desenvolvimento; empenhar-se para mantê-la por tempo
indeterminado;
-O guardar: defender, proteger,
preservar, zelar, manter em bom estado;
-A importância da vida pode ser
deduzida a partir da não execução imediata da sentença de morte frente ao
primeiro pecado. À humanidade é permitido continuar a viver em um mundo agora
violado, não guardado como deveria ter sido. Um mundo onde cultivar deixa de
ser puro prazer para ser também dor (Gn 3.17-18); um mundo onde Deus não
"anda mais pelo jardim quando soprava a brisa do dia" (Gn 3.8), mas
que tem de ser buscado "de todo o coração" e aí "Eu me deixarei
ser encontrado" (Jr 29.13-14).
A vida é importante mesmo na
distância física de Deus, mesmo em um mundo corrompido e mau.
Na aliança com o povo de Israel
(que sucede as alianças anteriores com Adão, Noé e com os patriarcas),
detalhado código legal é proposto como a parte humana do acordo. E ele se
inicia com mandamentos objetivos, onde um dos primeiros é "não
matarás" (Ex 20.13).
Ou,"preservarás a
vida", tanto ela em si, como "preservarás a qualidade de vida do seu
próximo", ao não violar a sua aliança conjugal; ao não retirar o seu meio
de sustento, ou o seu resultado; ao não prejudicá-lo através da mentira; ao não
cobiçar a sua propriedade.
O matar alguém de modo
intencional e planejado, inclusive por ter pela vítima as piores emoções, é
punido com pena de morte, não havendo local possível de refúgio, nem no altar
(Ex 21.14), nem nas cidades de refúgio (Dt 19.11-13). Se, por um lado, este
dispositivo mostra o valor da vida - tirá-la de alguém é imperdoável (e a lei
não abre exceção para motivos específicos, mas aponta que, mesmo quando sob
forte emoção como o ódio, permanece sem possibilidade de perdão), mostra que a
vida não é um valor absoluto, pois ela pode ser tirada no interesse da justiça,
através de mãos humanas: assassinato premeditado, sequestro, agressão (física?)
aos pais, homicídio por imprudência, morte em defesa da propriedade durante o
dia (Ex 21.12 a 22.2). Igualmente, a vida poderia ser retirada no interesse da
santidade do povo que aceitava os termos da aliança: feitiçaria, relações
sexuais com animais, adoração de outros deuses (Ex 22.18-20); trabalho no dia
do sábado (Ex. 31.14); relações sexuais com parentes, homossexualismo, relação
sexual com a esposa menstruada (Lv. 20).
A vida poderia ser, pelas mãos de
Deus, retirada em caso de pecados sociais, como prejudicar os órfãos e as
viúvas (Ex 22.22-24), ou seja, aqueles indefesos da sociedade.
Reversamente, os socialmente
indefesos são objeto de cuidados especiais, e os prejudicar, enquanto
comunidade (o mandamento supõe a coletividade como um todo), torna-se razão
para o sofrimento e morte através da espada, de modo que os agora opressores
deixariam também, órfãos e viúvas.
No exílio babilônico, a
desobediência consciente da lei que obrigava à violação da aliança do Sinai,
mesmo que resulte em morte, é implicitamente aprovada. Sadraque, Mesaque e
Abde-Nego negam-se a adorar a estátua real e são legalmente denunciados ao rei.
Não se defendem (Dn 3.16) e não têm a própria vida como algo "a que deviam
apegar-se" (Ef 2.6).
Proclamam sua fé no milagre que,
reconhecem, não ser obrigação divina e não fazem ou propõe acordo: "se
formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode
livrar-nos, e Ele nos livrará das suas mãos, ó rei. Mas se Ele não nos livrar,
saiba, ó rei, que não prestaremos culto aos teus deuses nem adoraremos a imagem
de ouro que mandaste erguer". (Dn. 3.16-18) O dom da vida não vale a
apostasia - é preferível a morte. Não é demais lembrar que àquele tempo o
conceito de ressurreição não estava firmado - os três aceitaram literalmente cessar
as suas existências (Ap. 6,9-11).
No contexto da Nova Aliança, a
morte como conseqüência do não negar a fé também reforça a idéia de que a vida
não vale qualquer preço, não é suprema. O autor de Hebreus chama os fiéis de
"tão grande número de testemunhas" (Hb 12.1), e no Apocalipse os
mártires estão na presença de Deus (Ap. 6,9-11), assim como são proclamados
vitoriosos porque mesmo frente a morte não renegaram a fé (Ap. 12.11).
Parece legítimo propor que,
dentro dos limites das Escrituras, o valor supremo é a obediência. Portanto,
dentro do debate bioético, a posição cristã sempre será em resposta obediente à
vontade de Deus apreendida por uma hermenêutica contextualizada. Para a
comunidade de fé, não é necessário explicar este valor e suas motivações. Mas
para aqueles estranhos a ela, provavelmente é impossível a aceitação deste
valor.
Toda a discussão que passe pela
vida enquanto valor tem este valor como derivado das normas escriturísticas, e
a elas subordinado.
“Devemos avançar de uma ciência eticamente
livre para outra eticamente responsável; de uma tecnocracia que domina o homem
para uma tecnologia que esteja a serviço da humanidade do próprio homem” (Hans
Kung)
A Bioética é o território a
partir do qual ocorre o confronto de saberes entre os problemas surgidos do
progresso das ciências biomédicas, das ciências da vida e, em geral, das
ciências humanas(1). Alguns temas tem sido objeto de preocupação da Bioética
entre os quais contracepção, aborto, eutanásia e dignidade da morte,
distanásia, transplante e doação de órgãos, tecnologia de fecundação humana,
esterilização, uso de psicofármacos, drogas, contaminação ou degradação da
biosfera, problemas de justiça social na distribuição de recursos em saúde e
responsabilidades para gerações futuras (1,10). A palavra Bioética surgiu em
1970, e resulta de um neologismo que une ética e a Biologia, estabelecendo
valores éticos e fatos biológicos para sobrevivência do ecossistema (10). Bioética
é o estudo sistemático do comportamento humano na área das ciências da vida e
dos cuidados da saúde, quando se examina esse comportamento à luz dos valores e
dos princípios morais, de acordo com a Enciclopédia de Bioética (1,10).
A discussão sobre ética vem sendo
enfrentado por vários autores - em diferentes épocas históricas - muito embora
somente conheçam as normas éticas dos últimos milênios.
Certamente deve haver um
princípio ético supremo, que perpassa a pré-história e a história da humanidade
(13).
Para quem trabalha na área da
saúde, tais temas podem parecer até longínquos, mas o fato é que eles terão de
ser enfrentados, cedo ou tarde. Não há espaço para omissão, é preciso lutar
para unir os conhecimentos científico e humanista segundo Sgreccia (10).
Um aspecto muito próximo de quem
trabalha na área da saúde é a pesquisa que envolve seres humanos
Segundo alguns autores, não se
deve confundir Bioética com a ética profissional, cujo nome mais adequado seria
Deontologia Profissional, muito embora no Código de Ética da Profissão
Farmacêutica nos itens I,II,III,IV,V e VI do artigo 19 da Seção V , da
Resolução CFF 290/96 ”Da Pesquisa Farmacêutica”, haja uma interseção entre a
Deontologia e a Bioética (6).
O Código de Ética Médica se
relaciona em alguns artigos e capítulos direta ou indiretamente com a pesquisa
envolvendo seres humanos. Códigos de outras profissões da área da saúde, no que
se refere a estas pesquisas, são menos completos do que o referido código,
podendo algumas vezes remeter certas decisões para outras instâncias, como por
exemplo, o Conselho Nacional de Saúde (7).
A discussão de temas sobre
Bioética vai muito além da revisão de um protocolo de pesquisa envolvendo seres
humanos. No Brasil um marco nas ações em Bioética foi a Resolução 196/96 que
fornece um direcionamento para uma análise de pesquisa, fundamentada em
entendimentos internacionais e nacionais, de forma a harmonizar critérios e
exigências em pesquisas envolvendo seres humanos (11).
Tal Resolução regulamenta
diretrizes e normas de pesquisa envolvendo seres humanos, preocupação esta de
longa data dos pesquisadores e estudiosos e que faltava consolidar-se em forma
de norma.
Esta Resolução fundamentou-se em
documentos internacionais de onde emanaram declarações e diretrizes sobre estas
pesquisas, além de consultas a vários segmentos da sociedade brasileira, tendo
como base a Legislação Nacional.
Relação de documentos que
fundamentaram a Resolução 196/96
1916 Lei 3.071 e legislação
complementar. Código Civil-Congresso Nacional
1940 Decreto-lei 2.848 e
legislação complementar.
Código Penal - Presidência da
República do Brasil
1946 Código de Nuremberg.
Tribunal de Guerra
1948 Declaração dos Direitos
Humanos.
Organização das Nações Unidas-ONU
1962-2000
Declaração de
Helsinque(1962).Modificada em 1964, Atualizada em Tóquio (1975), Veneza(1983),
Hong Kong (1989), Sommerset West (Africa do Sul)(1996), Edimburgo (2000) Associação
Médica Mundial-AMM
1966 Acordo Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos. Aprovado pelo Congresso Brasileiro em 1992-ONU
1968 Declaração de Sidney.
Atualizada em Veneza em 1983.
Determinação do momento da morte
e dos tratamentos da fase final da doença – AMM
1982 e 1993
Diretrizes Éticas Internacionais
para Pesquisas Biomédicas. Organização
Mundial da Saúde-OMS
1987 Princípios de Ética Médica.Comunidade
Econômica Européia
1988 Constituição da República
Federativa do Brasil
Assembléia Nacional Constituinte
1988 Resolução nº 01/88.
Norma de Pesquisa Médica no
Brasil.
Conselho Nacional de Saúde-CNS
1990 Lei 8.078. Código de Defesa
do Consumidor -Congresso Nacional1990 Lei 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente-Congresso
Nacional
1990 Lei 8080. Lei Orgânica da
Saúde-Congresso Nacional
1990 Lei 8.142. Participação da
comunidade na gestão do SUS-Congresso
Nacional
1990 Decreto 99.438 Organização e
atribuições do CNS -Presidência da República do Brasil.
1990 Decreto 98.830, por
Estrangeiros, de dados e materiais científicos no Brasil –
Presidência da República do
Brasil.
1991 Diretrizes Internacionais
para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos –
CIOMS/OMS
1992/93
Lei 8.489/92 e Decreto 879/93
Retirada e transplante de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, com fins
terapêuticos, científicos e humanitários
Congresso Nacional e Presidência
da República do Brasil 1992 Lei 8.501
Utilização de cadáver não
reclamado, para fins de estudos ou pesquisas científicas Congresso Nacional
1995 Lei 8.974. Normas para uso
das técnicas de Engenharia Genética e liberação no meio ambiente de organismos
geneticamente modificados e criação da
Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança -Congresso Nacional
1995 Diretrizes sobre Boas
Práticas para Ensaios de Produtos Farmacêuticos. OMS
1996 Lei 9.279. Regula direitos e obrigações relativos a propriedade
industrial-
Congresso Nacional
1996 Resolução nº 196/96.
Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos –
CNS
CIOMS: Council for International Organization
of Medical Sciences
A Igreja Católica Romana vem
enfrentando questionamentos sobre Bioética em diversos momentos, por meio do
Concílio Vaticano II, Encíclica Humanae vitae, Sagrada Congregação para a
Doutrina da Fé. Os temas referem-se a conceitos de homem e de família, aborto
provocado, questões da moral sexual, esterilização nos hospitais católicos,
eutanásia, respeito a vida humana nascente e a dignidade da procriação, dentre
outros10.
Outras igrejas cristãs e outras
confissões religiosas também formularam propostas, haja vista as orientações do
Conselho Ecumênico da Igrejas das Genebra relativas ao aborto e ao diagnóstico
pré-natal (“manipulating life: ethical issues in genetic engineering” -1982)10.
O mundo Islâmico também tem
tratado de questões sobre o assunto, no código Islâmico de Ética Médica
-198110.
A discussão de temas em Bioética
deve se estender além dos limites das instituições de ensino e pesquisa,
passando a ser estimulada em diversos locais, como indústrias farmacêuticas,
áreas de produção de imunobiológicos e hemoderivados, em seus diversos staffs.
No Brasil já há centros que se
preocupam com o conhecimento mais aprofundado e robusto em Bioética. Ocorre por
meio de disciplinas de graduação e pós-graduação, criação de núcleos e
sociedades científicas, assim como promoção de seminários, simpósios e
congressos, intercâmbio com outras instituições no exterior, elevando a
produção e divulgação de temas no nosso meio. Já existem experiências de
Comitês de Ética em Pesquisa, CEP, no Brasil que estão se consolidando com
sucesso, como o que ocorre no Instituto Adolfo Lutz desde 1997. A tendência é o
fortalecimento dos CEPs, e a multiplicação das publicações que tratam de suas
experiências, que auxiliam a formação e evolução de novos comitês. Alem disso é
“ um forte impulso à reflexão Bioética” conforme Sgreccia 9,10,12. O CEP deve
ter caráter multi e transdisciplinar, não devendo haver mais do que a metade de
seus membros pertencentes à mesma categoria profissional, participando pessoas
dos dois sexos, constituído por um número não inferior a sete membros e pelo
menos um deles da sociedade representando os usuários da instituição. Poderá
ainda contar com consultores ad hoc, pessoas pertencentes ou não a instituição,
com a finalidade de fornecer subsídios técnicos2. Esta composição permite que a
pesquisa, desde a sua proposta, seja avaliada sob vários pontos de vista, de
maneira ampla, instrumentalizada por princípios religiosos, filosóficos,
culturais, políticos, econômicos, sociais, metodológicos, científicos e éticos
levando-se em conta os hábitos e costumes presentes em determinada época14. Deve-se
mencionar também a ética em experimentação animal, que tem preocupado tanto a
comunidade científica quanto a sociedade civil organizada. Em vista disso têm
sido introduzidos novos conceitos de princípios humanitários nas técnicas
experimentais como os princípios do 3Rs (replacement, reduction, refinement),
substituição, redução e refinamento; estes conceitos têm sido apresentados e
discutidos em eventos técnico-científicos na área da saúde. Na área de
desenvolvimento de fármacos e produtos farmacêuticos a Resolução 251/97 CNS/MS
incorpora todas as disposições contidas na Resolução 196/96 complementando com
disposições da área temática específica de pesquisa com novos fármacos,
medicamentos, vacinas e testes diagnósticos3. Esta norma trata da verificação
de boas práticas de pesquisa clínica, avaliação de projeto de pesquisa de
Farmacologia Clínica (Fases I,II,III,IV) de produtos não registrados no país e
estudos de Biodisponibilidade e Bioequivalência 3.
A Indústria Farmacêutica, ao
desenvolver um novo tratamento, poderá realizar experimentos clínicos
planejados, juntamente com universidades, hospitais públicos e privados,
institutos de pesquisa e centros credenciados, submetendo o protocolo de
pesquisa à apreciação do CEP institucional e, em muitos casos, com
encaminhamento à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, CONEP, quando
pertinente, ou seja, quando se tratar da competência dessa instância. Para
conhecer as Instituições que têm seu CEP aprovado pela CONEP até 01/2/2001,
pode-se consultar os Cadernos de Ética em Pesquisa, publicação da CONEP, ou
buscar informação junto a própria comissão por meio do site do Conselho
Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, CNS/MS4,5. À guisa de conclusão, a
Bioética é a lente de aumento, que podemos utilizar como instrumento para
ampliar nossas reflexões sobre o objeto de pesquisa, tendo a vida como
principal valor, e sua conservação e de gerações futuras com melhor qualidade. Este
é o desafio que temos o dever de enfrentar
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